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segunda-feira 21 de novembro de 2022 às 11:41h

O que a neurociência nos ensina sobre o prazer

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Como um bom cientista, Kent Berridge ficou feliz quando descobriu que algumas das suas ideias sobre o cérebro estavam erradas.

“Aprendi que muitas dessas decepções podem ser muito gratificantes quando o cérebro sussurra seus segredos e nos surpreende”, afirmou para jornalista Cecilia Barría, da BBC News Mundo.

Professor de psicologia e neurociência da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, Berridge pesquisa há décadas como se origina o prazer no cérebro, quais são as bases neuronais do desejo e dos gostos e o que causa as dependências.

Estas pesquisas permitiram entender muito melhor e tratar condições como o mal de Parkinson, alguns tipos de esquizofrenia e a depressão.

Um dos focos dos seus estudos mais recentes sobre o prazer é a surpreendente diferença que existe no cérebro entre gostar e desejar.

Kent Berridge, um homem branco de olhos claro, sorrindo
Para Kent Berridge, os sistemas cerebrais de dopamina de alguns indivíduos são vulneráveis à neurossensibilização, o que os torna hiper-reativos a determinadas drogas, causando dependência CRÉDITO,SCOTT C. SODERBERG

Berridge começou a interessar-se por este campo quando estava na escola secundária e leu um livro que teve profundo impacto na sua vida: The Territorial Imperative (“O imperativo territorial”, em tradução livre), do escritor norte-americano Robert Ardrey.

Dali surgiu sua curiosidade para entender a relação entre a psicologia, o cérebro e a evolução humana, que acabou por levá-lo a especializar-se nos misteriosos segredos da nossa espécie.

Nesta entrevista, Berridge conta à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC) o que o cérebro nos ensina sobre o prazer.

BBC News Mundo – Como se origina o prazer no nosso cérebro e o quanto isso determina a forma como experimentamos o prazer?

Kent Berridge – O prazer de uma experiência sempre se origina no cérebro. Existem certas chaves que abrem a fechadura do prazer, como o sabor do doce, que é algo prazeroso para muitas pessoas desde o momento em que elas nascem.

Mas também é possível criar um aprendizado relativo a uma aversão a essa experiência, se ela nos fizer sentir náuseas e nos fizer parecer que o doce é repulsivo.

Da mesma forma, o sabor amargo costuma ser naturalmente pouco prazeroso, mas é possível aprender a desfrutá-lo. As pessoas aprendem a abrir esses bloqueios de prazer no cérebro.

BBC – O quanto isso é biológico e o quanto é aprendido socialmente?

Berridge – No caso dos prazeres sensoriais, eles claramente se originam no cérebro. Sabemos que existem certos pontos no cérebro que são geradores de prazer.

Trata-se de uma meia dúzia de pequenas áreas do cérebro que, quando interconectadas, agem como um grupo único para ativar prazeres intensos.

E esses pontos do cérebro que geram prazer utilizam certos neuroquímicos naturais, como opioides ou versões naturais da heroína ou da maconha, para estimular o cérebro e gerar esses intensos prazeres. Chamamos esses locais de pontos quentes hedônicos.

Para outros tipos de prazer, como o prazer de ver alguém de quem gostamos ou experimentar prazer com a arte ou escutando música, é diferente.

Se você me perguntasse 20 anos atrás, eu teria dito que esses prazeres culturais aprendidos funcionam como um sistema cerebral totalmente diferente, em comparação com os prazeres sensoriais. Mas as evidências nos mostraram que as mesmas zonas do cérebro geram prazeres sensoriais ou prazeres aprendidos culturalmente.

BBC – Como você estuda este tipo de conexões cerebrais no seu laboratório?

Berridge – Fazemos experimentos com imagens neurológicas para medir a ativação de determinadas regiões do cérebro humano. Isso nos permitiu entender que as mesmas zonas são ativadas, mesmo com diferentes tipos de prazer.

E, para estudar os geradores do prazer propriamente ditos, nós manipulamos os sistemas cerebrais de animais de forma ética e sem causar dor.

