Centenas das chamadas candidaturas coletivas deverão disputar vagas no Legislativo neste ano, ligadas sobretudo à esquerda e representando minorias. Apesar de dificuldades, grupos já eleitos destacam avanços.
Segundo Luciano Dias, da DW Brasil, apesar de a legislação brasileira ainda não regulamentar os chamados mandatos coletivos, nos quais um representante eleito para o Legislativo se compromete a dividir o poder com um grupo de cidadãos, o modelo vem ganhando espaço, principalmente entre a esquerda e a centro-esquerda. A tendência deve se manter nas eleições deste ano, quando também haverá uma novidade nas urnas em relação a esse tipo de candidatura.
Representantes de determinadas pautas que entendem que não teriam força para se eleger sozinhos consideram a candidatura coletiva uma forma de conseguir se fazer representar em cargos eletivos. O coletivo escolhe uma pessoa para formalizar a candidatura junto à Justiça Eleitoral, mas faz campanha em nome do grupo. E, se a pessoa é eleita, conduz o mandato também de forma coletiva, com reuniões para definir posicionamentos e atividades.
No pleito nacional e regional de 2010 e no municipal de 2012 foram quatro candidaturas coletivas e quatro mandatos eleitos; nos de 2014 e 2016, subiu para 74 candidaturas e 18 mandatos; e nos de 2018 e 2020, disparou para 341 candidaturas e 28 mandatos.
Na disputa eleitoral de 2022, o número de candidaturas coletivas deve chegar a cerca de 400, prevê a pesquisadora e integrante da Frente Nacional de Mandatos e Mandatos Coletivos (FNMMC) Luciana Lindenmeyer. E espera-se que o número de mandatos também supere o das eleições passadas.
Novidade nas urnas
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) permitiu que, pela primeira vez, a denominação do coletivo apareça na urna eletrônica ao lado do nome do candidato que o representa.
Segundo resolução aprovada pelo TSE em dezembro passado, será mantida a exigência de que a candidatura seja registrada no nome de apenas uma pessoa. O exercício do mandato também seguirá formalmente vinculado ao nome da pessoa que consta no registro da candidatura.
O ministro Edson Fachin, presidente do TSE, afirmou que “a chamada candidatura coletiva representa apenas um formato de promoção da candidatura, que permite à pessoa que se candidata destacar seu engajamento em movimento social ou em coletivo”.
Diálogo com movimentos sociais
Uma pesquisa acadêmica sobre o novo formato de representação política mostra que os grupos estão ligados sobretudo a partidos de esquerda e centro-esquerda, com pautas identitárias e direcionadas a minorias.
“Tenho percebido que o mandato coletivo é uma bandeira da esquerda, com uma pauta fixa e de grupos pequenos. Isso gera mais eficiência do ponto de vista eleitoral e de buscar resultado nas urnas”, afirma o pesquisador Leonardo Secchi, da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc).
A análise de Secchi parte de estudos de cinco tipos de candidaturas coletivas e compartilhadas no Brasil, coordenados pelo professor em parceria com quatro acadêmicos da Universidade de Brasília (UnB) e das universidades federais de Alagoas e de Santa Catarina.
Entre as 313 candidaturas coletivas no pleito municipal de 2020, 120 (38,3%) eram de esquerda, e 133 (42,5%), de centro-esquerda. Grupos com mais de dez membros somavam apenas 4,5% do total. Dos integrantes dos coletivos oficiais, 46,13% se reconheciam como pretos ou pardos, e 52,58%, como brancos. O percentual de mulheres era de 47,3%.
Para a pesquisadora Beatriz Sanchez, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), o número expressivo de coletivos de negros e feministas sob siglas de esquerda é uma consequência natural da relação dos grupos com os movimentos sociais.
“É uma nova forma de exercício de poder colada às demandas dos movimentos. Os mandatos coletivos surgem muitas vezes desse diálogo com os movimentos sociais”, diz Sanchez, que estuda representação política.
Desafios da convivência
Lindenmeyer, da Frente Nacional de Mandatos e Mandatos Coletivos, avalia que, neste ano a composição dos grupos deve ser diversificada dentro de limites que não gerem conflitos.
