Desde que assumiu o governo de Minas Gerais há 13 meses, Romeu Zema não teve trégua. Foi uma tragédia atrás da outra em seu estado. Com apenas 25 dias de mandato, a barragem da Vale em Brumadinho rompeu-se, matando 270 pessoas, das quais 15 ainda continuam sob a lama e o Corpo de Bombeiros decidiu que só vai interromper as buscas aos mortos quando todos forem localizados.
Há dez dias, conforme entrevista publicada na revista IstoÉ, quando ainda se reviravam os rejeitos da mineradora para encontrar restos mortais de um dos maiores desastres ambientais da história do País, os bombeiros mineiros tiveram que concentrar esforços para enfrentar os efeitos das piores chuvas que atingiram o estado em 110 anos: 57 pessoas morreram levadas pelas enchentes e mais de 50 mil ficaram desabrigadas em 196 cidades, incluindo Belo Horizonte.
O governador teve, mais uma vez, que coordenar operações para reconstruir as cidades destruídas pelas águas. E, pior, precisa recuperar o estado sem recursos em caixa, pois assumiu o governo com dívidas de R$ 230 bilhões, herdadas da gestão petista do ex-governador Fernando Pimentel. “O PT arruinou Minas Gerais”, afirma Zema.
Em 13 meses de gestão, o senhor já enfrentou duas grandes tragédias. A primeira foi Brumadinho e agora o caos das chuvas, que já mataram 57 pessoas em Minas Gerais. Como é cuidar de tantas crises em tão pouco tempo?
Eu venho da iniciativa privada, onde estava habituado a enfrentar crises. Não é fácil lidar com a perda de tantas vidas, ver famílias desoladas, que perderam seus entes queridos, mas temos que tocar o barco e fazer o que é melhor para as pessoas. Para mim, esses graves problemas provocaram uma carga adicional de trabalho. Espero que dias melhores venham para Minas. Enquanto lido com as chuvas, não deixei de executar nosso plano maior, que é tornar o estado fiscalmente viável.
Não foi possível tomar medidas preventivas contra as enchentes? Faltou planejamento ou foi apenas uma calamidade climática?
Eu diria que foram ambos os fatores. Belo Horizonte, que é uma cidade com 120 anos, foi construída com técnicas urbanísticas que hoje não seriam toleradas. Diversos córregos foram canalizados. É uma cidade que tem um relevo que faz com que ela se concentre em vales, onde a água acaba se acumulando. Esse relevo fez com que áreas residenciais sej tornassem regiões de risco, com ocupações desordenadas. No Brasil inteiro há essas ocupações desordenadas, mas quando elas ocorrem em áreas planas, não se tem os problemas de deslizamentos que nós temos aqui. Então, há fatores que poderiam ter sido evitados, de planejamento, e os fatores climáticos. Sofremos as piores chuvas em 110 anos, desde que a medição passou a ser feita.
Mas o temporal não pegou só Belo Horizonte, atingiu também 196 municípios, certo?
Eu conheço a maioria das cidades atingidas e posso garantir que coincide com o que acabei de falar. Algumas cidades foram construídas na beira de rios e se vê palafitas em cima de córregos. As cidades não tiveram planejadores com capacidade para desconfiar que as residências seriam tomadas pelas águas. Se os rios fossem margeados por matas, essa água seria absorvida. Mas do jeito que as cidades foram erguidas, quando chove muito os rios transbordam e alagam as casas. No Brasil, não se planejou nada, sempre se improvisou.
Ainda não sei de quanto vamos precisar, mas lembro que os prejuízos em Minas foram muito superiores aos registrados no Rio e no Espírito Santo. Diante dessa proporção, é provável que de 70% a 80% desse valor seja destinado ao nosso estado.
Há previsão de mais chuvas para os próximos quinze dias. Como evitar danos e mortes?
As chuvas continuam, mas agora elas não estão contínuas, por três ou quatro dias, como vinha acontecendo. Aqui em Belo Horizonte choveu bastante no domingo (2), mas foi uma pancada de uma hora. É uma situação menos grave. Está sendo possível o solo secar. Na semana passada, o que aconteceu foi uma saturação do solo. Qualquer gota que caía encharcava os morros e ocorriam deslizamentos de moradias.
Essa tragédia acontece quando Minas mal se recuperou do drama de Brumadinho. Um ano depois do desastre, os bombeiros ainda fazem buscas a corpos soterradas pela lama. Há uma previsão para a conclusão dos trabalhos?
Vamos continuar com as buscas com a certeza de que todos os corpos serão encontrados, porque a Vale diz que os rejeitos do minério ainda ficaram concentrados na lama do Córrego do Feijão e que a empresa pretende continuar a utilizar esse material. Como todos os rejeitos serão removidos, os corpos serão localizados. O nosso pacto com as famílias é que só vamos parar quando todas as vítimas forem localizadas.
Além de Brumadinho, o estado já teve a experiência negativa com Mariana. Como existem diversas barragens semelhantes, está sendo feito algo para evitar que esse tipo de tragédia se repita?
