Presidente disse que recebeu esferográfica em 1989 de um militante petista, mas o modelo da caneta só foi lançado 13 anos depois
A caneta escolhida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a posse é o primeiro mistério do terceiro mandato dele:
— A esferográfica preta e branca utilizada por Lula para assinar o termo de posse foi um presente dado ao líder petista em 1989. Mas o modelo dela foi criado pela marca de luxo alemã Montblanc em 2002.
— A caneta é de edição limitada e custa mais de R$ 6 mil em lojas de revenda. Mas foi esse, segundo o roteiro da posse, o presente mais em conta que o militante petista Fernando Menezes encontrou numa loja de Picos, cidade de 78 mil habitantes, no interior do Piauí.
— No encontro perto da Igreja de São Benedito, Lula prometeu ao correligionário que, se eleito presidente, subiria a rampa com o presente. Esqueceu de fazer isso em 2002 e acabou perdendo a caneta. Mas, duas décadas mais tarde, o objeto reapareceu milagrosamente para as eleições de 2022.
— Para ter essa longa durabilidade, as canetas esferográficas precisam ser de qualidade e de boa conservação. Mas, mesmo sendo a caneta “mais barato da loja” da pequena cidade piauiense, a caneta de Lula resistiu ao sumiço e brilhou na posse do presidente do Brasil.
A história, cheia de adversativas, parece confusa? Mas é exatamente o que sustentam os dois personagens envolvidos no “causo”, Lula e Menezes.
No primeiro ato como presidente, em 1° de janeiro, Lula discursou e relembrou a história do presente esquecido em outras cerimônias presidenciais. A mesma história já havia sido contada em 2010, quando ele visitou uma fábrica de papel na cidade de Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul.
“Em 2002, eu ganhei, mas esqueci minha caneta e assinei com a do senador Ramez Tebet. Em 2006, assinei com a do Senado”, falou Lula ao inaugurar o terceiro volume do termo de posse presidencial.
Dessa vez, Lula disse que encontrou a caneta e que homenagearia o povo e o Estado do Piauí. Na sequência, apresentou o item da coleção Montblanc Writers, dedicada ao escritor norte-americano F. Scott Fitzgerald, autor, entre outros, de “O Grande Gatsby”.
Nas imagens da posse, é possível ver inclusive a marca registrada da empresa alemã, uma estrela com seis pontas arredondadas.
A Montblanc comprada em uma loja do interior do Piauí, que sequer existe mais, pertence a uma edição limitada e é dedicada a colecionadores de canetas ou amantes da literatura. Atualmente, o item pode ser encontrado em grandes casas de leilões, segundo consultores da marca.
Com a primeira loja própria no Brasil em 1995, a Montblanc chegou a comercializar por aqui a caneta de edição limitada. Consultores explicaram que por se tratar de uma edição exclusiva, uma vez esgotada, a caneta não é relançada, “o que valoriza ainda mais o preço”.
Segundo a fabricante, “a caneta é projetada após a elegância glamorosa dos anos vinte. Os anéis da tampa e o clipe são de prata esterlina 925 com pena de ouro de 18 quilates e gravação em estilo art déco”.
A caneta foi comercializada em dois modelos: tinteiro e esferográfica. A que Lula utilizou na posse é do segundo tipo. Segundo especialistas consultados pela CNN, a durabilidade de canetas esferográficas varia de acordo com o uso e condições de armazenamento. Se bem guardada, a caneta pode resistir ao lapso de décadas.
Nos últimos anos, Lula se mudou para o Planalto em Brasília, enquanto morava em São Bernardo do Campo. Depois disso, passou algum tempo preso, antes de ter as condenações anuladas e deixar a cidade do ABC Paulista, rumo ao bairro de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo.
O responsável pelo presente
Fernando Menezes, que hoje tem 68 anos, garante que a caneta apresentada é a mesma que deu ao presidente, sem antes lembrar que também entregou uma água mineral, pois fazia muito calor naquele dia.
“Quando eu vi, eu estava em frente à televisão. [Pensei] ‘Oh meu Deus, foi a caneta que eu dei pro Lula!’ Fui pra cama, me deitei e não consegui me levantar porque eu não acreditava que aquela caneta era a caneta que eu tinha dado ao presidente”, explica.
A caneta foi comprada em um comércio que não existe mais, segundo Menezes, mas ele conta que mesmo sem lembrar o preço pago, comprou a caneta mais barata que tinha.
“O dono do comércio [que não existe mais] me chamou e eu vi as canetas que nunca tinha visto na vida. Eu não lembro [o preço]. Era a caneta mais barata que tinha. Era uma época muito difícil pra gente. A fome dominava”, explica.