Os preparativos para as eleições presidenciais mais recentes nas duas maiores democracias do Hemisfério Ocidental foram notavelmente semelhantes, diz Jack Nicas, do The New York Times.
Atrás nas pesquisas, o presidente de direita afirmou, sem provas, que a eleição poderia ser fraudada. Ele sugeriu que talvez não aceitasse uma derrota. E milhões de seus seguidores prometeram sair às ruas sob seu comando.
Mas os resultados, pelo menos até agora, foram drasticamente diferentes.
No Brasil, quando as apurações mostraram que o titular da Presidência havia sido derrotado após apenas um mandato, as instituições do governo responderam de forma conjunta, rápida e decisiva. O presidente do Senado, o procurador-geral, os ministros do STF e os chefes da autoridade eleitoral foram juntos à televisão e anunciaram o vencedor . O presidente da Câmara, talvez o mais importante aliado do presidente, leu então um comunicado reiterando que os eleitores haviam dado seu veredicto. Outros políticos de direita rapidamente seguiram o exemplo.
O presidente Jair Bolsonaro, politicamente isolado, ficou em silêncio por dois dias . Então, sob pressão de seus principais conselheiros, ele concordou em transferir o poder .
Milhares de seus apoiadores saíram às ruas , bloqueando estradas e exigindo uma intervenção militar, mas as Forças Armadas não demonstraram interesse em atrapalhar o processo eleitoral. As manifestações rapidamente diminuíram e o governo começou sua transição.
Nos Estados Unidos, o pós-eleição foi mais longo, mais confuso e marcado pelo pior ataque ao Capitólio, a sede do Congresso, em dois séculos. O presidente Donald Trump e muitos de seus aliados negaram que ele tenha perdido a eleição de 2020.
Dois anos depois, o país enfrenta uma das mais terríveis ameaças à sua democracia em gerações, com muitos republicanos rejeitando abertamente o que tem sido repetidamente demonstrado ter sido uma eleição limpa. Muitos que promovem essa mentira buscam cargos nas eleições legislativas e estaduais da próxima terça-feira.
Os diferentes cenários levantam uma questão fundamental: há algo que os Estados Unidos, a democracia mais antiga do mundo, possam aprender com o Brasil, uma nação que estava saindo da ditadura militar quando o presidente Biden concorreu pela primeira vez à Casa Branca em 1988?
O Brasil, por sua vez, acompanhou de perto o que aconteceu nos Estados Unidos, onde a democracia não acabou após as eleições de 2020, mas ficou abalada.
Com a previsão de caos semelhante para seu país este ano, os brasileiros reforçaram seu sistema bem antes do tempo. As autoridades eleitorais acrescentaram testes adicionais das urnas eletrônicas e verificações dos resultados, padronizaram as horas de votação para que os resultados chegassem rapidamente e se preparam para apresentar uma frente unida assim que o vencedor fosse declarado.
— Aprendemos com a experiência dos Estados Unidos — disse Bruno Dantas, corregedor do Tribunal de Contas da União, que concluiu uma rápida auditoria dos votos na noite da eleição destinada a evitar alegações de fraude. — Construímos uma rede de instituições que antecipou as questões que sabíamos que poderiam surgir.
A velocidade do sistema de apuração de votos do Brasil também foi um fator importante.
Em muitos estados americanos, os eleitores usam cédulas de papel, o que pode retardar a apuração, e o voto antecipado e pelo correio também aumentou acentuadamente em 2020 por causa da pandemia. O resultado da eleição foi incerto por dias. Por outro lado, o Brasil é o único país do mundo a usar um sistema totalmente digital sem cópias em papel, o que permitiu resultados poucas horas após o encerramento das urnas.
Esse foi exatamente o alvo dos ataques de Bolsonaro e seus aliados, que diziam que o sistema era perigosamente falho. Eles argumentavam que, sem cópias em papel, ninguém poderia ter certeza de que seu voto havia sido contado corretamente.
Especialistas independentes concordam que cópias em papel acrescentariam garantias, mas também afirmam que várias camadas de segurança incorporadas ao sistema brasileiro previnem fraudes e erros.
Enquanto os americanos esperaram quase uma semana pela confirmação da vitória do presidente Biden em 2020, Trump, seus aliados e influenciadores nas mídias sociais aproveitaram o atraso para semear dúvidas sobre fraude eleitoral, usando mentiras e teorias da conspiração.
No Brasil, no domingo, quase todos os votos foram contados em menos de três horas. Antes das 20h, no horário local, foi declarado o vencedor, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Bolsonaro não aceitou explicitamente o resultado, mas também não o contestou.
