A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendeu a transferência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de Curitiba para o presídio de Tremembé, no interior de São Paulo, é simbólica: marca a primeira vitória significativa do petista na Corte desde o início da Operação Lava Jato. É também um indicativo de que os ventos, agora, podem soprar a favor de Lula na última instância da Justiça.
A decisão tomada pelo Supremo nesta quarta-feira (7) é liminar, ou seja, os ministros voltarão a discutir o mérito do pedido feito pela defesa para que Lula seja colocado em liberdade ou que, pelo menos, não seja transferido. O resultado da votação surpreendeu em vários aspectos. Em primeiro lugar pela agilidade da Corte, que interrompeu outro julgamento para apreciar o recurso do petista.
Depois, pelo posicionamento do relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, que votou pela concessão da liminar garantindo a permanência de Lula na Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba. O ministro raramente se posiciona contra a Lava Jato em seus votos.
Simbólico também foi o posicionamento da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que deu parecer favorável contra a transferência de Lula. Ela é a chefe do Ministério Público Federal.
No plenário do Supremo foram dez votos favoráveis ao pedido da defesa do ex-presidente – o único ministro a votar contra foi Marco Aurélio Mello, que basicamente discordou da forma e não do conteúdo do pedido.
“Hoje, o STF impediu que mais uma violência jurídica fosse praticada contra o ex-presidente Lula”, disse o advogado do petista, Cristiano Zanin Martins, em coletiva de imprensa concedida no início da noite, em Brasília. “A decisão do plenário por 10 votos a 1 inegavelmente é uma decisão que tem grande expressão, grande significado”, completou.
Lula cumpre pena de prisão em regime fechado na PF de Curitiba desde abril de 2018, após ter a condenação por corrupção confirmada pela segunda instância da Justiça Federal no processo do tríplex do Guarujá.
STF mudou de humor em relação a Lula?
A decisão quase unânime do plenário pode indicar uma mudança de humor no STF em relação a Lula. Isso ocorre no momento em que diálogos vazados atribuídos ao coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, trazem à tona uma suposta ofensiva do procurador da República contra ministros da Corte.
Reportagens publicadas pela Folha de São Paulo e o El Pais, em parceria com o site The Intercept Brasil, acusam Dallagnol de estimular um cerco jurídico aos ministros do STF Dias Toffoli e Gilmar Mendes, incentivando investigações contra os dois, mesmo sendo essa, por lei, uma prerrogativa exclusiva do procurador-geral da República. O coordenador da Lava Jato também teria, segundo as supostas mensagens, incentivado pedidos de impeachment dos ministros.
Para a defesa de Lula, isso pode significar uma mudança de rumo do Supremo em relação ao petista. “Hoje o STF mostrou que vai observar o devido processo legal, que aplica a Constituição e isso renova nossa expectativa de que o ex-presidente tenha um julgamento justo, imparcial e independente”, disse Zanin.
Segunda Turma vai julgar HC que pode libertar Lula
A tendência de mudança já apareceu na Segunda Turma da Corte no final do semestre passado, quando o colegiado voltou a discutir um habeas corpus da defesa de Lula que questiona a imparcialidade do ex-juiz e atual ministro Sergio Moro e pede a nulidade dos processos conduzidos por ele contra Lula na Lava Jato. Um dos argumentos usados pelos advogados é justamente as conversas divulgadas pelo Intercept.
Os ministros estavam prontos para votar o mérito do caso quando Gilmar Mendes sugeriu que, devido ao adiantado da hora, fosse concedida uma liminar para Lula aguardar a análise do caso em liberdade. Ricardo Lewandowski concordou, mas os ministros Edson Fachin, Cármen Lúcia e Celso de Mello votaram contra a liminar.
Celso de Mello, porém, fez questão de deixar claro que seu voto em relação à liminar não adianta seu entendimento sobre o mérito do pedido. O ministro mais experiente do STF costuma votar a favor da Lava Jato, mas também é considerado um garantista. Existe a expectativa da defesa de que ele vote a favor do habeas corpus e, com isso, o petista consiga maioria na turma para deixar a cadeia. A ministra Cármen Lúcia, outra fiel apoiadora da Lava Jato no colegiado, também deu a entender que pode mudar de opinião conforme surjam novas revelações do Intercept.
“Nós esperamos que a Segunda Turma do STF possa retomar o julgamento do habeas corpus em breve e no mérito reconheça a suspeição do ex-juiz Sergio Moro, como consequência anule todo o processo e restabeleça a liberdade plena do ex-presidente Lula”, disse Zanin sobre o habeas corpus nesta quarta-feira.
