Orçamento secreto é substituto disfuncional das moedas de troca necessárias entre o Executivo e Legislativo
Segundo o colunista Calors Pereiras, do Estadão, assim como a democracia necessita de partidos que percam eleições para que o jogo político seja considerado democrático, o presidencialismo multipartidário necessita dotar o presidente de “moedas-de-troca” discricionárias para que tenha condições de montar e gerenciar maiorias legislativas.
Partidos no Brasil não participam de coalizões programáticas ou baseadas em identidades ideológicas. O apoio político à agenda do presidente é fundamentalmente consequência de ganhos políticos e financeiros ofertados estrategicamente pelo chefe do Executivo.
Essas trocas podem acontecer sob limites éticos, por meio de moedas legais e institucionalizadas (como ministérios, cargos na burocracia, recursos orçamentários etc.) ou podem descambar para práticas corruptas a partir de moedas de recompensa ilegais ou pouco transparentes (como mensalão, petrolão ou orçamento secreto).
É um equívoco defender que todos os parlamentares devam receber de forma igualitária os mesmos recursos orçamentários. Os partidos mais fiéis ao presidente precisam ser sobre recompensados em relação aos de oposição. É esse “bônus” que gera incentivos para que participem da coalizão do presidente e a governabilidade seja alcançada.
Se existe algum aspecto positivo no orçamento secreto seria justamente o fato da sua alocação e execução não obedecerem a uma lógica igualitária.
Entretanto, os ministros da Suprema Corte ainda teriam vários outros motivos para considerar o orçamento secreto inconstitucional no julgamento que hoje se inicia.
Em primeiro lugar, o orçamento secreto corrompe a lógica do presidencialismo multipartidário tornando-o disfuncional. O chefe do Executivo se enfraquece ao deixar de ser o coordenador do jogo legislativo que passa a ser exercido pelos presidentes das Casas legislativas.
Os partidos também se enfraquecem, pois a disciplina partidária tende a diminuir. Parlamentares passam a ter incentivos de cooperar com os presidentes da Câmara e do Senado para ter acesso a recursos orçamentários e não mais com o líder do partido.
O orçamento secreto não é baseado em um projeto tecnicamente elaborado e aprovado, como as emendas individuais e coletivas, o que diminui tanto a sua eficiência alocativa como sua fiscalização pelos órgãos de controle. Em que pese a alocação do orçamento secreto não ser transparente, sua execução não é impositiva.
A decisão de Bolsonaro de não executar o restante das emendas de relator deste ano fiscal deu um nó nas negociações de Lula com Arthur Lira para a aprovação da “PEC do fura teto” em troca da manutenção do orçamento secreto. Seria o equivalente a um “cartão vermelho” que Bolsonaro colocou no bolso do Lula para que ele use contra o Arthur Lira. Resta saber se Lula terá inteligência e coragem para usá-lo ou se ele vai preferir trair seus eleitores.
Em sua campanha, Lula classificou o orçamento secreto como “usurpação de poder” e como a “maior excrescência da política orçamentária do país”. Chegou até a chamar Bolsonaro de “bobo da corte” por não mais coordenar o orçamento. Ao que parece, é Lula quem está prestes a fazer de bobo seus eleitores com esse estelionato eleitoral.