— A comunidade internacional sempre concordou que a melhor maneira de realizar eleições é com resultados oportunos e transparentes que são anunciados imediatamente — disse Pippa Norris , especialista em política comparada da Universidade Harvard que estudou democracias em todo o mundo. — Nosso processo é longo, propenso a atrasos e mal regulado.
Em parte, o desafio nos Estados Unidos é que as eleições presidenciais são organizadas em torno de regras e práticas que diferem por estado e até por condado. No Brasil, a eleição é realizada por um tribunal eleitoral independente, composto por uma bancada rotativa de juízes federais, que está fora do alcance do Executivo.
A descentralização pode ser uma salvaguarda contra o golpismo porque evita um único ponto de falha, e ao mesmo tempo dá às localidades a oportunidade de introduzir regras que expandem a votação. Mas os Estados Unidos são uma das poucas democracias do mundo que não têm uma agência nacional para contabilizar votos e anunciar resultados, disse Norris. Em vez disso, o público espera que os meios de comunicação confirmem o resultado das eleições antes que as apurações oficiais sejam concluídas meses depois.
No entanto, na era da internet, mesmo com uma eleição tranquila, a desinformação ainda pode se espalhar.
Quanto a esse problema, o governo dos EUA é em grande parte indiferente, deixando para as empresas de tecnologia policiar o que pode ser dito on-line e identificar e remover postagens que violem essas regras.
O juiz Alexandre de Moraes, que também é o atual chefe do tribunal eleitoral do Brasil, ordenou que as empresas de tecnologia retirassem milhares de postagens, com pouco espaço para apelação, no que ele afirmou ser uma tentativa de combater “notícias falsas” que ameaçam a democracia brasileira.
No Brasil, um juiz da Suprema Corte liderou uma repressão agressiva a postagens enganosas e falsas.
Por isso, ele se tornou um dos árbitros mais poderosos em qualquer democracia do mundo do que pode ser dito on-line. Uma semana antes da votação, outras autoridades eleitorais concederam a ele o poder unilateral de suspender uma empresa de tecnologia no Brasil se ela não cumprisse suas ordens de retirar uma postagem em duas horas.
A desinformação ainda fluiu, mas provavelmente muito menos do que se Moraes não tivesse agido. No entanto, sua atuação contundente atraiu amplas reclamações da direita brasileira de que ele manipulou a eleição censurando vozes conservadoras.
O que está claro é que ele expandiu drasticamente o poder dos tribunais brasileiros sobre o discurso on-line e, às vezes, emitiu decisões que provocaram preocupações de que seus esforços para proteger a democracia poderiam também representar uma ameaça .
Ele ordenou invasões nas casas de oito empresários depois que apenas um deles sugeriu que apoiava um golpe em um grupo privado de WhatsApp e mandeu prender cinco pessoas por postagens nas mídias sociais que, segundo ele, atacaram as instituições do Brasil.
Esta semana, Moraes ordenou que as empresas de tecnologia retirassem muitas postagens em que os apoiadores de Bolsonaro alegavam fraude eleitoral — sem provas — e conclamavam os militares a assumir o governo .
David Nemer, professor brasileiro na Universidade da Virgínia que estuda desinformação, disse que a atuação de Moraes tem sido eficaz porque ele age rapidamente e força as empresas de tecnologia a trabalharem de uma maneira melhor.
Sua atuação severa cria um debate complicado. A desinformação é uma ameaça perniciosa e veloz que levou uma parte considerável do país a perder a fé nas eleições brasileiras. Ao mesmo tempo, as empresas de mídia social falharam repetidamente em combater notícias falsas em todo o mundo. Então, quando um juiz age de forma assertiva para combater o problema — ainda que estabeleça um precedente perigoso — muitos no Brasil têm sentimentos contraditórios.
— Sou cautelosamente a favor por causa dos riscos potenciais — disse ele. — No entanto, isso não deve nos impedir de ter um debate sobre um processo mais transparente.
Na noite de domingo, foi Moraes quem anunciou os resultados das eleições na TV, ladeado por outras 11 autoridades federais.
—Espero que, a partir desta eleição, os ataques ao sistema eleitoral finalmente parem. Os discursos delirantes, as notícias fraudulentas — disse, sob aplausos.
Minutos depois, a Casa Branca emitiu um comunicado parabenizando Lula “após eleições livres, justas e confiáveis” — um sinal de apoio que impediu ainda mais qualquer movimento para negar os resultados.
Uma semana depois, fica claro que uma eleição que muitos temiam representar uma ameaça existencial à democracia brasileira provou a força das instituições brasileiras — e talvez até pudesse servir de modelo para outras.
— Achamos muito difícil os Estados Unidos mudarem — disse Norris. — Estamos sempre olhando para trás buscando o que os fundadores [dos EUA] pretendiam, como se de alguma forma isso fosse nos guiar. Mas realmente o que precisamos fazer é olhar para o exterior.