Nós suprimimos a dopamina em ratos com medicamentos capazes de bloquear os receptores de dopamina no cérebro e descobrimos que isso não reduziu o prazer que eles experimentavam com o sabor doce. Ou seja, o gosto pelo doce, mesmo bloqueando totalmente a dopamina, continuava presente.

Nós fazemos experimentos com seres humanos há cerca de 20 anos, manipulando os níveis de dopamina no cérebro, observando o prazer e o desejo, e a diferença entre desejar e gostar.

BBC – Qual é a diferença entre gostar e desejar?

Berridge- Esta é a pergunta fundamental. Eu pensava que não houvesse diferença. Que o circuito cerebral de recompensa fosse o mesmo. Mas a verdade é que eles podem ser separados.

Nós queremos as coisas de que gostamos e gostamos das coisas que queremos, mas nem sempre é assim. É o caso, por exemplo, de uma pessoa que quer algo intensamente, mas não gosta daquilo.

Meus colegas e eu propusemos uma teoria para as dependências. Em alguns indivíduos, seus sistemas cerebrais de dopamina são vulneráveis à neurossensibilização.

Isso significa que eles se tornam hiper-reativos a determinadas drogas. Essa hiper-reatividade aos sistemas de dopamina faz com que eles desejem intensamente certos estímulos, independentemente se gostam deles ou não.

Foram feitos experimentos com o consumo de cocaína ou com pacientes com mal de Parkinson e descobrimos que a dopamina está relacionada com querer algo, com o desejo, mais do que com o gosto.

BBC – Qual é a relação entre a incapacidade de experimentar prazer, conhecida como anedonia, e as doenças mentais?

Berridge – A anedonia pode ser um sintoma de algumas formas de esquizofrenia ou depressão profunda. Como ocorre com os pacientes com Parkinson, observa-se a falta de querer experimentar prazer, mas o prazer em si não desaparece.

Em muitos casos de esquizofrenia, não se trata da perda do prazer, mas da perda da motivação por querer essas coisas. O prazer, o gosto, aparentemente está intacto. No caso da depressão, pode-se perder as duas coisas: o desejo e o gosto.

BBC – Existem indivíduos mais propensos a procurar prazer do que outros?

Berridge – Sim, existem escalas de impulsividade e reações de recompensa. Alguns têm esse tipo de característica nas suas personalidades e é um fator de vulnerabilidade para desenvolver dependências, por exemplo.

Eles têm um sistema cerebral que reage mais aos sinais ativadores dos sistemas de recompensa. Isso pode ser bom para encontrar motivações e prazer na vida, mas também pode nos levar a uma busca excessiva de recompensas, de prazer.

BBC – Que aplicações tem a sua pesquisa?

Berridge – Tem havido aplicações no campo das dependências, por entender que elas têm mais a ver com o desejo do que com o gosto.

Ou seja, as hiper-reações às substâncias que causam dependência podem ser independentes do gosto por elas. Neste sentido, a dependência não é apenas a busca do prazer.

Os resultados das nossas pesquisas também podem ser aplicados ao tratamento de certas condições mentais para ajudar as pessoas a lidar melhor com essas questões.

BBC – Você escreveu que, compreendendo os mecanismos cerebrais do prazer, é possível entender melhor a natureza humana…

Berridge – Nós costumamos pensar que os prazeres e os desejos andam sempre juntos.

Quando vemos um dependente, podemos pensar que ele é dependente porque procura o prazer. Mas, se compreendermos a essência das dependências, podemos entender que pode existir um nível intenso de desejo, um nível intenso de tentação, que o resto de nós não experimentamos nas nossas vidas.

BBC – Daqui a 10 ou 20 anos, o que você gostaria de ter conseguido com suas pesquisas?

Berridge – Minha experiência tem sido uma série de surpresas. Às vezes, essas surpresas são decepcionantes, já que frequentemente nossas teorias estão erradas.

Mas aprendi que muitas dessas decepções podem ser muito gratificantes quando o cérebro sussurra seus segredos e nos surpreende.

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