País na África Ocidental vive crise de segurança gerada por grupos islamistas ou gangues movidas pelo desespero econômico. Mais de 3.600 pessoas foram sequestradas em um período de um ano. A prática dos sequestros na Nigéria evoluiu a tal ponto que passou a ser considerada uma grave ameaça à segurança pública, ao se tornar uma fonte de renda para organizações criminosas e grupos islamistas radicais.
Em um dos casos mais recentes, homens armados sequestraram mais de 160 moradores do vilarejo de Kuchi, no estado de Niger, na região central do país, matando dez pessoas.
Autoridades locais afirmaram que os criminosos, que chegaram ao vilarejo em motocicletas, são suspeitos de pertencerem ao grupo terrorista Boko Haram, que há alguns anos vem gerando terror no país.
A ONG Anistia Internacional (AI) advertiu que o caso de Kuchi é mais uma indicação do “fracasso absoluto” das autoridades nigerianas em proteger a população. “Deixaram as comunidades rurais de Niger à mercê dos grupos armados que matam e sequestram pessoas diariamente”, afirmou a entidade em postagem na rede social X.
Peter Obi, candidato à Presidência do Partido Trabalhista nigeriano nas eleições de 2023, afirma que os constantes ataques aos habitantes dos vilarejos – em sua maior parte, fazendeiros – gera impactos negativos na produção alimentícia do país.
“Não devemos permitir que a insegurança interfira nas atividades agrícolas do país e deixem ainda mais pessoas em situação de pobreza e fome”, alertou.
Entre julho de 2022 e julho de 2023, ao menos 3.620 pessoas foram sequestradas na Nigéria, segundo uma análise da SBM Intelligence, uma empresa de consultoria especializada em temas africanos. Os sequestros em massa também são comuns, com uma média de seis pessoas sendo levadas em cada ocorrência.
Quem está por trás dos sequestros?
Vários grupos diferentes estão envolvidos nos sequestros, como algumas milícias criminosas e gangues armadas que surgiram na região noroeste do país.
Nas últimas duas décadas, esses grupos evoluíram de gangues itinerantes envolvidas em crimes locais, como roubos de gado, para organizações criminosas que atuam no tráfico de drogas e de armas, e que passaram a praticar sequestros em massa de crianças em escolas rurais exigindo o pagamento de resgates.
O norte e o noroeste do país estão repletos de milícias islamistas, como a autointitulada Província do Estado Islâmico na África Ocidental (ISWAP) e o Boko Haram – este último se tornou conhecido pelo sequestro de 276 meninas de uma escola do vilarejo de Chibok, em 2014.
O Boko Haram costuma agir contra meninas e mulheres que, com frequência, vivem em internatos ou alojamentos universitários.
Vários grupos armados atuam na região do delta do rio Niger, considerada uma das regiões mais poluídas do planeta. Muitas dessas organizações possuem raízes em milícias formadas nos anos 1990 que visavam pressionar o governo a lidar com a poluição causada pela exploração do petróleo e com a pobreza que se agravou após as fazendas da região serem arruinadas.
O que querem os sequestradores?
Muitos dos sequestros são motivados pelo desespero econômico. Os sequestradores, na maioria dos casos, pedem quantias de dinheiro como resgate, apesar que, às vezes, eles exigem estoques de comida, motocicletas e até gasolina em troca das pessoas sequestradas.
As motocicletas são “uma ferramenta de menor demanda econômica para muitos jovens desempregados do norte do país e de fácil utilização em ataques terroristas”, afirma um relatório de inteligência da SBM.
Às vezes, porém, os sequestros podem ser de motivação política. Muitos no país veem as ações do Boko Haram como uma forma de demonstrar força, tanto para o governo quanto para a população nigeriana.
Outros, no entanto, dizem que as ações do Boko Haram – cujo nome significa literalmente “educação ocidental é pecado” – contra as jovens estudantes em escolas e universidades é um meio de intimidar as meninas e mulheres a continuarem com seus estudos.
Quem são os alvos?
Os sequestradores tendem a atuar contra grupos distintos. Há os mais vulneráveis, como as mulheres saem para coletar lenha, as crianças nas escolas ou a população de vilarejos desprotegidos em regiões remotas, longe da polícia ou das forças de segurança. Estes, na maioria dos casos, são sequestros em massa.
Há também os alvos de valor mais alto, como membros ou ex-membros do governo, seus familiares, pessoas da classe alta e políticos. Apesar de os sequestros de estrangeiros que trabalham na indústria petrolífera ganharem destaque na mídia, autoridades governamentais, filhos de pessoas ilustres e outras pessoas das classes mais abastadas também atraem os criminosos.
Os padres católicos também se tornaram um grupo de risco, com alguns deles sendo levados pelos criminosos até mesmo durante as missas. O sequestro de 21 padres entre julho de 2022 e junho de 2023 é um sinal de como os sacerdotes são vistos como uma fonte de renda lucrativa em razão dos recursos acumulados pela Igreja.