“Não digo que os grupos sejam homogêneos. O [coletivo] Vem Viver, por exemplo, tem mulher branca, negra, indígena. É uma diversidade positiva pelo aprendizado e pelo diálogo em torno de diversas pautas”, diz Luciana, doutoranda pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
O Vem Viver (Psol) é integrado por cinco mulheres que se apresentam como “feministas e ecossocialistas” e ocupa uma cadeira na Câmara de Florianópolis. Livia Guilardi, uma das covereadoras, vai disputar as eleições deste ano com o Coletiva Raízes. São duas mulheres e um homem negros.
“Nesse caso [grupos com pauta racial], quando há um misto com pessoas negras e não negras, é bem provável que ocorram mais questões, porque o racismo é estrutural e acaba aparecendo”, analisa Lindenmeyer, que estuda a violência contra mulheres negras em mandatos coletivos.
A deputada estadual Monica Seixas (Psol-SP), da Mandata Ativista, eleita em 2018 para Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), viveu na prática as “questões” de um coletivo múltiplo. A convivência parlamentar foi conturbada com disputa interna, saída de integrantes e a ausência de programa político consensual entre os membros.
“Eu não me sentia mais à vontade de estar na posição de porta-voz de um mandato com membros que agiam em contradição com a defesa intransigente dos direitos das minorias”. A deputada, porém, lista uma série de avanços: “Conseguimos levar pautas à Alesp como a defesa do meio ambiente e políticas públicas para a população indígena.”
Remodelagem de coletivos
A experiência da Mandata Ativista levou pelo menos dois integrantes do grupo a apostar em novas composições. Seixas e mais seis mulheres negras “feministas e antirracistas” vão disputar uma vaga na Alesp pelo coletivo Pretas do Psol. Jesus dos Santos vai tentar outro voo coletivo com o Mandato Popular, do PCdoB, reunindo nove militantes de causas sociais diversas.
“Na Mandata Ativista, consegui que as pautas as quais defendo penetrasse ainda mais no espaço público. Hoje, entendo como a máquina funciona e o que dá para ser feito”, avalia Seixas.
Os movimentos de Seixas e Santos não são exceções. O Quilombo Periférico (Psol), eleito para a Câmara de São Paulo, vai ceder um dos seis militantes para construir uma candidatura à Alesp. Julio Cesar vai compor outro quilombo e não será substituído.
“Julio é negro, gay, periférico e babalorixá. Não precisa ser substituído porque temos outras pessoas que atuam em linhas semelhantes”, diz Alex Barcellos, covereador que se identifica como branco. A cor da pele ganha relevância na defesa que faz da diversidade que deve reger os coletivos: “Depende do contraditório e de onde vêm essas pessoas. Eu sou um cara branco dentro da construção do movimento negro. Não basta ser antirracista. Tem que praticar, sem querer holofotes.”
A remodelarem por qual passa o coletivo Juntas (Psol), eleito em 2018 para a Assembleia Legislativa de Pernambuco, por sua vez, tem o objetivo de reforçar a presença de pessoas trans no Congresso e ampliar a base do partido. Três das cinco integrantes do Juntas vão concorrer à reeleição: as militantes femininas Jô Cavalcanti, Joelma Carla, e Kátia Cunha. A jornalista Carol Vergolino e a advogada e trans Robeyoncé Lima vão tentar vaga na Câmara Federal.
“A ideia é que a gente amplie essa mandata. E também faz parte da estratégia do partido. As duas saindo com um número potencializam a chapa federal”, afirma Kátia Cunha.
Regulamentação
Aumentar a base da Frente Nacional de Mandatos e Mandatos Coletivos no Congresso pode ajudar na regulamentação das candidaturas coletivas, que depende de votação favorável à Proposta de Emenda à Constituição (PEC 379/2017) ou a um dos Projetos de Lei (PL 4475/2020 e PL 4724/2020). A PEC e os PL, porém, estão em banho-maria. Outra PEC, do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), não conseguiu as 27 assinaturas necessárias para ser protocolada, segundo a codeputada Kátia Cunha.
A Frente tentou a regulamentação na reforma política de 2021, sem sucesso, mas vê como positiva a resolução do TSE de dezembro passado que autorizou a menção do grupo ou coletivo de apoiadores na composição do nome do candidato na urna eletrônica. “A perspectiva é muito boa”, comenta Luciana.
O senador Randolfe Rodrigues e a deputada Renata Abreu (Pode-SP), autora da PEC 379, não retornaram a pedidos de entrevista à DW Brasil.