No papel, ele é apenas assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para assuntos internacionais. Na prática, segundo Rodrigo Rangel, do Metrópoles, o ex-chanceler Celso Amorim exerce um papel muito mais significativo no governo, com capacidade de influência e com poderes que transcendem os de titulares de pastas importantes, como a das Relações Exteriores e o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, além da área de inteligência.
É ele, antes de qualquer outro, o cérebro por trás do discurso que o presidente tem repetido à exaustão com cutucões nas grandes potências do Ocidente e, de certa forma, afagando os interesses da China e da Rússia — uma retórica empacotada a partir do mote de que é preciso ampliar as instâncias de decisão mais importantes do planeta e dar mais voz e espaço aos países em desenvolvimento.
Não por acaso, o ex-chanceler é um dos principais integrantes da comitiva que Lula levou para Joanesburgo, onde participa da 15ª reunião de cúpula dos Brics, o bloco de países que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e a anfitriã África do Sul.
Semanas antes, Amorim já havia viajado ao país africano cumprindo um papel que dá a exata medida de sua relevância no governo.
“Conselheiro de segurança nacional”
No fim de julho, o ex-chanceler foi designado por Lula para representar o Brasil em um encontro dos conselheiros de segurança nacional dos países integrantes dos Brics. Ele não tem essa função formal. Na prática, porém, é tratado como tal.
O evento reuniu figuras relevantes do governo de Vladimir Putin, como Nicolai Patrushev, secretário do Conselho de Segurança russo, e do governo de Xi Jinping, como Wang Yi, alçado recentemente ao comando da chancelaria chinesa após o desaparecimento de seu antecessor.
Na ocasião, Celso Amorim aterrissou na cidade sul-africana com pompa e circunstância, a bordo de um jato oficial da Força Aérea Brasileira e acompanhado de um séquito de assessores. Na delegação brasileira havia ainda representantes do Itamaraty, do GSI e da Abin, o serviço secreto do governo. Todos, porém, como coadjuvantes do ex-chanceler.
O encontro, preparatório para a reunião de cúpula desta semana, antecipou e alinhavou debates sobre temas relevantes, como a guerra na Ucrânia.
“Nova ordem global”
O protagonismo de Celso Amorim tem ficado evidente nos giros internacionais de Lula. Foi assim, por exemplo, na visita oficial que o presidente fez à China em abril. Chefe do Itamaraty, o chanceler Mauro Vieira também estava lá, mas, de tão discreto, passava quase batido nos compromissos oficiais.
Amorim, que é filiado ao PT, tem recebido do presidente missões tão sensíveis quanto falar em seu nome em uma reunião quase secreta em Moscou com Putin, com a guerra em pleno curso.
Antes, ele já havia visitado Nicolás Maduro na Venezuela. Mais recentemente, foi a Cuba para um encontro com o ditador Miguel Díaz-Canel, atual comandante-em-chefe da ditadura castrista.
Com frequência, cabe ao ex-chanceler fazer as vezes de porta-voz do governo nos assuntos candentes da agenda internacional — mais até do que o próprio Mauro Vieira, diga-se.
Diplomacia da ambição
Nesta terça, em Joanesburgo, Amorim defendeu a união dos países em desenvolvimento como forma de se estabelecer uma “nova ordem global”. Cara à esquerda, a mesma toada havia sido adotada pouco antes pelo próprio Lula, em seu primeiro discurso na reunião.
A retórica engendrada encampada de viva-voz pelo presidente inclui a defesa do fortalecimento de outras moedas para fazer frente à dependência do dólar e a reforma dos foros de poder global, como a ONU, para garantir mais participação de países outros que não apenas as grandes potências ocidentais.
“O mundo não pode mais ser visto e ditado pelo G-7”, pregou Amorim, referindo-se ao grupo das sete nações mais desenvolvidas do mundo.
É exatamente o que parece, conclui Rodrigo Rangel, em sua coluna no portal Metrópoles: por vezes, o guru de Lula se mostra até mais ambicioso que o chefe.