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sexta-feira 26 de junho de 2020 às 07:28h

Novo ministro da Educação muda xadrez político do governo

DESTAQUE, POLÍTICA


Na tarde desta última quinta-feira (25), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) anunciou o professor Carlos Decotelli como o novo ministro da Educação.

A escolha representa, segundo a BBC Brasil, uma mudança brusca no tabuleiro de xadrez político do governo Bolsonaro: o grupo ideológico ligado ao filósofo Olavo de Carvalho perde espaço, em favor de um indicado pela ala “moderada” dos militares do Palácio do Planalto.

Com a saída do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, exonerado oficialmente do cargo no sábado (20/6), os “olavistas” perdem o controle sobre uma das principais pastas do governo e sobre um orçamento de autorizado de R$ 141,8 bilhões para 2020.

A outra pasta ainda sobre o comando deste grupo é a de Relações Exteriores, com Ernesto Araújo — apesar de importante, o Itamaraty tem pouco mais de R$ 4 bilhões no Orçamento deste ano.

A escolha de Bolsonaro para a Educação, anunciada via redes sociais, pegou de surpresa a cúpula atual do MEC: a possibilidade de escolha de Decotelli era ignorada na pasta.

“Circulou o nome do Sérgio Sant’Ana (assessor especial do MEC), o do (Carlos) Nadalim (secretário de Alfabetização da pasta), depois o do Antonio (Paulo) Vogel (de Medeiros, que assumiu interinamente o ministério após a saída de Weintraub), o secretário de Educação do Paraná (Renato Feder). E aí de repente… Não me lembro de ninguém ter aventado o nome dele (Decotelli) dentro do MEC. Em nenhuma conversa que eu tive, ninguém falou sobre ele”, diz um secretário do MEC à BBC News Brasil, sob anonimato.

“Realmente foi um nome muito bem construído (o de Decotelli), porque não vazou (para a imprensa)”, diz outro servidor da cúpula do MEC.

Dentro do governo, Decotelli é considerado uma indicação dos militares mais moderados que despacham no Palácio do Planalto, diretamente com Jair Bolsonaro.

Segundo assessores palacianos, o nome dele teria chegado ao presidente da República por obra do almirante Flávio Augusto Viana Rocha, atual titular da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República — assim como Rocha, Decotelli é ligado à Marinha. Ele é oficial da reserva da Força e já coordenou atividades da Escola de Guerra Naval.

Em março deste ano, Decotelli receberia inclusive uma condecoração da Marinha do Brasil. A cerimônia, no entanto, não teria acontecido por causa da pandemia do novo coronavírus.

Além disso, pessoas que conhecem o novo ministro afirmam que ele possui uma boa relação com o atual procurador-geral da República, Augusto Aras.

De perfil mais moderado que seu antecessor, Decotelli é um acadêmico e também o primeiro ministro negro de Bolsonaro — ele é o terceiro a ocupar o cargo, depois de Weintraub e do professor Ricardo Vélez Rodríguez.

Durante alguns meses no ano passado, entre fevereiro e agosto, ele comandou o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), autarquia ligada ao MEC que costuma ser alvo de disputas em qualquer governo, por gerir um orçamento bilionário (de R$ 55 bilhões em 2019) e ser responsável por financiar alguns dos principais programas da educação básica pública nos municípios, como transporte e infraestrutura escolar.

Um dos programas priorizados na época pelo fundo, o Educação Conectada, ganhou as manchetes meses depois, quando a Controladoria-Geral da União encontrou inconsistências em um edital de R$ 3 bilhões de um pregão para a compra de equipamentos de tecnologia educacional.

Segundo seu perfil no site do FNDE, Decotelli é financista, professor e coautor de livros de administração bancária e financeira. Tem doutorado em administração financeira pela Universidade Nacional de Rosário (Argentina) e pós-doutorado na Bergische Universitat Wuppertal, na Alemanha, também de acordo com o órgão.

Relação com Bolsonaro vem desde a transição

A relação de Decotelli com o governo Bolsonaro, no entanto, é mais antiga que o cargo no FNDE. No fim de 2018, o acadêmico passou a integrar a chamada equipe de transição de Bolsonaro, que se reunia no Centro Cultural do Banco do Brasil, em Brasília, para formular os primeiros planos do governo antes mesmo da posse do novo presidente.

O time tinha a responsabilidade de receber as informações da administração do ex-presidente Michel Temer (MDB) e preparar um diagnóstico que auxiliasse o novo ocupante do Planalto.

“Assim como Bolsonaro, o Decotelli é do Rio, e conhece ele há muito tempo. É uma figura de destaque há muitos anos lá no Rio, por causa das atividades dele na Fundação Getúlio Vargas (FGV, da qual Decotelli é professor)”, conta o cientista político e professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB) Paulo Kramer, que conheceu Decotelli na equipe de transição.

