Luciano Huck estava a um passo do DEM. O partido de ACM Neto e companhia reunia credenciais reluzentes para seduzir o apresentador do Caldeirão a embarcar para, de lá, se aventurar pela política e pela disputa presidencial: capilaridade nacional, nomes identificados com um liberalismo não-reacionário, tempo de TV e recursos.
Mas a eleição para o comando do Congresso aproximou o partido perigosamente do governo Bolsonaro, levou a que um dos principais interlocutores de Huck, Rodrigo Maia, pegasse o caminho da roça e aumentou a insegurança do comunicador quanto à conveniência de entrar na política.
Diante do strike feito no partido com sua aposta em ser linha auxiliar do bolsonarismo — talvez sem calcular a enorme repercussão para fora do mundinho de Brasília que a manobra teria — ACM Neto tenta convencer Huck de que não, imagina, o partido não está com Bolsonaro e ele segue sendo a prioridade.
É apostar demais na ingenuidade e inexperiência política do interlocutor (que sim, tem muito de ambas as características). Para que Huck não caia nesta esparrela, no entanto, não é necessária vasta memória política nem calos de andanças pelos meandros da atividade.
Basta retroceder a 2010, logo ali. Eduardo Campos, então governador de Pernambuco e um aliado antigo do petismo, então antes de dar seu próprio grito de independência, segurou Ciro Gomes no PSB em 2009 prometendo a ele o mesmo que Neto jura a Huck: a legenda seria toda dele para a Presidência.
Acontece que, na época, o prazo para a troca de partido era um ano antes da eleição. E quando raiou 2010, Campos já não era mais tão cirista quanto meses antes. Amarrou o ex-ministro de Lula, foi candidato à reeleição em nova aliança com o PT e, quatro anos depois, fez ele próprio o movimento que ensaiara antes: se lançou candidato a presidente — e veio a falecer durante a campanha num acidente aéreo.
Se Huck acreditar nos acenos de Neto e escolher o DEM para ingressar na política corre sério risco de ter o mesmo destino. Para alguém que tem muito a perder trocando uma carreira bem sucedida por uma incerta investida eleitoral, seria um erro fundador.
Neste caso, vale mais a pena retornar a proposta inicial de ir para o Cidadania e, de lá, construir uma aliança.
Isso, é claro, se ele finalmente deixar de medir a temperatura da água com o pé e resolver pular. Além de todas as incertezas do cenário político, outro fator complicou ainda mais o processo de escolha: a possibilidade de herdar o prime time do domingo na TV Globo com a aposentadoria de Fausto Silva.
Huck tem dito que é tentador ocupar um dos “principais slots” da TV aberta num país em que o veículo ainda é a principal ferramenta de comunicação. Certamente sua escolha não será imediata, e dependerá de se a emissora vai de fato apostar nele. Caso o convite seja concretizado, o apresentador parece bastante tentado a aceitar, ainda que continue dizendo que influenciar no debate público num momento tão crucial do Brasil é algo que o move.
*Texto reproduzido da coluna de Vera Magalhães