A energia solar fotovoltaica já é a segunda fonte na matriz elétrica do Brasil, ultrapassando a geração de origem eólica. O balanço mais recente da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) mostra que os painéis solares instalados em usinas, residências, propriedades rurais e prédios comerciais, industriais e públicos suprem quase 16% da energia elétrica no país. São 34 228 megawatts de potência instalada, atrás apenas dos 109 918 megawatts de capacidade das usinas hidrelétricas.
Essa é uma tendência mundial que surfa no esforço de transição para fontes renováveis, um dos objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU. Em 2022, a capacidade de geração de energia solar cresceu 24%, acima das demais alternativas energéticas, segundo o relatório Global Market Outlook for Solar Power 2023-2027, da SolarPower Europe, associação que reúne representantes do setor de quarenta países. Nesse ritmo de crescimento, a capacidade instalada no mundo chegou a 1 177 gigawatts e deve atingir, em um cenário moderado, 3 532 gigawatts em 2027. Isso corresponde à potência de 252 usinas do porte de Itaipu.
A Agência Internacional de Energia prevê que os investimentos globais em infraestrutura de energia solar cheguem a 380 bilhões de dólares neste ano — superando pela primeira vez os investimentos no setor de petróleo, estimados em 370 bilhões de dólares. “A fonte solar tem surpreendido ano após ano graças a uma combinação de fatores”, diz Rodrigo Sauaia, presidente executivo da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar). “Houve a redução do preço da geração por causa de avanço tecnológico, ganho de eficiência, melhoria na produtividade dos sistemas, avanço industrial e aumento da escala produtiva do setor, que ajudam a reduzir o custo de produção do equipamento.”
Nessa combinação de fatores, os materiais usados na geração de energia solar ficaram mais baratos, na contramão do preço da energia elétrica no Brasil, que nos últimos anos foi reajustado acima da inflação. Não à toa, 70% da eletricidade por fonte solar é gerada por sistemas instalados em casas e prédios urbanos e rurais — a chamada geração distribuída. Os demais 30% vêm da geração centralizada, produzida em usinas de maior porte, com capacidade superior a 5 megawatts cada, instaladas em dezessete estados brasileiros.
A oferta de financiamento para compra de painéis solares em bancos públicos e privados e cooperativas de crédito cresceu dez vezes na década. “Hoje, são mais de 100 linhas de financiamento disponíveis no mercado”, afirma Sauaia. Desde 2017, só o BNDES contratou dezessete projetos de geração centralizada, no valor de 8,1 bilhões de reais, e oito de geração distribuída, no total de 1,1 bilhão de reais. Esses financiamentos viabilizaram um acréscimo de 3 428 megawatts à matriz energética nacional.
O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), por sua vez, está investindo 300 milhões de reais em 33 usinas fotovoltaicas em áreas ao redor das estações de tratamento da Sabesp, para alimentar os equipamentos de baixa tensão, que respondem por 7% do consumo da companhia paulista de saneamento básico. Até o fim deste ano, deverão ser economizados pela empresa 10 milhões de reais em energia — chegando a 55 milhões por ano no final da implantação. “Estamos com 30% do programa implantado e devemos finalizar em 2025. Trabalhamos em busca de energias renováveis para atingir a meta de emissões líquidas zero”, diz Nivaldo Rodrigues da Costa Júnior, superintendente de desenvolvimento operacional da Sabesp.