“Sem dúvida que a escolha dele é uma vitória para a ala militar moderada, em contraposição à ala ideológica”, diz Kramer.

“Ele compreende que o legado dele como ministro vai ser avaliado não pelas batalhas ideológicas que ele travar (à frente do MEC), mas pelo quanto ele vai fazer a educação brasileira galgar posições em avaliações internacionais, como o Pisa”, diz o professor.

Segundo Kramer, Decotelli também terá um certo “jogo de cintura” para lidar com entidades do setor da Educação que não apóiam o governo — diferente do que acontecia na gestão de Abraham Weintraub.

A reação da ala conservadora

Enquanto isso, na chamada ala ideológica do governo, a chegada do ministro não foi bem recebida.

Carlos Nadalim é o atual secretário de Alfabetização do MEC e o principal seguidor de Olavo de Carvalho remanescent na cúpula do ministério. Ele chegou a ser cotado para assumir o posto quando da saída de Weintraub — quando o ex-ministro anunciou a saída da pasta, Nadalim postou uma homenagem a ele em sua conta no Twitter.

Na quinta-feira, Nadalim reagiu com irritação a perguntas sobre a nomeação do novo ministro. “Ligue para ele (Decotelli) e para o presidente”, disse ele ao ser interpelado pela BBC News Brasil. “Estou focado na minha secretaria. Se quiser informações, ligue para o presidente e para o novo ministro”, disse.

O deputado bolsonarista Carlos Jordy (PSL-RJ) usou as redes sociais para desejar boa sorte a Decotelli, mas alertou o novo ministro sobre a suposta “guerra cultural” em curso no país. “Ao menor sinal de fraqueza, a esquerda não perdoará”, advertiu o deputado.

Ex-secretária interina da Cultura e defensora de ideias conservadoras, a pastora Jane Silva disse que alguns dos apoiadores de Bolsonaro ficaram sem entender a escolha de Decotelli.

“O que está acontecendo com o grupo conservador? Nós estamos muito assustados. O presidente começa… a perder força. Mas entre os conservadores há uma conversa sobre se o Bolsonaro… A gente não tem dúvida de que ele é conservador, mas será que ele do tipo que só fala fala e não age? São os militares que respondem pelo governo, e o presidente só acata?”, diz ela.

“Esta semana eu o vi nomear o (ator) Mário Frias, e junto com ele o tal do Pedro Horta (como secretário adjunto), que é o testa de ferro do João Doria”, diz a pastora.

“Não sei se essa pessoa (Decotelli) é a ideal para o MEC ou não. O Weintraub deveria ter sido bancado pelo presidente e permanecido. ‘Ah mas ele estava correndo risco de vida’. Porque é que o governo não deu a ele segurança e condições de continuar?”, questiona ela.

Escolha surpreendeu sociedade civil

A nomeação de Decotelli para o comando do MEC surpreendeu os dirigentes de organizações da área de educação consultados pela BBC News Brasil. Alguns lembram que, apesar de ser um acadêmico, o novo ministro nunca pesquisou políticas públicas da área de educação. Por outro lado, ele parece ter perfil mais apaziguador do que Abraham Weintraub.

Para Daniel Cara, membro da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação e professor da Faculdade de Educação da USP, Decotelli “não é uma referência” no setor por ser um nome muito pouco conhecido nas discussões de políticas educacionais.

Cara enxerga com preocupação preocupação o fato de Decotelli ser visto como alguém que agrade ao ministro da Economia, Paulo Guedes, pelo temor de mais cortes de gastos orçamentários ou privatizações na educação.

Por sua vez, Priscila Cruz, presidente da organização Todos Pela Educação, opina que Decotelli tem “o perfil certo” para reconstruir pontes do MEC com Estados, municípios e com o Congresso, depois da polêmica gestão de Weintraub.

“Tive pouco contato com ele no FNDE, (mas) é uma pessoa de excelente trato, muito educada, o oposto de Weintraub. Tem como característica marcante ser muito austero, sério e voltado para gestão”, diz Cruz à BBC News Brasil. “Uma de suas principais tarefas será reconstruir as pontes que Weintraub explodiu”.

Outros desafios urgentes diante de Decotelli serão a retomada das aulas presenciais após a quarentena, atualmente sendo definidas pelos Estados e municípios com praticamente nenhuma participação do MEC; a realização do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), em meio ao aumento das desigualdades educacionais por conta da pandemia; e a aprovação do Fundeb, fundo bilionário de recursos para a educação básica que, por determinação de lei, expira neste ano.

Abraham Weintraub foi demitido após meses de polêmicas políticas que aumentaram o desgaste do governo com outros Poderes — entre elas, a principal foi o fato de Weintraub ter chamado de “vagabundos” os ministros do Supremo Tribunal Federal durante a reunião ministerial de 22 de abril que teve seu sigilo suspenso.

Antes dele, Ricardo Vélez havia ocupado o cargo durante apenas três meses.

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