Ex-candidato ao Planalto diz que o Novo deve deixar claro que não tem dono para atrair os liberais dispersos
O cientista político Luiz Felipe d’Avila, de 59 anos, que concorreu à Presidência pelo Novo, é uma espécie de forasteiro no partido. Com uma trajetória política ligada ao PSDB, ele só entrou no Novo, fundado em 2011, no fim de 2021, meses antes de se tornar o representante da legenda na disputa presidencial, registra o Estadão. Mas, com um discurso firme em defesa do liberalismo e contra a corrupção e o ativismo judicial, D’Avila se colocou como um veterano na campanha e passou a mensagem partidária com consistência, embora tenha obtido apenas 560 mil votos, equivalentes a 0,5% do total.
Nesta entrevista ao Estadão, ele fala sobre seus planos no Novo, o desempenho eleitoral do partido e as divergências de seu fundador e ex-presidente, João Amoêdo, com os dirigentes e mandatários da legenda. Fala, também, sobre o futuro do Novo e afirma que o partido tem de ampliar sua base em todo o País, para se preparar, desde já, para as eleições municipais de 2024. “Nós temos de aprender com os erros dessa campanha, reconstruir o partido e redesenhar sua governança, para deixar claro que ele não tem dono e atrair as forças liberais que hoje estão dispersas (em várias siglas e organizações).” Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
Como o sr. analisa o resultado do Novo nas eleições?
O resultado foi ruim, para nós e para todos os partidos que representavam uma posição mais de centro. Todos foram arrastados. A eleição mostrou que o eleitor dobrou a aposta na polarização. No Congresso, o que nós tivemos foi o PT e o PL saindo muito fortes e o encolhimentos dos outros partidos, como PSDB, MDB, PSD, PSB e PP. Na eleição presidencial, como a gente viu, não houve terceira via e a disputa ficou entre o Lula e o Bolsonaro. Foi um sinal claro de que o eleitor acreditou que, neste momento, não havia escolha a não ser a opção por um dos polos do populismo.
No caso específico do Novo, até que ponto as divergências internas que marcaram o partido antes da campanha, prejudicaram a propagação da mensagem partidária?
Para analisar esta questão, nós temos de ir ainda mais para trás, porque já foi consequência da eleição municipal, em 2020. Como a antiga direção partidária criou muito problema para a formação de diretórios municipais, o partido não teve um número expressivo de candidatos. Então, o Novo ficou com uma base fragilizada, que acabou repercutindo na eleição de 2022. O partido precisa ter base. Por isso, é importante a gente começar a se organizar desde já para ter o maior número possível de bons candidatos nas eleições municipais de 2024. É o que vai dar lastro para o partido ser competitivo em 2026. A eleição municipal é a menos ideologizada que nós temos. Na eleição municipal, o que o eleitor quer é um prefeito que resolva os problemas da sua cidade – e esta é uma área em que o Novo se dá muito bem, porque é muito pragmático na gestão, focado em resultados e indicadores. É o tipo de eleição em que o Novo pode crescer e criar uma base mais sólida para 2026.
Agora, o sr. não acha que as divergências internas entre o João Amoêdo e os dirigentes e mandatários do Novo também prejudicaram a divulgação da mensagem da legenda?
Não acredito que isso seja verdade. A divisão do partido foi praticamente resolvida no momento em que as candidaturas foram aprovadas. O João Amoêdo já não tinha mais nenhum cargo na Executiva do partido, não participava mais do Diretório Nacional. Os próprios amoedistas se afastaram. A Convenção Nacional deu ao presidente do Novo, o Eduardo Ribeiro, o poder do voto de minerva. Então, eu entendo que a dificuldade de propagar a mensagem se deu mesmo devido ao cenário polarizado. Ninguém queria escutar proposta. Nunca vi uma campanha tão pobre na discussão de propostas. Foi só acusação, de um lado e de outro. Ficou uma discussão muito superficial dos reais problemas do Brasil e do que nós temos de fazer para enfrentá-los.
O que o Novo fez na campanha para estimular o debate de propostas para o País?
