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sábado 25 de abril de 2020 às 07:35h

O que a PGR quer investigar sobre supostos crimes de Bolsonaro

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O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu nesta última sexta-feira (24) autorização ao Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar as denúncias feitas pelo agora ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, contra o presidente Jair Bolsonaro. Ele quer aval da Corte para ouvir o ex-ministro e colher possíveis provas.

Nesta manhã, Moro pediu demissão do cargo depois que Bolsonaro decidiu trocar o comando da Polícia Federal. Ele justificou a saída do governo acusando o presidente de estar intervindo politicamente no órgão. Segundo Moro, Bolsonaro quer um diretor-geral na PF que lhe passe informações sobre investigações.

Ele disse ainda que o presidente manifestou preocupação com a tramitação de inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF).

Há duas investigações já em curso no STF com potencial de atingir a família presidencial: uma investiga grupos que espalham notícias falsas nas redes socias e outra apura a convocação dos atos antidemocráticos realizados no domingo (19) pelo país.

Aras aponta na nova solicitação ao STF a necessidade de investigar os possíveis crimes de “falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra”, que podem ter sido cometidos por Bolsonaro ou por Moro, caso a denúncia não se mostre verdadeira.

“A dimensão dos episódios narrados revela a declaração de Ministro de Estado de atos que revelariam a prática de ilícitos, imputando a sua prática ao Presidente da República, o que, de outra sorte, poderia caracterizar igualmente o crime de denunciação caluniosa”, aponta o procurador-geral no pedido.

“Indica-se, como diligência inicial, a oitiva de Sergio Fernando Moro, a fim de que apresente manifestação detalhada sobre os termos do pronunciamento, com a exibição de documentação idônea que eventualmente possua acerca dos eventos em questão. Uma vez instaurado o inquérito, e na certeza da diligência policial para o não perecimento de elementos probatórios, o procurador-geral da República reserva-se para acompanhar o apuratório e, se for o caso, oferecer denúncia”, diz ainda Augusto Aras no documento.

Mais cedo, as declarações de Moro foram consideradas “muito graves” pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que está fazendo um estudo detalhado do pronunciamento e de suas implicações jurídicas, inclusive de possíveis crimes, segundo o presidente da entidade, Felipe Santa Cruz.

Se ficar comprovado que o presidente cometeu algum crime comum no exercício do cargo, ele poderá ser denunciado ao STF por Aras. No entanto, a Constituição prevê que o Supremo só pode dar andamento ao processo com autorização de dois terços da Câmara dos Deputados.

Caso isso ocorra e o STF decida receber a denúncia, o presidente fica suspenso do cargo por até 180 dias enquanto é realizado o julgamento. Se for condenado, perde o cargo, da mesma forma que ocorre ao fim de um processo de impeachment.

Possíveis crimes cometidos pelo presidente

De acordo com juristas ouvidos pela BBC News Brasil, caso as denúncias de Moro contra Bolsonaro sejam comprovadas, as atitudes podem caracterizar crimes diferentes dependendo das circunstâncias. Isso poderá ser esclarecido nessa investigação solicitada por Aras.

“Moro não deu detalhes em seu discursos, sua declaração é cheia de lacunas, ainda há bastante espaço para discussão sobre quais crimes seriam, mas estamos no campo dos crimes contra a administração pública”, explica Maurício Dieter, professor de criminologia crítica da USP. “Uma coisa é certa: é preciso apurar os fatos.”

Um dos possíveis crimes, segundo Dieter, poderia ser o de prevaricação, quando um agente público deixa de praticar ou pratica, contra disposição expressa de lei, um ato de ofício “para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.

Ou seja, se Bolsonaro de fato interferiu na Polícia Federal com o objetivo de satisfazer um interesse pessoal (como interferir nas investigações sobre seus filhos, por exemplo), ele poderia estar praticando prevaricação.

Já segundo a interpretação do professor Rogério Cury, da FGV (Fundação Getúlio Vargas), a hipótese mais forte seria o crime de advocacia administrativa, quando alguém “patrocina, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário”.

Na interpretação de Cury, esse crime seria, em tese, o praticado por Bolsonaro, segundo relato de Moro, porque a nomeação do diretor da Polícia Federal era uma competência do ministro, na qual Bolsonaro teria interferido — ou seja, Bolsonaro teria tentado influir no ato praticado por outro agente público, não tentado obter vantagem com um ato cometido por ele mesmo.

Outras hipóteses levantadas pelos criminalistas são os crimes de tráfico de influência e de atrapalhar uma investigação sobre crime organizado.

“Se ele queria atrapalhar uma investigação sobre o crime organizado, pode configurar crime de atrapalhar a investigação, um crime que existe na lei sobre crime organizado”, explica Gustavo Badaró, professor de direito penal da USP.

No ano passado, veio a público que parentes de suspeitos de integrar a milícia de Rio das Pedras, no Rio, trabalharam no gabinete da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro do hoje senador Flávio Bolsonaro (sem partido) — ex-integrantes do gabinete também eram alvo de investigação por suposto esquema de “rachadinha” com os salários de funcionários.

Uso indevido da assinatura de Moro

Moro também disse, em seu discurso, que foi surpreendido pela exoneração de Valeixo no Diário Oficial — o documento foi publicado com a assinatura eletrônica do então ministro, que diz não ter tido conhecimento do conteúdo antes da publicação.

Além disso, segundo relato de Moro, o texto não estaria correto: o documento diz que Valeixo foi exonerado a pedido dele próprio, o que, segundo Moro, não ocorreu.

Esses supostos atos do presidente — usar uma assinatura digital do ministro sem sua autorização e incluir uma informação falsa em documento publicado no Diário Oficial — poderiam configurar crime de falsidade ideológica, segundo os criminalistas.

Falsidade ideológica, diz o Código Penal, é “omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”.

Maurício Dieter levanta a possibilidade Bolsonaro ter cometido um segundo crime, de falsificação de documento público, definido como “falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro”.

Tudo isso precisaria ser esclarecido por uma investigação e depende também da interpretação do Ministério Público, responsável por apresentar processos criminais à Justiça.

Crimes de responsabilidade

Além da possibilidade de Bolsonaro ter cometido crimes comuns, segundo o relato de Moro, há também a possibilidade de ter cometido crime de responsabilidade, pelo qual poderia ser investigado e sofrer um impeachment.

“(As ações) deixam aberta a porta para caracterização de crime de responsabilidade, primeiro passo para um processo de impeachment”, afirma Dieter.

“Se comprovado que ele agiu de modo incompatível com a dignidade, com a honra, e com o decoro do cargo, ele poderia ter praticado um crime de responsabilidade”, afirma Cury.

A opinião é compartilhada por Badaró, para quem também é possível discutir a hipótese de crime de responsabilidade.

Dieter explica que a lei sobre crime de responsabilidade é muito vaga e aberta a interpretações, o que torna difícil fazer afirmações mais contundentes sobre se os supostos atos de Bolsonaro seriam ou não considerados crimes de responsabilidade.

“A lei dos crimes de responsabilidade tem toda uma história hermenêutica (um histórico de interpretações diferentes). Para caracterizar as pedaladas fiscais como crime de responsabilidade (que levaram ao impeachment de Dilma Rousseff), por exemplo, foi feita toda uma ginástica interpretativa”, afirma Dieter.

Além disso, em última instância, a abertura de impeachment é um processo mais político que jurídico, e depende do quanto apoio o presidente tem no Congresso.

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