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quarta-feira 18 de maio de 2022 às 09:14h

O Japão e o medo da energia nuclear

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Na infância, Mika Kasahara via a usina nuclear na costa de sua cidade natal simplesmente como o lugar onde seu pai trabalhava, fortaleza familiar de tanques de resfriamento e torres de aço com vista para o Mar do Japão. “Pensávamos que, se nada de ruim acontecesse, tudo bem”, disse Kasahara, de 45 anos.

Depois do desastre de 11 anos atrás em uma usina nuclear em Fukushima, onde um terremoto e um tsunami levaram ao derretimento de três reatores, o Japão desligou a maioria de suas usinas nucleares. Kasahara, assustada com as falhas de segurança e a infraestrutura danificada na usina perto de sua casa, quer que ela seja fechada para sempre.

Ela exemplifica o longo caminho que o Japão terá pela frente agora que o primeiro-ministro Fumio Kishida, enfrentando ameaças ao abastecimento de combustível representadas pela guerra da Ucrânia e prometendo ações urgentes para reduzir as emissões de carbono, intensifica os esforços para religar a rede de energia nuclear do país.

Pela primeira vez desde a catástrofe de Fukushima, uma pequena maioria do público japonês expressou apoio ao religamento das usinas, indicando uma consciência crescente de que a terceira maior economia do mundo pode acabar tendo dificuldade para manter as luzes acesas ao confrontar seus recursos limitados durante um momento de convulsão geopolítica.

Mas a decisão dessa retomada está repleta de emoções e cálculos políticos, sem mencionar a gigantesca tarefa técnica de fortificar as estações contra desastres futuros em uma nação propensa a terremotos.

Em Kashiwazaki, cidade de médio porte, e na pequena vila vizinha de Kariwa, que juntas abrigam uma usina de sete reatores – a maior do mundo – na província de Niigata, no noroeste do Japão, o destino das usinas ociosas do país é profundamente pessoal.

Quando o pai de Kasahara morreu de câncer no esôfago e no pulmão há três anos, ela se perguntou se as duas décadas que ele passara dentro da usina haviam contribuído para isso. Um engarrafamento durante uma simulação de evacuação a deixou com medo de ficar presa com sua família no caso de um acidente nuclear. “Sinceramente, tive muito medo.”

Líderes empresariais e trabalhadores cujos meios de subsistência dependem da usina alertam que, se ela não voltar a funcionar, a área pode se deteriorar, como muitas comunidades rurais japonesas que experimentam um declínio populacional acentuado. Atualmente, cerca de 5.500 pessoas trabalham na manutenção da usina ociosa, embora as vagas de emprego provavelmente cresçam caso seja reaberta.

Muitos moradores locais trabalham na fábrica ou têm amigos e familiares lá. “Acho que tem mais gente que entende a necessidade da usina”, comentou Masaaki Komuro, CEO da Niigata Kankyo Service, empresa responsável pela manutenção da instalação.

A votação pública mostra um quadro menos claro. De acordo com uma pesquisa de 2020 feita pela cidade de Kashiwazaki, cerca de 20 por cento dos moradores querem desativar a usina imediatamente. Cerca de 40 por cento aceitariam a operação temporária de alguns reatores, mas, em última análise, querem que seja desligada. Pouco mais da metade dos moradores se opõe à retomada nuclear, segundo uma pesquisa de 2021 do jornal local “Niigata Nippo”.

A oposição local não é o único obstáculo para religar as usinas nucleares. Todas devem seguir novas diretrizes rigorosas adotadas pelo regulador nuclear do Japão dois anos depois do desastre de Fukushima. Os operadores são obrigados a erguer paredes marítimas mais altas, construir piscinas de resfriamento de reserva e instalar ventilação com filtro, que reduziria a liberação de radioatividade.

Dos 60 reatores no Japão, 24 foram desativados e cinco estão em operação. Outros cinco receberam aprovação para retomar as atividades, mas estão passando por exames de rotina, e três estão em construção. O resto não recebeu aprovação para reabrir.

A energia nuclear agora contribui com menos de quatro por cento da eletricidade do país, contra quase um terço antes do desastre de Fukushima. Atualmente, o Japão obtém mais de três quartos de sua energia de combustíveis fósseis, e cerca de 18 por cento de fontes renováveis.

Desde 2014, os liberais democratas dizem que as usinas nucleares devem gerar mais de 20 por cento da eletricidade do Japão até 2030. A guerra na Ucrânia e a ameaça de um apagão em Tóquio depois de um forte terremoto recente tornaram o público mais receptivo. Em uma pesquisa de março do jornal “Nikkei”, 53 por cento apoiaram a retomada das usinas. Há quatro anos, mais de 60 por cento do público japonês se opunha a isso.

Na esperança de acelerar as aprovações regulatórias, alguns legisladores liberal-democratas apresentaram uma proposta para afrouxar os requisitos de barreiras físicas contra o terrorismo nas usinas. “As pessoas que afirmam temer ataques de guerra ou terrorismo contra usinas nucleares são provavelmente aquelas que se oporiam à retomada, não importa o que aconteça”, declarou Tsuyoshi Takagi, secretário-geral da força-tarefa de estabilidade energética dos liberais democratas.

Em Kashiwazaki e Kariwa, o regulador nacional suspendeu as aprovações, citando preocupações com a cultura de segurança na Tokyo Electric Power Co., operadora da usina. No ano passado, a Tokyo Electric revelou que um funcionário da fábrica havia usado o cartão de segurança de um colega e contornado sistemas biométricos em 2020 para entrar em uma sala de controle. A empresa admitiu trabalhos de soldagem imperfeitos e uma falha na instalação de máquinas de prevenção a incêndios em um reator. Além disso, relatou que um terremoto em 2007 danificara dois pinos de concreto em uma fundação da construção, e o regulador encontrou um risco de liquefação no solo sob uma parede marítima protegendo reatores. Funcionários da Tokyo Electric garantem que estão resolvendo os problemas. A empresa gastou cerca de US$ 9 bilhões para reforçar a usina de Kashiwazaki-Kariwa.

Os contratempos deixaram os moradores com dúvidas sobre a competência da empresa, que também operava a usina de Fukushima, onde ocorreram os derretimentos há 11 anos. “Desconfio muito. Acho que estão escondendo coisas”, opinou Miyuki Igarashi, de 33 anos, enquanto colocava sua filha de seis meses no carro em um shopping em Kashiwazaki.

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