O deputado federal Hugo Motta (Republicanos-PB) e o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) foram eleitos presidentes da Câmara e do Senado, respectivamente, neste sábado, 1.º, com apoio do PT lulista ao PL bolsonarista. A nova cúpula do Congresso, no entanto, indicou que pretende seguir um caminho independente, mas buscou agradar tanto governistas quanto opositores.
Aos 35 anos, Motta foi eleito com 444 votos e exercerá pela primeira vez o comando da Câmara. O deputado da Paraíba enfrentou Marcel van Hattem (Novo-RS), que teve 32 votos, e Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ), que contou com o apoio de 22 parlamentares. Houve dois votos em branco.
Durante o discurso da vitória, Motta acenou a todos os grupos. Fez críticas indiretas ao Poder Judiciário, pedindo harmonia aos Três Poderes, em um gesto à direita. E encerrou o discurso com a frase “ainda estamos aqui”, acenando à esquerda, com uma referência ao filme brasileiro “Ainda Estou Aqui”, sobre a história do ex-deputado federal Rubens Paiva durante a ditadura militar.
O novo presidente da Câmara, de acordo com Guilherme Caetano e Levy Teles, do jornal O Estado de S. Paulo, ponderou que “não existe um caminho da esquerda, direita ou centro. Existe o caminho do Brasil”.
Após um mandato em 2019 e 2020, Alcolumbre foi de novo escolhido para presidir o Senado, desta vez com 73 votos entre os 81 senadores. Mesmo fora da presidência, ele manteve sua influência – elegeu tanto o sucessor, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), quanto passou a presidir o comitê mais importante do Senado, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) – e pavimentou o caminho para retornar à cadeira.
Marcos Pontes (PL-SP), que insistiu em manter a candidatura à revelia de seu partido, e Eduardo Girão (Novo-CE), tiveram quatro votos cada um. Soraya Thronicke (Podemos-MS) e Marcos do Val (Podemos-ES) retiraram suas candidaturas de última hora, durante seus discursos. Não houve voto branco ou abstenção.
Os dois novos presidentes deram pistas em seus discursos do quão perto querem se manter do Poder Executivo, em meio à pressão de seus colegas por um Parlamento forte.
“Não existe ditadura com Parlamento forte. O primeiro sinal de todas as ditaduras é minar e solapar todos os Parlamentos. Por isso, temos de lutar pela democracia”, afirmou Motta.
Alcolumbre mencionou diversas vezes a palavra “independência” para descrever qual tipo de postura quer manter à frente da Casa.
“Não haverá democracia forte sem um Senado livre, sem um Parlamento firme, sem um Senado soberano, autônomo e independente. Por isso, meu primeiro compromisso será com a defesa da voz do povo: o mandato parlamentar”, discursou após sua vitória ser decretada.
Motta também fez essa ponderação. “Poderes têm a obrigação de não apenas serem independentes. Mas de zelarem pela harmonia, que muitas vezes se traduz na autocontenção, na compreensão de que nenhum Poder pode tudo e que todos, somente todos, podem representar na totalidade a democracia. Sem harmonia, a democracia pode ser irremediavelmente fraturada. Serei um guardião da independência e uma sentinela permanente pela harmonia”, afirmou.
Enquanto os petistas avaliam que dificilmente Alcolumbre terá a mesma proximidade com o governo Luiz Inácio Lula da Silva que Pacheco teve, o presidente da República já se antecipou para reforçar laços com o novo chefe do Senado. O senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), próximo a Alcolumbre, intermediou uma conversa por telefone entre os dois minutos após a vitória, ainda no plenário.
Na breve conversa, Lula pediu um encontro com o novo chefe do Senado na segunda-feira, e Alcolumbre respondeu que sua agenda está “inteiramente disponível” ao presidente. O senador deve ouvir do petista quais são as prioridades do governo no Congresso, em especial as pautas econômicas.
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) também falou com Alcolumbre após sacramentada a eleição do senador para a presidência — uma indicação que terá de equilibrar entre os dois grupos de modo que não desagrade a nenhum deles. A ligação foi intermediada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente.
Motta e Alcolumbre, no entanto, carregam consigo um histórico favorável ao governo Lula. Um levantamento feito pelo Estadão mostra que ambos passaram os últimos dois anos mais alinhados ao governo Lula do que à oposição.
Na maior parte dos dois anos da terceira gestão Lula, Motta votou com o governo. Ele acompanhou a orientação governista pelo voto contrário ou favorável a diferentes propostas no plenário da Casa em 88% das vezes.
A pauta contra a invasão de terras foi um dos principais pontos de discordância entre Hugo e o governo. Ele seguiu caminho contrário à orientação lulista em todas as ocasiões que propostas do tipo foram votadas em plenário.
Ainda que apoiador do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, Motta e família apoiaram petistas em diferentes momentos.
O agora presidente da Câmara apoiou Dilma em 2010 e 2014 e já chamou Lula de “eterno presidente” ao desejar uma recuperação rápida para ele, que tinha sido diagnosticado com um câncer na laringe em publicação nas redes sociais.
Hugo Motta exibe a Constituição ao ser eleito para o comando da Câmara Foto: Wilton Junior/Estadão
No ano seguinte, Lula apoiou o pleito de Francisca Motta, avó de Hugo, à prefeitura de Patos (PB), e até gravou vídeo em defesa da candidatura dela. Em 2013, usando seu próprio telefone celular, tietou Lula ao tirar uma foto dele no plenário da Câmara, quando havia uma sessão em homenagem do então ex-presidente.
Da mesma forma, o novo presidente do Senado tem atuado mais próximo ao PT do que ao PL. Nos dois primeiros anos do governo Lula, Alcolumbre votou com o líder do governo na Casa, Jaques Wagner (PT-BA), em cerca de 86% das vezes – o mesmo índice tanto em 2023 quanto em 2024. O levantamento considera apenas votações com registro nominal aberto.
Davi Acolumbre se emociona ao ser eleito presidente do Senado pela segunda vez Foto: Wilton Junior/Estadão
Em comparação, seu histórico de votação mostra uma afinidade menor com bolsonaristas. Em 2023, ele acompanhou o líder da oposição, Rogério Marinho (PL-RN), em 63% das votações. No ano seguinte, esse índice caiu para 48%.
Assim, Alcolumbre mantém o perfil governista que o acompanha há anos. Em 2019, surfando a onda da “nova política” que havia invadido as eleições do ano anterior, ele foi alçado à presidência da Casa ao derrotar o símbolo-mor do tradicionalismo político, Renan Calheiros (MDB-AL), um dos únicos sobreviventes da terra arrasada deixada pela Operação Lava Jato. O que se viu nos anos seguintes, porém, foi um alinhamento de Alcolumbre ao governo Bolsonaro.