Nós procuramos discutir as propostas com todo o partido, debatendo temas como o meio ambiente, a política econômica, a política educacional, a política de saúde. Eu publiquei um programa de governo, mas deixei o programa aberto para sugestões, não só de membros do partido como de gente de fora. Vieram boas sugestões, que nós acabamos incorporando. Eu defendi muito que o Novo incorporasse em seu programa a questão do meio ambiente. A abertura econômica sempre foi uma postura que o Novo teve. Mas a questão do meio ambiente, não. E o partido entendeu a sua importância e abraçou esta pauta com enorme convicção. Tenho muito orgulho de como a questão do meio ambiente se tornou hoje uma preocupação efetiva do partido – e com uma visão liberal, de que é o mercado que vai ajudar a resolver boa parte da questão do meio ambiente, de que precisa, sim, ter Estado para resolver o problema do desmatamento, mas o mercado é fundamental para organizar os investimentos em projetos que sejam sustentáveis do ponto de vista ambiental. Isto pode atrair bilhões de dólares para o Brasil em áreas fundamentais, como infraestrutura, saneamento básico, logística. Então, de alguma forma, a candidatura presidencial do Novo estimulou esse debate.
Qual a sua visão sobre a declaração de voto do Amoêdo em Lula e a decisão do partido de soltar uma nota oficial criticando o PT e liberando o voto dos filiados no 2º turno?
O partido foi muito claro. Disse que não apoiava o Lula de jeito nenhum e deixou três escolhas: ou votar no Bolsonaro ou anular o voto ou votar em branco. O que não podia acontecer era apoiar o Lula, porque ele representa tudo o que nós repudiamos. Nosso partido foi criado para combater o lulopetismo. Acho muito ruim que pessoas que têm peso na opinião pública tenham entendido que votar no Lula era votar a favor da democracia. Isto é um despautério. É uma afirmação que não está alicerçada em nenhum dado concreto. Não vejo problema de alguém ter votado no PT. O problema é ver o Lula como salvador da democracia e da moralidade pública. Aí não dá. É um autoengano numa escala absurda. É isto que me incomoda. Acho que tudo bem a turma do Plano Real, por exemplo, ter apoiado o Lula. Agora, por que não usaram o poder deles para condicionar o apoio à adoção de determinadas medidas que precisamos aprovar na economia? Dar um cheque em branco e achar que o Lula é o salvador da democracia, o nosso Winston Churchill, pelo amor de deus. É uma alucinação.
Como eu falei, o Amoêdo hoje é uma pessoa que não tem voz mais e nenhum cargo executivo no partido. Infelizmente, o posicionamento do Amoêdo de usar a imprensa para falar mal e criticar o Novo criou uma oposição muito forte a ele, de desilusão, dentro do partido. Acredito que a gente tem de dar o devido crédito ao João Amoêdo. Afinal, foi ele quem criou o Novo e o colocou em pé. Agora, a forma como ele vem tratando o partido nos últimos dois anos só colabora para destruir a obra que ele construiu, o que é uma coisa maluca. Ele dizia que não era o dono do partido, que não queria ser dono do partido, mas, quando o partido passou a ter uma atitude com a qual ele não concordava, começou fazer críticas e a criar essa cizânia. Na minha visão, nós temos de olhar para o futuro e esquecer o Amoêdo, deixar o Amoêdo para trás. Acho que ele vai se sentir cada vez mais desconfortável nesse barco e terá de definir o que ele quer.
Logo depois do primeiro turno, o Amoêdo criticou também o desempenho do Novo nas eleições, comparando o resultado obtido agora com o de 2018, quando ele foi candidato à Presidência e seus aliados controlavam o Diretório Nacional. Como o sr. vê as críticas dele ao desempenho do partido?
Eu sempre falo que, em política, não dá para você comparar nada em contextos completamente diferentes. Na eleição de 2018, o Novo se beneficiou muito com aquele desejo de mudança que contagiava todo mundo. Isso ajudou demais o partido. Mesmo sem base, sem nada, ele aproveitou o momento. A eleição de 2022 foi a eleição da polarização. Outro dia, conversando com um repórter americano, eu disse “não existe nenhum país do mundo em que você tenha dois populistas disputando o segundo turno”. Normalmente, é um populista de um lado e um candidato do establishment do outro. Nesta eleição, não foi o que aconteceu. Você teve dois populistas no segundo turno. Agora, quantas pessoas ligadas ao João Amoêdo já se desfiliaram do partido? Até entendo que, se não quiser fazer política, você se desfilie do partido. Mas quem quiser fazer política vai para onde se sair do Novo? Este é o problema. Aliás, é preciso que se diga, os seguidores do Amoêdo que saíram do Novo por discordar da orientação partidária também não se elegeram.
O sr. é uma espécie de forasteiro no Novo, um adesista de última ou de penúltima hora. Não participou do processo de construção do partido e fez sua trajetória política no PSDB, embora tenha “vestido a camisa” do Novo na campanha. Qual é o seu plano dentro do partido? O que o sr. pretende fazer a partir de agora? Vai continuar no Novo?