A fiscalização melhorou muito depois de Brumadinho. A repetição fez com que a postura de todos aqui mudasse. A Assembleia aprovou uma lei tornando mais rígidas as exigências em relação às barragens. A Agência Nacional de Mineração, que estava distante de uma auditoria efetiva das barragens, voltou a ter técnicos e equipamentos para acompanhar a situação de forma mais adequada e as empresas estão mais conscientes, mudando seus processos para desenvolver a mineração a seco, o que acaba com o depósito dos resíduos nas barragens. As 43 barragens construídas a montante, como a de Brumadinho, e que ainda oferecem riscos, estão em processo de descomissionamento, para serem desativadas. Com todas essas medidas, espero que o estado tenha o risco muito reduzido. Não dá para falar em risco zero, pois isso não existe em lugar nenhum do mundo, mas o risco será bem menor.
Além desses problemas climáticos e estruturais, Minas Gerais enfrenta uma difícil situação financeira, com uma dívida de R$ 230 bilhões. Essa dívida está inviabilizando o estado?
A dívida é um ônus muito grande, mas o que está ao nosso alcance está sendo feito. Desde o início do meu governo, eu já reduzi o quadro do funcionalismo em mais de 42 mil cargos, com uma economia expressiva. Fizemos a revisão de contratos feitos pelo governo anterior e hoje já alcançamos uma economia de R$ 6 bilhões. De certa forma, no entanto, estamos enxugando gelo. Economizamos de um lado e do outro há aumento expressivo de aposentados, já que todo ano tem uma grande quantidade de funcionários que tornam-se inativos, e há promoções automáticas que engessam a máquina administrativa. Eu tenho deixado claro que nós só vamos resolver nossos problemas estruturais com a ajuda da Assembleia, que vai precisar votar uma reforma da Previdência, como outros estados já o fizeram, e precisará analisar uma reforma administrativa para tolher alguns abusos que persistem no funcionalismo. E promover as desestatizações. Sem esses três pilares o estado não será viável, por mais que eu faça.
No passado, o ex-governador Itamar Franco chegou a decretar o calote da dívida estadual. O senhor pensa em fazer o mesmo?
Não. Sou favorável a cumprir contratos.
Mas o regime de recuperação fiscal que Minas pleiteia junto ao governo federal prevê a suspensão das dívidas do estado para com a União por três anos, certo?
Isso mesmo. É exatamente o que o Rio de Janeiro fez. Só que isso é pactuado bilateralmente e não unilateralmente como
o Itamar fez.
Sabe-se que o governo de Minas deve R$ 7 bilhões de repasses de IPVA e ICMS a inúmeras prefeituras, além de salários do funcionalismo. Dívidas como essas estão afetando os serviços básicos do estado, como saúde, educação, segurança?
Já afetou. Muitas prefeituras tiveram dificuldades nos anos de 2017 e 2018 porque o governo do PT não repassou os valores aos quais as prefeituras tinham direito. Durante o primeiro ano do meu governo, coloquei a casa em ordem e na semana passada paguei a primeira dessas parcelas da dívida com as prefeituras, no valor de R$ 250 milhões. Hoje, as prefeituras recebem o que elas teriam direito a receber e ainda estão tendo esse adicional que não foi pago pelo PT.
Para se adequar ao regime de recuperação fiscal, o estado vai precisar privatizar algumas empresas. O governo venderá a Cemig, que é a maior estatal do estado?
Queremos privatizar tudo. As estatais do Brasil, e não só as de Minas, são utilizadas como instrumentos políticos, e de forma totalmente inadequada. A Cemig se transformou em um cabide de empregos no governo passado, do PT. Teve ampliados o conselho de administração, o conselho fiscal, o número de diretorias, e a empresa se desvalorizou e perdeu a capacidade de investir. Hoje é uma empresa sucateada. Um dos principais problemas que eu enfrento aqui em Minas é que há diversas empresas que querem se instalar no estado, ou aumentar a produção, e não podem porque a Cemig não atende a demanda por mais energia. Como o estado não tem recursos para recuperar a empresa, temos duas opções: ou mantemos a Cemig como está, sem capacidade para atender a demanda por energia, ou vamos privatizá-la com um acordo em que o novo controlador venha a investir R$ 21 bilhões necessários para ela ser recuperada e atenda nossa demanda de infraestrutura.
Além da Cemig, Minas venderá também a Codemig, que é dona de minas de nióbio, em Araxá? Temos informações de que o MP está contra essa privatização, dizendo que o governo vai vendê-la por um preço muito baixo?
A Codemig é sócia de uma empresa que tem as minas de nióbio em Minas Gerais, que é a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM). Todo o ano, o estado recebe uma receita de R$ 1,2 bilhão da CBMM a título de dividendos dessa sociedade e você sabe muito bem que quando uma coisa está barata e vai a leilão, o mercado corrige esse preço. Não temo preço baixo ou alto. Temo quando há direcionamentos para a venda. Quem está lá no MP de Contas, que é quem está colocando esse entrave, nunca trabalhou no mercado financeiro. São pessoas que entraram no MP por concurso público há 20 anos e que nunca tiveram convivência com o muito real. Vivem dentro de uma bolha. São apenas duas procuradoras, é bom deixar isso claro.
