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sábado 9 de março de 2024 às 16:35h

“O navio está afundando!” O pânico no ataque dos houthis que fez o Rubymar naufragar

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O imediato Mahmoud Gwealy acordou com uma forte explosão que jogou o laptop que estava apoiado em seu peito contra seu nariz. O marinheiro egípcio de 29 anos tinha caído no sono no começo da noite, enquanto assistia a novelas libanesas no alojamento da tripulação, no andar superior do Rubymar. O navio graneleiro de propriedade britânica balançava em um mar tão revolto que ele se perguntou se tinha sido atingido por alguma onda enorme.

A cabine estava sem luz quando ele entrou em um corredor onde marinheiros da tripulação egípcia, síria e filipina tinham se juntado em chinelos e roupas de dormir e lutavam para manter o equilíbrio. Um deles disse que o tremor que reverberou pelo casco parecia um terremoto. Aos gritos, para serem ouvidos por cima do barulho dos alarmes, os tripulantes perguntavam uns aos outros: alguma coisa colidiu com o Rubymar?

“Um míssil grande”, disse um deles por cima da gritaria. “Na sala das máquinas.”

Gwealy subiu até a ponte, onde o capitão analisava a emergência que se desenrolava em um dos poucos navios que ainda cruzavam o Mar Vermelho. A água entrava aos borbotões e se derramava sobre o eixo que movia a hélice. Canos tinham arrebentado. Alarmes de incêndio soavam de forma estridente no navio carregado com 21 mil toneladas de fertilizante.

Pouco depois do ataque, a tripulação do Rubymar não tinha mais do que três horas para decidir se e como salvar seu navio de 172 metros de comprimento. Suas decisões determinariam se eles sobreviveriam ou morreriam e se o Rubymar, que afundava lentamente no que já foi uma das rotas marítimas mais movimentadas do mundo – e agora é a mais perigosa – podia ser salvo.

Se afundasse, ele se tornaria o primeiro navio civil a naufragar em um conflito desde a “guerra dos petroleiros” dos anos 1980, quando o Irã e o Iraque lançavam mísseis contra navios mercantes que se aproximavam, cada um atacando os navios ligados ao outro.

O Rubymar, sob a bandeira de Belize, saíra da Arábia Saudita e rumava para a Bulgária. Ele fazia parte do pequeno número de destemidos que ainda navegavam em águas ao alcance dos mísseis dos rebeldes houthis que, a partir das suas bases na costa do Iêmen, tinham prometido tumultuar o tráfego marítimo até que Israel suspendesse sua campanha militar em Gaza.

Nos meses anteriores, eles dispararam dezenas de mísseis balísticos desenvolvidos por seu principal aliado e benfeitor, o Irã. Mas só danificaram um navio de maneira grave: o Marlin Luanda, que foi rebocado rapidamente para um local seguro.

Enquanto estavam amontoados na ponte, o cozinheiro perguntou aos colegas da tripulação se eles iam morrer. Um engenheiro que tentava entender quantos compartimentos estavam inundados, ofereceu a avaliação mais tranquilizadora que pôde imaginar: “O navio está 50% seguro.”

Águas cada vez mais perigosas

No que foi um piscar de olhos em termos históricos, os oceanos do mundo, tranquilos durante décadas, tornaram-se extraordinariamente tensos. No Mar Negro, barcos comuns passam entre navios de guerra russos e centenas de minas submarinas, enquanto a Ucrânia lança drones marítimos que se detonam sozinhos. No Mar do Sul da China, a Guarda Costeira chinesa abalroou barcos de pesca filipinos e disparou canhões de água contra eles a centenas de quilômetros de sua costa.

Mas é nas águas da costa do Iêmen que a guerra mais põe em perigo as tripulações dos navios de carga, cujo trabalho os consumidores de todos os continentes dão como certo.

Cerca de 80% das mercadorias em todo o mundo percorrem o alto-mar, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). A liberdade que os navios de todos os países têm para transportar essas mercadorias pelos oceanos abertos permitiu o surgimento da economia mundial do século 20, com os EUA à sua frente. Em tempos de paz, um terço de todos os navios porta-contêineres passam pelo Canal de Suez, que liga a Europa, o Oriente Médio, o norte da África e a Ásia.

