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quinta-feira 26 de dezembro de 2024 às 11:56h

O que fazem mercenários europeus em uma zona de guerra na República Democrática do Congo

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Empresas de segurança europeias combatem rebeldes a serviço do governo da República Democrática do Congo. À DW, um de seus funcionários diz agir por motivos nobres. Mas atuação é questionável. O coronel Romuald serviu por 36 anos no Exército francês antes de se aposentar. O paraquedista esteve em missões no Mali, Senegal, Togo, Afeganistão e Kosovo. Agora, ele está na guerra no leste da República Democrática do Congo (RDC).

O militar aposentado lidera uma missão delicada na cidade de Goma e, por isso, prefere não divulgar seu sobrenome. Ele chefia uma equipe de 20 pessoas da empresa de segurança búlgara Agemira, que assessora o Exército congolês em sua guerra contra a milícia M23, além de ajudar a organizar suas fileiras. A Agemira também é responsável pela manutenção de aeronaves e drones, pelo abastecimento das tropas e pela intermediação de acordos para compra de armamentos.

Entre camaradas

Romuald confia em ex-colegas de farda; aposentados do Exército francês, como ele, são maioria entre os funcionários. A Argemira presta há dois anos serviços para o governo do país africano, após a M23 voltar a ameaçar sua hegemonia.

A milícia, segundo especialistas das Nações Unidas, recebe apoio de Ruanda na forma de armamentos e até 4 mil soldados. Na província de Kivu do Norte, onde fica Goma, eles controlam vastas porções de terras férteis e ricas em recursos naturais.

Além da Agemira, o governo da RDC também contratou a empresa militar romena Ralf – sigla para “Romenos que serviram na Legião Francesa” –, que dispõe de 800 combatentes de origem romena e belarussa.

Como o nome da empresa sugere, muitos, de fato, serviram no ramo do serviço militar francês aberto a estrangeiros. Na RDC, seus soldados – ou “Romeos” – formam um anel de defesa em torno de Goma e de Sake.

“Causa nobre”

A Agemira e a Ralf atuam em conjunto, consideram-se uma equipe. “Estamos lutando por uma causa nobre”, afirma o coronel Romuald. Segundo ele, Ruanda ocupa ilegalmente o território vizinho e saqueia recursos, como a mina de coltan – minério muito usado na fabricação de aparelhos eletrônicos portáteis – em Rubaya, a cerca de 50 quilômetros de Goma.

A ação dos rebeldes, argumenta Romuald, força milhões de pessoas a fugir. Os veteranos europeus, emenda, querem libertar a RDC dessa situação. “Disse à minha esposa que só voltarei para casa quando os refugiados puderem retornar às suas terras.”

Ele diz que até fevereiro estava confiante que a missão terminaria até o fim do ano. Mas os combates continuam, apesar de uma trégua estar oficialmente em vigor desde agosto. Negociações diplomáticas entre RDC e Ruanda até agora também não levaram à paz.

Excesso de otimismo, admite Romuald. Ele atribui o fracasso à superioridade técnica e à disciplina mais rigorosa do exército ruandês, que teria lhes permitido avançar sobre o território vizinho.

Mas os problemas também parecem estar no alto escalão do governo. Meses atrás, diversos combatentes da Ralf deixaram a RDC por atraso no pagamento de salários. Segundo Romuald, o problema já foi resolvido.

Tratamento de soldados é “meio racista”, diz especialista

A depender da patente, um mercenário ganha entre 5 mil e 6 mil dólares por mês (entre R$ 30 mil e R$ 37 mil), afirma o coronel Romuald.

“Isso é muitas vezes maior que as poucas centenas de dólares que os soldados congoleses recebem”, diz Onesphore Sematumba, analista do Think Tank Crisis Group em Nairóbi, no Quênia. Para o especialista, o tratamento desigual entre soldados locais e estrangeiros é “meio racista”.

Segundo ele, os oficiais estrangeiros ficam hospedados em hotéis ou mansões e usam veículos novos do Exército, enquanto os soldados congoleses têm que se deslocar a pé, algo que alimenta ressentimentos – fato reconhecido por um militar da Agemira que conversou com a DW em um restaurante às margens do pitoresco lago Kivu.

Sematumba frisa que, apesar de os mercenários até agora terem conseguido defender Goma e Sake, eles não têm sido capazes de conter o avanço do M23 nas áreas rurais. “Esses indivíduos muito bem pagos realmente não fazem muita diferença”, avalia.

O especialista atribui esse fracasso em parte à presença na região leste do país de diferentes atores militares: o exército nacional, mercenários, a força de paz das Nações Unidas, tropas da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, unidades de Burundi, milícias civis e tropas da Comunidade da África Oriental, que estiveram presentes temporariamente.

Guerra por diversão?

O coronel Romuald insiste que os europeus não estão no RDC por dinheiro: “É minha profissão, e é uma aventura.”

“Eles simplesmente gostam do que fazem”, afirma Frank Daumann, professor da Universidade Friedrich Schiller em Jena, na Alemanha, que acompanha o mercado de empresas privadas de segurança. Ele explica que alguns veteranos de exércitos vão parar nessas empresas porque querem continuar em atividade após a aposentadoria.

“Não somos mercenários”, frisa Romuald, que diz atuar principalmente como consultor. Ele diz que militares da Ralf andam armados, mas só agem para defender Goma ou Sake em caso de ataque. Já os funcionários da Agemira sequer portariam armas.

O mercenarismo é ilegal na Europa, e os serviços de inteligência da França e da Romênia às vezes interrogam funcionários da Agemira e da Ralf durante suas visitas ao país de origem, relata Romuald. “Se nos comportássemos como mercenários, seríamos presos”, conclui.

Ramo com fama duvidosa

As práticas comerciais de muitas empresas privadas de segurança são opacas. Algumas delas, como a Africa Corps (ex-Grupo Wagner, da Rússia) e a Academi (antiga Blackwater, dos EUA), foram acusadas por organizações como a Human Rights Watch de cometer crimes graves.

Mas embora condene a ação dessas duas empresas em particular, o coronel Romuald afirma que regular esse setor seria algo utópico demais.

Até agora, defensores dos direitos humanos em Goma não encontraram evidências de que a Agemira ou a Ralf estejam cometendo crimes ou fazendo negócios com os recursos minerais do país.

“O contexto é diferente do caso do [Grupo] Wagner”, afirma Sematumba. Ele explica que os mercenários no RDC não atuam na linha de frente nem em áreas de mineração e, portanto, “não têm a oportunidade de tomar civis por rebeldes e matá-los”.

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