Abalado por resultados eleitorais frustrantes em 2020 e 2022, briga na cúpula, fuga de militantes e triunfo do arquirrival Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na disputa presidencial, o partido Novo resolveu conforme Ricardo Mendonça , do jornal Valor, mudar na forma e no conteúdo.
Em encontro nacional realizado no fim de semana, em São Paulo, a legenda apresentou uma nova logomarca, anunciou a filiação do ex-deputado e ex-procurador Deltan Dallagnol e aprofundou as tratativas para aposentar princípios que eram tidos como fundamentais de seu estatuto, como a recusa em usar dinheiro público em campanhas.
Em entrevista ao Valor, o presidente do Novo, Eduardo Ribeiro, afirmou que nas eleições municipais do ano que vem, pela primeira vez em sua história, o partido irá usar recursos do Fundo Eleitoral para financiamento da propaganda de seus candidatos. “As conversas [para viabilizar o uso da verba pública] já estão bem adiantadas”, afirmou.
A recusa de uso de dinheiro público em campanha sempre foi propagandeada por militantes do Novo como o principal diferencial do partido na comparação com os demais. Em 2022, em discursos e entrevistas, isso foi repetido à exaustão pelo cientista político Luiz Felipe d’Avila, que representou a agremiação na disputa pela Presidência e obteve 0,47% dos votos válidos.
‘Do Novo original, restou apenas o nome”
— João Amoêdo
O princípio já havia sofrido um abalo em fevereiro quando a direção do partido resolveu começar a usar dinheiro proveniente de rendimentos do Fundo Partidário para suas atividades.
Diferentemente do Fundo Eleitoral, distribuído em ano que tem eleição, o Fundo Partidário é entregue anualmente aos partidos para sua manutenção. Como não devolvia o dinheiro nem nunca havia mexido no saldo desde sua fundação, 2011, o Novo acumulou mais de R$ 100 milhões aplicados em renda fixa no Banco do Brasil. Numa próxima etapa, o partido também deverá avançar sobre o montante acumulado, adiantou Ribeiro.
Outro princípio do Novo a ser deixado para trás é o de proibir que político eleito pela sigla dispute outro cargo antes do fim do mandato para o qual foi eleito. “Não faz sentido [manter a vedação], afinal de contas tem os suplentes para os seus lugares”, argumenta o presidente da sigla.
No ano que vem, segundo ele, o partido deverá lançar cerca de 300 candidatos próprios a prefeito, um salto em relação aos 30 oferecidos em 2020, quando elegeu apenas um – Adriano Silva, em Joinville (SC). Não haverá proibição para eventuais candidaturas de parlamentares eleitos no ano passado.
A filiação de Dallagnol, o anúncio mais festejado do 7º Encontro Nacional, também pode ser interpretada como uma revisão ou violação das regras internas.
O estatuto do Novo proíbe a filiação de pessoas com ficha suja ou que não estejam no pleno gozo de seus direitos políticos. É o caso de Dallagnol.
Eleito deputado federal pelo Podemos-PR, o ex-coordenador da força tarefa da Lava-Jato teve o mandato cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral em maio após a corte firmar o entendimento, com base na Lei da Ficha Limpa, que sua exoneração do Ministério Público, em 2021, ocorreu para escapar de punições internas. Na época, ele era alvo de 15 procedimentos que investigavam sua atuação na Lava-Jato.
A flexibilização de conceitos e princípios no Novo vem acompanhada de uma reforma na marca, movimento tratado internamente como “rebranding”.
O encontro serviu para apresentar o novo logotipo da sigla. A cor oficial continua sendo o laranja, mas agora o nome é escrito com maiúsculas. A letra “n” perde uma espécie de asa do lado esquerdo, adereço gráfico que, para alguns, remetia ao número 3, do número eleitoral 30, e para outros sugeria velocidade. O partido também adotou um slogan: “A gente respeita o Brasil”.
A série de mudanças não passa incólume. E quem desponta como principal crítico é o próprio fundador e ex-presidente da agremiação, o empresário João Amoêdo, que disputou a Presidência em 2018, obteve 2,5% dos votos válidos, mas acabou saindo do partido após divergências com a atual direção.
Pela rede social X (ex-Twitter), ele listou uma série de críticas aos caminhos que vêm sendo seguidos. “Em MG, único estado que governa, aumenta impostos. Enquanto isso, concede privilégios a grupos empresariais. Na Câmara, vota contra a reforma tributária. Nos diretórios, utiliza dinheiro público para remunerar dirigentes ‘liberais’. Se dispõe a filiar quem não é ficha limpa. Sua prestação das contas é uma das menos transparentes. Ataca outras instituições da República. Atua pensando somente nas próximas eleições”, escreveu. “Do Novo original, restou apenas o nome.”
Confrontado, Eduardo Ribeiro não quis comentar. “Amoêdo não é mais filiado do Novo e a opinião dele não tem mais relevância para nós”, finalizou.