Nos seus percursos, eles precisam transpor o Estreito de Bab-el-Mandeb – “o Portão das Lágrimas”, com uma largura de apenas 27,3 quilômetros no seu ponto mais estreito –, entre a Península Arábica e o Chifre da África. É esse ponto de estrangulamento na entrada do Mar Vermelho que é alvo do movimento Houthi, que usa radares montados nas traseiras de picapes Toyota para guiar mísseis de cruzeiro, mísseis balísticos e bombas presas em montes de drones marítimos baratos, que analistas estimam ter um custo unitário tão baixo quanto alguns poucos milhares de dólares.

Em contrapartida, a Operação Prosperity Guardian, comandada pelos EUA, tem uma flotilha moderna de navios de guerra cujo objetivo é garantir a segurança do Mar Vermelho. Os EUA lançaram dezenas de mísseis de ataque terrestre Tomahawk, cada um avaliado em vários milhões de dólares, desde submarinos da classe Ohio ou desde cruzadores e destróieres de mísseis guiados, junto com o porta-aviões USS Dwight D. Eisenhower e seus esquadrões de caças liderados pelos F/A-18. A Real Força Aérea Britânica usou jatos Typhoon para jogar bombas guiadas por laser no que alegou serem instalações de comando do lado de fora do principal aeroporto internacional do Iêmen. Os EUA também enviaram helicópteros da Marinha para os céus do Iêmen, juntamente com drones MQ-9 reaper, um dos quais foi abatido pelos houthis com um míssil terra-ar.

Essa demonstração de poder de fogo americano exauriu o estoque de mísseis da Marinha. Em um único dia deste ano, a Marinha disparou mais Tomahawks contra o que acreditava serem depósitos de munição e locais de lançamento de mísseis dos houthis do que adquiriu em todo o ano de 2023.

As seguradoras se preocupam ainda com o fato de que os rebeldes precisam atingir apenas um navio para acarretar indenizações que podem chegar a centenas de milhões de dólares. Os aumentos das taxas de seguro por guerra têm sido grandes o suficiente para levar os navios que navegam entre a Ásia e a Europa a fazerem um desvio de 16 mil quilômetros ao redor do continente africano. O tempo adicional e os custos com combustível desorganizaram cadeias de fornecimento que estavam ajustadas cuidadosamente.

Um número cada vez menor de empresas de transporte marítimo de carga simplesmente tenta a sorte – elas põem em perigo o navio, a tripulação e a carga para economizar combustível e tempo, algumas vezes oferecendo a seus marinheiros mal pagos um bônus modesto por aceitarem o risco.

O Rubymar era um desses navios. Se conseguisse atravessar o Mar Vermelho incólume, traçaria uma rota para as empresas de transporte de carga que estão na delicada base da pirâmide econômica – aqueles que transportam mercadorias perecíveis ou baratas demais para justificarem um desvio custoso ao redor da África. O navio já fizera esse tipo de aposta perigosa antes, pois foi um dos poucos a transportar trigo da Ucrânia durante o primeiro ano da invasão russa.

Desta vez, o desafortunado graneleiro serviu como um teste piloto para saber até que ponto o poder naval dos EUA pode garantir a segurança dos mares. Para seguir sua jornada pelas águas ameaçadas pelos houthis, o “Wall Street Journal” conversou com cinco membros da tripulação e oficiais do navio, teve acesso a um diário de bordo manuscrito, gravações de pedidos de socorro por rádio marítimo e fotos e vídeos do ataque, entrevistou autoridades do Departamento de Defesa dos EUA e do governo de Sanaa, controlado pelos houthis, e consultou especialistas marítimos e historiadores.

“Foi um dia terrível”, disse o capitão Samer Hejazi. “Ainda me surpreendo por estar vivo.” No dia 2, abandonado pela tripulação e sem condições de ser rebocado, o Rubymar foi a pique no Golfo de Áden — e se tornou o primeiro navio afundado na campanha dos houthis.

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