O ex-presidente Lula (PT) se encontra conforme a revista Veja, em uma situação confortável neste início de ano eleitoral. Segundo as pesquisas, ele tem chances de vencer no primeiro turno a corrida ao Palácio do Planalto e, num eventual segundo turno, derrotaria todos os adversários com folga. Já Jair Bolsonaro (PL), hoje o seu principal rival, enfrenta uma crise de popularidade e tem seu governo reprovado por metade da população. Diante desse quadro, petistas costumam dizer que o ideal para Lula é “jogar parado”, evitar bola dividida e só entrar em campo para agendas positivas. Ressalvadas as exceções de praxe, como as caneladas dadas na reforma trabalhista, Lula tem seguido à risca essa estratégia, mas a sua campanha não se resume a isso. Além da tentativa de aparentar moderação, o ex-presidente e seus aliados mais próximos trabalham para varrer do cenário eleitoral correligionários que ostentam altos níveis de rejeição ou mesmo fatos que podem atrapalhar a conquista de votos. A ex-presidente Dilma Rousseff é candidata a puxar a fila dos expurgos. O plano do partido é ignorar o mandato dela, tratá-la como um experimento de continuidade que deu errado, no mínimo demarcar as diferenças para deixar claro que o criador, Lula, nada tem a ver com a sua criatura.
Um ensaio dessa dissociação ocorreu no fim do ano passado, durante um jantar que reuniu o ex-presidente, o ex-governador Geraldo Alckmin (sem partido), ventilado como possível vice na chapa do PT, e políticos de diversas legendas, inclusive do MDB, que apoiou o impeachment de Dilma. A ex-presidente não compareceu a esse ato político de tamanha importância e visibilidade porque não foi convidada e considerou isso uma descortesia. Ela ficou particularmente incomodada com o fato de a ex-prefeita Marta Suplicy, que votou a favor de seu afastamento, ter ocupado um lugar de destaque no evento, sentando-se à mesa com Alckmin e o ex-ministro Fernando Haddad, pré-candidato do PT ao governo de São Paulo. Quando a ausência da ex-presidente no jantar foi percebida, os petistas tentaram minimizar o fato, atribuído a uma falha de comunicação. Tal esforço ruiu quando Washington Quaquá, vice-presidente do PT, afirmou que Dilma não tem mais “relevância eleitoral”. Em conversas reservadas, petistas acrescentaram que a gestão dela, que jogou o país na recessão, funciona como uma pesada âncora que puxa Lula para baixo. Por isso deve ser omitida.
A VEJA, interlocutores da ex-presidente disseram ter entendido muito bem o recado: “Tem gente que acha que tudo é culpa do PT. E tem uma parte do PT que acha que tudo é culpa da Dilma”. Os adversários, obviamente, sabem desse ponto fraco e querem explorar o desastre econômico perpetrado pela pupila de Lula. “Nós vamos querer debater os problemas na relação política, a volta da inflação, o estilo autoritário que Dilma teve em alguns momentos. Não pode o PT só falar daquilo que foi bom e esquecer o que foi ruim”, diz Carlos Lupi, presidente do PDT, que lançará o ex-ministro Ciro Gomes ao Planalto. O governador João Doria (PSDB), que citou a “péssima gestão da economia” no governo Dilma, trilhará o mesmo caminho.
O hábito do PT de tentar reescrever a história, atenuando os pecados do partido e supervalorizando os seus feitos, é conhecido. Na cartilha da estrela vermelha, o mensalão não existiu e o petrolão não passou de uma grande conspiração internacional, que criminalizou políticos e empresários inocentes para garantir a tomada de posse do petróleo brasileiro por empresas estrangeiras. Corrupção, se houve, não teve a participação de estrelas do partido. Acredita quem quer, claro. Lula foi condenado duas vezes por corrupção e passou 580 dias na cadeia. Seu ex-braço direito José Dirceu também foi preso, assim como outros companheiros pilhados em roubalheiras.
Na tentativa de voltar ao Planalto, o PT vai posar de vítima de armação. O desafio dos adversários é não deixar o eleitor cair nesse conto da carochinha. Alertados para a estratégia, mais do que atacar a figura de Lula, Bolsonaro e os nomes da chamada terceira via pretendem bater no PT, que teria imagem mais negativa que o seu líder. “É preciso distinguir o petismo do lulismo. Esse último, a despeito do passivo de imagem que o ex-presidente contraiu, ainda se beneficia de uma reserva de popularidade, decorrente da identificação de Lula com o chamado povão. Já o petismo ficou apenas com o ônus da reputação criminosa”, avalia o cientista político Paulo Kramer, que ajudou a formular o plano de governo de Bolsonaro nas eleições de 2018. Um dos estrategistas da campanha à reeleição de Bolsonaro, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), concorda, ressaltando que Lula perde votos no Nordeste quando tem seu nome associado a outros petistas, como Dirceu e a presidente do partido, Gleisi Hoffmann. “Os escândalos de corrupção, a má gestão, o atraso do Brasil e a regressão econômica do PT não podem ficar esquecidos. Na campanha, a gente com certeza vai reavivar a memória do povo de todo o mal que Lula fez”, reforça o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
Um levantamento feito pela Quaest Consultoria a pedido de VEJA detectou que um tuíte do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) lembrando da facada contra seu pai (fazendo, de forma mentirosa, menção ao PT no texto) e a divulgação de uma nota do PT em defesa da ditadura da Nicarágua foram os dois episódios que provocaram mais sentimento negativo em relação ao partido no Twitter no fim do ano passado. Desde então, a rejeição a Lula nas pesquisas de intenção de voto da Quaest subiu de 39% para 43%. A de Bolsonaro é de 66%. “O PT poderá ser seu maior inimigo em 2022 se apostar em agendas que claramente geram rejeição no eleitorado não petista, como a defesa de governos considerados não democráticos”, declara o cientista político Felipe Nunes, diretor da Quaest. Lula sempre foi maior do que o PT. A batalha será renhida. Enquanto alguns tentarão esconder os malfeitos do passado, outros usarão o submundo das redes para tentar vencer. E o jogo nem sequer começou oficialmente.