Da defesa do hip hop à do samba, passando pelo apoio a plantas como bambu e carnaúba. As frentes parlamentares do Congresso se multiplicaram em 2023. Desde janeiro, segundo reportagem de Feranda Alves, do O Globo, já foram criadas 241 associações do tipo, o equivalente a 68% dos grupos desse tipo em funcionamento nos quatro anos da última legislatura. Há casos de deputados inscritos em mais de cem coletivos temáticos, número maior do que o de dias em que estiveram presentes no Parlamento.
As frentes parlamentares não possuem prerrogativa regimental, mas servem como espaços para o debate e elaboração de políticas públicas relacionadas a temas específicos. Elas duram até o fim da legislatura vigente e podem ser recriadas na seguinte. Este é o caso da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso, que existe desde 2003, e é retomada de quatro em quatro anos. O grupo, formado por 238 parlamentares, tem forte capacidade de articulação.
Há coletivos que tratam de pautas bem específicas, como é o caso da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Movimento Hip Hop e do grupo em defesa do Samba e Valorização do Carnaval Brasileiro. Existem ainda iniciativas voltadas a plantas, como os coletivos em apoio ao bambu e em defesa da carnaúba, palmeira da Região do Nordeste. Há até mesmo uma frente de representação do secretário parlamentar e cargos de natureza especiais, funcionários que atuam no próprio Congresso.
Para que uma frente seja implementada, é necessário contar com o apoio de um terço dos deputados ou senadores, caso a tramitação aconteça em apenas uma Casa, ou de um terço de todos os 594 parlamentares, em frentes mistas. A assinatura de apoio à criação das frentes, que antes demandava um trabalho de recolhimento “in loco”, agora pode ser digital, facilidade que ajudou a ampliar o número de coletivos.
Após a assinatura, o político passa automaticamente a constar como membro do grupo, mas isso não indica uma atuação efetiva. Há casos de frentes que, mesmo com uma lista extensa de membros, não produzem resultados, como explica a professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Mayra Goulart:
— É muito comum que o processo de assinatura seja terceirizado. Contrata-se uma firma. E, com frequência, um parlamentar subscreve o requerimento de instalação de várias frentes, porque ele vai precisar de assinaturas quando quiser criar a frente dele ou apresentar um projeto.
A pesquisadora também reforça que há frentes com atuações de impacto dentro do Congresso, como a evangélica, do agronegócio e da educação. Ela pontua que o lançamento dos grupos acaba sendo uma estratégia de comunicação para os deputados e senadores.
Pautas diversas
Idealizadora e autora do requerimento que criou a frente do movimento Hip Hop, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) justifica a iniciativa para atender a um pleito de grupos ligados ao segmento cultural.
— Com a frente, queremos mostrar a vitalidade das diversas expressões culturais contidas na cultura hip hop, que engloba o grafite, a dança, o break e música, e discutir políticas públicas que reconheçam a importância desse movimento — defendeu a parlamentar, que é membro de 155 frentes, mas afirmou que costuma ser mais atuante nas de proteção das crianças e adolescentes e dos institutos federais de educação.
A deputada Silvia Waiãpi (PL-AP), integrante de 142 frentes, admite que não atuar em todas. A parlamentar explicou que optou por subscrever a criação dos grupos como uma forma de apoio, mas que acompanha mesmo as frentes de defesa dos motoristas de aplicativos, da agropecuária, dos municípios da Amazônia Legal e Brasil e Coreia do Sul.
— Apoio muitas e sou efetiva em outras, mas é a direção e presidência da frente que obrigatoriamente age — diz.
Já o deputado Duarte Jr (PSB-MA), inscrito em um total de 121 frentes hoje, diz acompanhar o trabalho de todas. O parlamentar, que marcou presença em 72 dias no Congresso neste ano — o que demandaria a participação em quase duas reuniões de frentes por expediente — explicou que nem todos os grupos têm atuação presencial e que conta ainda com o auxílio de seus assessores.
— Tenho responsabilidade com as pautas que apoio e só me comprometo com temas que realmente defendo — destaca.
Presidente do Conselho Científico do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), o sociólogo Antonio Lavareda avalia que os grupos, na prática, funcionam também como um espaço para lobby de empresas e organizações, que encontram interlocução para debaterem diretamente com o Congresso seus interesses:
— As frentes existem e se multiplicam porque os partidos não conseguem representar setores específicos da sociedade. Com isso, parlamentares depois de eleitos se articulam direito com esses setores.