Eu vou continuar no Novo. Já disse que quero ajudar o Novo a reconstruir o partido, a aprimorar a sua governança. Vou trabalhar para tentar recrutar gente boa para as eleições municipais. Quero ser uma espécie de embaixador do Novo. Mas não pretendo ter nenhum cargo na Executiva do partido. Acho que isso hoje está muito bem nas mãos do Eduardo, que está fazendo um ótimo trabalho. Eu estava antes no PSDB, mas sempre fui um liberal. Era o cara da direita dentro do PSDB. Pelos meus escritos, pelos meus livros e por toda a minha trajetória, você vê que eu sempre tive muito mais afinidade com a linha ideológica do Novo do que com a do PSDB. Aí, quando eu vi o PSDB desmoronar, já na eleição de 2018, resolvi me afastar, porque me dei conta de não havia clima para se construir o partido que eu achava que poderia avançar com a agenda liberal e reformista.
A maior alegria que eu tive na campanha eleitoral foi andar por esse Brasil e encontrar uma nova geração, de 20 a 35 anos, totalmente liberal. É interessante o DNA dessa geração. É uma geração para a qual o Estado nunca funcionou. A educação pública é péssima, a saúde pública é horrível, o Estado cria dificuldade para quem quer montar seu próprio negócio. É uma geração que rechaça o Estado, que quer empreender, ser dona do seu nariz, do seu destino. Um estudo realizado pela própria Cufa (Central Única das Favelas), com o (comunicólogo e escritor) Renato Meirelles, mostra que 70% das pessoas em comunidades no Brasil querem abrir ou já abriram seu próprio negócio. Você tem um espírito empreendedor, uma percepção realista de que o Estado só atrapalha e de que nós precisamos criar um Brasil mais liberal. Então, eu vejo uma mudança geracional muito voltada às pautas e bandeiras do Novo e totalmente desiludida com a política tradicional. Vejo uma nova geração com esse DNA liberal, frustrada com o Estado ineficiente, caro e corrupto e que quer mais liberdade para forjar seu próprio destino.
O sr. vê então o revés do Novo nestas eleições como uma questão conjuntural e tem uma visão otimista em relação ao futuro do partido?
Com certeza. Estou muito otimista. Por isso, eu acredito que nós temos de aprender com os erros desta campanha, reconstruir o partido, ter uma nova governança, para o Novo se preparar para um Brasil que está indo ao encontro do que nós pregamos.
Agora, hoje, no Brasil, os liberais estão dispersos em vários partidos e organizações. Além do pessoal que já está no Novo, tem um grupo que participou do governo, com o ministro Paulo Guedes, que terá de definir seu destino, com a derrota de Bolsonaro. E tem gente, como o empresário Salim Mattar, que estava querendo criar outro partido para abrigar os liberais, por discordar das posições do Novo na época do João Amoêdo. Nem estou incluindo aí os economistas do Plano Real que apoiaram Lula e que são ligados ao PSDB ou participaram de governos do PSDB e do PT. Como o sr. vê a possibilidade de o Novo ser o catalizador desse grupo de liberais que hoje está disperso?
Esta é a razão do meu otimismo. Daí o redesenho da governança do partido, porque o que essas pessoas vão querer ver é se o partido tem realmente uma governança moderna, se ele não tem dono, como já mostrou agora, com essa questão do Amoêdo. Isto é muito importante para um partido político. Precisa ter um bom conselho de administração, gente focada em fazer a fundação do partido atuar na formação de quadros, na produção de estudos, pesquisas. Esse redesenho da governança é que vai atrair e galvanizar essas forças liberais. Temos de fazer isso urgentemente, para poder começar a conversar com essas várias vertentes liberais, para que elas se sintam confortáveis em aderir ao Novo e enxerguem o partido como o único veículo capaz de transformar a bandeira liberal numa bandeira política. Na hora em que você tiver um conselho de administração, com quatro, cinco, dez nomes muito mais importantes que o João Amoêdo e que representem essa corrente liberal, quando você tiver um novo presidente do partido e uma nova Executiva nacional legitimados pelos diretórios estaduais e pelos filiados, isso vai abrir um novo capítulo na história do partido. Acredito que a melhor casca que nós temos para abrigar os liberais é o Novo. Acho que o Novo é o partido que vai poder unir essa direita liberal que hoje está dispersa no País.