Apontado como responsável pelas agruras que Lula tem enfrentado para aprovar no Congresso a PEC da Transição, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), ganhou segundo a coluna de Malu Gaspar, do O Globo, um apelido entre os aliados do presidente eleito: motorista de Uber.
“Lira é como um motorista de Uber: cobra por corrida”, diz um parlamentar lulista que passou o final de semana elaborando mapas de votos. Nos bastidores, alguns deputados e senadores da base do presidente eleito só se referem a Lira assim.
Segundo dois parlamentares com quem conversei, o apelido tem a ver com o fato de que, cada vez que aparece um obstáculo ao projeto de Lula no parlamento, o presidente da Câmara o procura para dizer que está tendo dificuldades com os líderes partidários, faz um pedido, obtém uma promessa e consegue um avanço.
Só que aí surgem novos problemas, Lira volta e faz um novo pedido. De acordo com o que me contaram esses parlamentares que estiveram com Lula no final de semana, foi o que aconteceu neste domingo.
Os dois se reuniram à tarde, antes de o ministro Gilmar Mendes conceder uma liminar que autorizou o relator do orçamento a incluir na peça o valor destinado às despesas com o Bolsa Família de R$ 600, fora dos limites do teto de gastos.
A decisão de Gilmar alivia a pressão do Congresso sobre Lula e dá ao presidente eleito um plano B para garantir o pagamento do benefício, mas em tese só libera R$ 80 bilhões e só para 2023.
Não abrange os R$ 145 bilhões para outros programas sociais, mais R$ 23 bilhões em investimentos a serem gastos fora do teto pelos próximos dois anos.
Esse foi o texto que passou no Senado, mas Lira disse a Lula que está com dificuldades em convencer os líderes da Câmara a aprovar todo esse valor por dois anos. Para uma PEC passar na Câmara, são necessários 308 votos.
Os dois mais resistentes, segundo o presidente da Câmara, são Ciro Nogueira, que comanda o mesmo PP de Lira, e Marcos Pereira, chefe do Republicanos. Juntos, os dois partidos tem 99 dos 513 deputados desta legislatura.
Embora o primeiro seja ministro da Casa Civil de Jair Bolsonaro e o segundo tenha apoiado o atual presidente durante todo o mandato, os dois são figuras proeminentes do Centrão, bloco fisiológico que tem a maioria do Congresso.
Segundo Lira, eles até votam a favor da licença para gastar, mas apenas por um ano e não por dois, como o governo quer.
Lira, principal figura do Centrão, é tão forte na Câmara que até agora não apareceram adversários para desafiar sua candidatura à reeleição, em fevereiro de 2023.
Mesmo assim, ele teria dito a Lula que não está conseguindo convencer os líderes e que, para isso, vai precisar oferecer a seus aliados cargos no governo.
Na “corrida de Uber”, além do ministério da Saúde, que vem reivindicando há alguns dias, o pedido de Lira incluiu o controle do Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE), da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e da Companhia para o Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf).
Se conseguir o que quer, na prática o presidente da Câmara estará mantendo o espaço que já conquistou no governo Bolsonaro e estendendo seus domínios para a Funasa, que hoje está com o PSD de Gilberto Kassab.
A questão é que, da mesma forma que Lira pede, Lula enrola, e tenta não se comprometer com nada antes de ver a PEC aprovada. Mas o prazo está se esgotando. Para que os gastos extras sejam incluídos no orçamento do ano que vem, precisam ser chancelados pelo Congresso no máximo até quinta-feira.
Lira, de seu lado, não fará nada antes de saber o resultado do julgamento do orçamento secreto no Supremo Tribunal Federal (STF), previsto para ser retomado nesta segunda-feira.
O julgamento foi suspenso na última sexta a pedido do ministro Ricardo Lewandowski, quando o placar estava em 5 votos pela extinção do orçamento secreto contra 4 por sua manutenção. Estão faltando apenas dois votos – o do próprio Lewandowski e de Gilmar Mendes.
Como Mendes já sinalizou que deve votar pela manutenção das emendas, o voto que decidirá mesmo o assunto deve ser dado por Lewandowski.
Na tarde de sexta-feira, o ministro se reuniu com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e discutiu a resolução aprovada na própria sexta modificando a forma de distribuição das emendas do orçamento secreto, para tentar convencer o Supremo a liberá-las.
Ao sair da conversa, Lewandowski disse que iria considerar a resolução na decisão sobre seu voto. A expectativa no Congresso é de que ele permita a continuidade do orçamento secreto, que passaria a ter uma cota de 7,5% administrada pelo presidente da Câmara e outra, do mesmo tamanho, controlada pelo presidente do Senado.
Em valores de hoje, Lira ficaria com R$ 1,5 bilhão para distribuir e Pacheco, com outro R$ 1,5 bilhão. É bastante dinheiro, mas ainda não dá para dizer que vai ser suficiente para pagar a corrida de Uber mais cara da República.