Atualmente, a geração distribuída compreende 2,1 milhões de sistemas solares conectados à rede, que produzem a própria energia e injetam o excedente na concessionária local de distribuição de energia, recebendo abatimento na conta de luz. Desse total, 1,7 milhão estão em telhados de residências. Mas empresas privadas e instituições públicas também aprovam a experiência com a fonte fotovoltaica. A primeira usina de energia solar da Universidade Federal do Rio Grande do Sul fica no Campus Litoral Norte, em Tramandaí, a 120 quilômetros de Porto Alegre. O Ministério da Educação investiu 1,7 milhão de reais na usina gaúcha. Como o Campus Litoral consome só 40% da energia, os demais 60% são injetados na rede da Equatorial Energia e o valor é descontado da conta do Campus Centro, na capital. “Calculamos que o retorno do investimento acontecerá em seis anos”, diz Aline Pan, coordenadora do projeto e professora do curso de Engenharia de Gestão de Energia da UFRGS. “Nos próximos vinte anos, a universidade vai economizar por volta de 300 000 reais ao ano.”
Na empresa varejista Magalu, 30% do consumo de energia elétrica é suprido por fonte solar, por meio de dezesseis usinas construídas por empresas do setor distribuído. Em média, houve 20% de economia nos custos de eletricidade em 626 lojas, escritórios e centros de distribuição de onze estados. “A meta é colocar 100% das lojas de baixa tensão em projetos de geração de energia solar”, diz Ana Luiza Herzog, gerente de reputação e sustentabilidade do Magalu. Também por meio de parcerias com fornecedores de energia distribuída, a fabricante de bebidas Ambev ajudou a converter 5 100 bares e restaurantes ao consumo de fonte solar.
A tendência parece irreversível. Um estudo da Aneel indica que 8 700 empresas devem migrar para o mercado livre de energia a partir de janeiro de 2024. Ou seja, vão negociar preço, prazo e fonte de fornecimento, não necessariamente com distribuidoras do mercado regulado. Até 2029, entre as grandes usinas fotovoltaicas que entrarão em operação, 97% da energia será destinada ao mercado livre. “O apelo de sustentabilidade ambiental é uma característica muito forte no mercado livre de energia, e no Brasil a energia elétrica renovável é a mais barata”, diz Rodrigo Ferreira, presidente executivo da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia.
Economia circular
Prestes a completar setenta anos, as primeiras células fotovoltaicas de silício viáveis foram apresentadas em 1954, em um artigo de pesquisadores dos laboratórios Bell, nos Estados Unidos. A tecnologia é a mesma em 95% dos módulos fotovoltaicos fabricados hoje em dia. A eficiência — quantidade de luz solar efetivamente convertida em eletricidade por metro quadrado de painel — evoluiu de 6% para 25%. “Há vários trabalhos em instituições de pesquisa dedicando atenção a novos materiais”, diz Roberto Zilles, professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo. “Contudo, o silício seguirá dominando o mercado de produção de células solares, devido à sua abundância no planeta e aos avanços tecnológicos obtidos e consolidados na indústria de semicondutores.”
À medida que a energia solar avança no mundo, porém, também cresce a preocupação com a extração da matéria-prima e os resíduos gerados pelo descarte dos painéis solares antigos ou danificados. O relatório “End of Life Management”, da Agência Internacional de Energias Renováveis, estima que haverá até 6 milhões de toneladas de módulos desativados na década de 2050, considerando uma vida útil média de trinta anos para os sistemas hoje operacionais.
Uma possível saída para lidar com o lixo eletrônico gerado pelo descarte das placas solares é incentivar a economia circular. Embora 90% da massa dos painéis seja constituída de alumínio e vidro, o material mais valioso são os metais (silício, prata e cobre) retirados das células solares, que compõem 95% do valor do módulo fotovoltaico. “O mercado de reciclagem é interessante porque existe uma grande confiança na previsão, já que se sabe a quantidade de painéis que foram instalados”, diz Pablo Dias, cofundador da SolarCycle, startup americana com infraestrutura para reciclagem de 1 milhão de módulos por ano. A empresa está montando um núcleo de pesquisa e desenvolvimento no Brasil, inicialmente instalado no Rio Grande do Sul e que começará a funcionar no primeiro trimestre de 2024. É uma nova frente de negócios que está se abrindo com a expansão da energia solar.
Publicado na revista Veja de 8 de dezembro de 2023, edição especial nº 2871