Discreto burocrata com passagens pelas gestões de Dilma Rousseff e de Michel Temer, Tarcísio de Freitas ganhou os holofotes depois de um elogiado trabalho pelo Ministério da Infraestrutura de Jair Bolsonaro, a ponto de o chefe indicá-lo para a disputa do Palácio dos Bandeirantes. Vencedor improvável do pleito, dada aDilma+Rousseff inexperiência, a falta de maiores vínculos com São Paulo e o domínio de duas décadas do PSDB no estado, ele vem tentando imprimir ao governo um perfil técnico. Quer ser reconhecido como “tocador” de obras importantes, viabilizador de grandes privatizações e administrador eficaz da máquina pública. A poucos meses de completar um ano de mandato, tem aprovação de 63,4% entre os paulistanos, segundo levantamento recente do instituto Paraná Pesquisas.
Essa lua de mel com o eleitorado não se repete no meio político, algo que pode comprometer o futuro do governo e até mesmo de Tarcísio, visto como favorito a ocupar o espaço da direita no pleito presidencial de 2026. A avaliação é a de que o governador se revelou pouco hábil até aqui na negociação e na articulação política, o que acende o sinal amarelo diante da necessidade de tirar do papel algumas das grandes promessas de campanha.
Na chegada ao Palácio dos Bandeirantes, Tarcísio já carregava o peso de orquestrar uma ampla aliança. Além do Republicanos, que é o seu partido, fazem parte dela o PSD, sigla do vice Felicio Ramuth e do cacique Gilberto Kassab, o PL, o PP e o Podemos. Ocasionalmente, somam-se a essas forças as bancadas do MDB, do União Brasil e do PSDB. Mesmo políticos com mais experiência no Poder Executivo teriam dificuldades para afinar no dia a dia tantos interesses. Novato na área, Tarcísio tem agora o complicador de que parte de sua base está com um pé no governo federal, caso do próprio Republicanos. Por isso, nos bastidores, dá-se como certo o divórcio entre o governador paulista e a sigla. “Só resta saber quando vai ser decidida a separação, de que forma isso ocorrerá e qual será o destino escolhido”, afirma um experiente político paulista.
Outro grande complicador nesse intrincado xadrez é o estilo do governador, que recebeu nos bastidores o maldoso (e injusto) apelido de “Dilma”, em referência à inabilidade política da ex-presidente petista. Tarcísio não tem paciência com o que considera demandas pequenas e suspeitas de deputados, a exemplo de pedidos de nomeação para delegados, e gosta de repetir que não aceita negociar mudanças em seu secretariado em troca de apoio e que prefere, inclusive, sofrer eventuais derrotas do que desmembrar seu “time técnico”. É o tipo de comportamento que deixa de cabelos em pé os aliados.
Derrota, por ora, não houve, mas o governador tem experimentado o gosto amargo de ter passado votações apertadas na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) — muitas vezes penando para ter o número mínimo de deputados presentes. É algo preocupante, tendo em conta a necessidade de aprovação num horizonte próximo de medidas prioritárias e necessárias, como a privatização da Sabesp, a maior companhia de saneamento básico do país. A urgência de apresentação desses projetos — nenhum deles foi enviado ainda pelo Executivo — se faz ainda maior dado o fato de que, a partir do ano que vem, as atenções estarão voltadas às eleições municipais e, com o universo de interesses e alianças a serem definidas estado adentro, não haverá disposição para a discussão e a condução das matérias em 2024.
Na teoria, a inexperiência de Tarcísio seria compensada pela presença do tarimbado Gilberto Kassab, que ocupa o posto de secretário de Governo. Ocorre que Kassab disputa espaço no Palácio dos Bandeirantes com outro homem de confiança do governador, Arthur Lima, secretário da Casa Civil. Ambos negam publicamente qualquer atrito (“Nossa relação é a melhor possível”, garante Lima), mas aliados comentam que há hoje uma confusão a respeito de quem manda de fato por ali e reclamam de que Tarcísio tem dificuldade em arbitrar o caso.
Segue sem solução também o enrosco relacionado à liderança do governo na Alesp, a cargo do deputado Jorge Wilson (Republicanos), alvo de muitas críticas. Mas, nesse caso, ao contrário do embate entre Kassab e Lima, há uma tentativa de solução a curto prazo. Uma das possibilidades envolve a exoneração do secretário do Turismo, Roberto de Lucena, e sua substituição pelo atual líder da bancada do Republicanos, Altair Moraes. A troca abriria espaço para o suplente da legenda assumir uma vaga na Alesp: Danilo Campetti, policial federal que atuou na prisão de Lula na Lava-Jato e que, neste ano, foi afastado do cargo pelo Ministério da Justiça. Campetti foi assessor especial de Tarcísio entre janeiro e junho deste ano e é tido como um nome de confiança e que “entregaria resultados”. E resultado é tudo de que Tarcísio vai precisar nos próximos anos para manter seu prestígio em alta junto ao eleitorado.
Publicado pela revista Veja de 29 de setembro de 2023, edição nº 2861