O pedido não tem data para voltar à pauta da Segunda Turma, mas a expectativa é que isto ocorra nas próximas semanas. Se os ministros concordarem com os argumentos da defesa, Lula poderá ser colocado em liberdade e os processos contra o petista podem ter que voltar ao estágio inicial, sendo analisados por outro magistrado.
Defesa acredita que transferência foi movimentação política
A controvérsia sobre a transferência de Lula ocorre num momento em que a Lava Jato se vê pressionada pelas reportagens do Intercept e de outros veículos de imprensa. A força-tarefa do Ministério Público Federal nega a veracidade das conversas e afirma que elas podem ter sido adulteradas, mas a estratégia de defesa sofre um abalo a cada novo diálogo publicado.
Na próxima terça-feira (13), o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) vai analisar uma reclamação contra Deltan Dallagnol e, diz a revista Veja, já há maioria formada para afastá-lo da condução da Lava Jato em Curitiba.
A coincidência foi destacada pela defesa de Lula no habeas corpus que buscava evitar a transferência. Na petição, a defesa ressaltou que o pedido de transferência foi feito pela Polícia Federal, que é subordinada ao ministro da Justiça, Sergio Moro, “no momento em que novas e graves revelações sobre a conduta de agentes envolvidos na operação Lava Jato estão sendo trazidas a público por diversos veículos de imprensa em parceria com o portal The Intercept Brasil”. A defesa ressaltou ainda que “estranhamente o pedido de transferência — protocolado há mais de 1 mês (04/07/2019) — foi apreciado pelo Juízo da 12ª Vara Federal de Curitiba/PR”.
“O dado objetivo é que o pedido de transferência foi feito pela Superintendência da Polícia Federal de Curitiba, que é um órgão subordinado ao ministro Sergio Moro, que também é autoridade coautora do habeas corpus que está em julgamento no STF”, disse Zanin depois da decisão do STF que impediu a concretização da transferência.
O pedido de transferência havia sido feito no ano passado pela Polícia Federal e foi reiterado pela corporação em julho deste ano. A defesa aponta, ainda, que entre a Justiça de São Paulo receber o ofício com a decisão da juíza Carolina Lebbos, autorizando a transferência, e a tomada da decisão para qual presídio Lula seria transferido levou apenas 41 minutos. Segundo Zanin, a decisão de Lebbos chegou à Justiça de São Paulo às 10h42 desta quarta-feira e a decisão do juiz Paulo Eduardo de Almeida Sorci foi publicada às 11h23.
Deputados e senadores de pelo menos 13 partidos também mostraram preocupação com a decisão. Um grupo com cerca de 60 parlamentares se reuniu na tarde de quarta-feira (7) com o presidente do STF, Dias Toffoli, para protestar contra a transferência de Lula para o presídio de São Paulo.
Os parlamentares ficaram surpresos com a decisão da Justiça que autorizou a transferência de Lula para a Penitenciária de Tremembé. Segundo o grupo, o local não tem condições para que seja garantida a segurança de Lula. Eles também enxergaram uma retaliação da Lava Jato por causa da pressão causada pelas reportagens do Intercept. “Foi uma decisão política, de retaliação, isto está claro para nós”, disse a deputada Jandira Feghali (PCdoB), que participou da comitiva.
“Estamos aqui em defesa não de uma pessoa, mas do Estado Democrático de Direito”, disse o líder do PSD, deputado Fábio Traad. Ele diz que tomaria a mesma atitude se a decisão tivesse prejudicado um líder de direita. “Nós precisamos nos desapaixonar, desaprender a amar os homens e aprender a amar os valores”, disse o parlamentar. “Estamos convencidos de que ou damos um basta na escalada do viés autoritário, ou vamos sucumbir”, disse ainda Traad.
A reunião foi agendada a pedido do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), que foi representado pelo vice-presidente da Casa no encontro, o deputado Marcos Pereira (PRB). Participaram do encontro representantes de partidos de direita, do centro e de esquerda, como PP, PSD, PSB, PRB, PL, MDB, PCdoB, PSOL, PT, PODE, SD, CIDADANIA e DEM.
Toffoli colocou o recurso da defesa de Lula em julgamento no plenário logo depois da reunião com os parlamentares. E o resultado foi favorável ao ex-presidente, que cumpre pena em Curitiba pela condenação por corrupção no processo do triplex do Guarujá.