O melhor negócio que o estado de Minas já fez foi se tornar sócio dos Moreira Salles. O estado não tinha tecnologia, não tinha gestão e só tinha terra onde havia nióbio. Hoje, a exploração desse metal coloca nos cofres do estado R$ 1,2 bilhão anualmente. Ter ouro embaixo da terra e não ter como extraí-lo é a mesma coisa. A venda da empresa não vai beneficiar ninguém. Haverá leilão e quem quiser ter acesso ao negócio vai ter. Estou fazendo o governo mais transparente que já houve em Minas Gerais. Tudo o que eu faço está no portal da Transparência. As procuradoras deveriam ter questionado quando o ex-governador Fernando Pimentel, do PT, fez crédito consignado para os funcionários, descontou as mensalidades do funcionalismo e não pagou os bancos. Elas não fizeram nada. Com certeza, elas devem ser do mesmo partido dele, o PT.
Quanto o PT desviou do funcionalismo com esse esquema?
Quando assumi, havia R$ 500 milhões de apropriação indébita do governo petista. O governo descontou os empréstimos de 200 mil funcionários públicos e não repassou o dinheiro para os bancos. Os nomes dos funcionários foram para o Serasa e ficaram negativados. Isso sim é desrespeitar as normas legais e nada foi feito pelo MP de Contas.
O senhor está tentando tirar o estado do buraco cortando despesas e mordomias. Quais as principais ações de seu governo nesse sentido?
Fiz cortes de toda natureza. No prédio do gabinete do governador, havia nove elevadores, quatro deles privativos, só para atender o governador. Hoje, só temos três elevadores. Eliminamos gastos de R$ 1,2 milhão por ano só com energia elétrica. O ex-governador Pimentel tinha 32 empregadas para lhe servir aqui no Palácio do Governo. Eu estou morando na minha casa e tenho custo zero com empregadas. Não sei quanto isso dá de economia, mas calculo R$ 1 milhão por ano. Ele tinha sete aeronaves à disposição e eu tenho zero. Vendi parte delas e incorporei as outras às forças de segurança do estado, inclusive transportando órgãos humanos para transplantes. Além disso, reduzi o número de secretários de 21 para 12 e revi os contratos do governo anterior. Tudo isso gerou a economia de R$ 6 bilhões por ano para o estado.
O senhor quer dizer que o PT quebrou o estado?
O termo mais certo é: o PT arruinou Minas Gerais. E digo mais: eu não tenho nenhum parente trabalhando no estado. No passado, tivemos aqui a república de Juiz de Fora, mas agora você nunca ouviu falar na república de Araxá, minha cidade. O que eu fiz foi contratar técnicos competentes e não gente que eu conhecia ou que pertencia ao meu partido ou a minha família.
Como o senhor avalia esse primeiro ano do governo Bolsonaro?
Eu vejo o governo Bolsonaro como bom, responsável, patriota e que quer acertar. Eventualmente erra, da mesma maneira que eu erro aqui e que qualquer um de nós erra também.
Mas dizem que ele é intolerante e antidemocrático em algumas medidas. O senhor concorda com isso?
Ele foi eleito por vias democráticas e tem toda a legitimidade para emitir as opiniões dele. Elas não agradam a todos, mas tenho certeza de que as da Dilma e as do Temer também não agradavam todo mundo.
O senhor e seu partido, o Novo, vão continuar apoiando as futuras reformas, como a tributária e a administrativa, como já apoiou a Reforma da Previdência no passado?
A pauta econômica do governo Bolsonaro coincide em 100% com a nossa pauta aqui do governo mineiro.
Recentemente, o senhor disse que não pretende ser candidato a presidente, porque já há um número grande de candidatos. O senhor acha que o Novo deve ter candidato a presidente em 2022?
Isso vai ser resolvido, mais à frente, pelo Diretório Nacional. Nem sobre a escolha de prefeitos para as eleições desse ano eu estou opinando. É o próprio Diretório Estadual que está cuidando disso.
Nas eleições municipais, o Novo anunciou que não pretende usar recursos do fundo eleitoral de R$ 2 bilhões para fazer campanha. Como o senhor pensa em conduzir esse processo das eleições municipais sem dinheiro público?
Vamos fazer a campanha com muito trabalho, como eu fiz a minha para governador em 2018. Eu não tinha nada para gastar e meus adversários possuíam milhões. Eles tinham 10 minutos por dia e eu tinha cinco segundos por semana. Vamos fazer campanha com propostas boas e com seriedade. É isso que o eleitor quer. Não quer ver gente mentido e prometendo coisas que não vai cumprir depois. O povo amadureceu e a má política que era feita no País dificilmente vai voltar a funcionar, a não ser em regiões mais atrasadas, onde as pessoas talvez não estejam tão bem informadas.