As novas regras da CGU (Controladoria Geral da União) para a aplicação da LAI (Lei de Acesso à Informação) trazem avanços, mas ainda são insuficientes para evitar o uso indevido da legislação, a exemplo do que aconteceu no governo de Jair Bolsonaro (PL).
A avaliação de organizações que atuam com a aplicação da lei é que a fragilidade do pacote de 12 diretrizes está na não obrigatoriedade das recomendações, divulgadas no início do mês junto com o anúncio de revisão de 234 casos de sigilos impostos no governo anterior.
As orientações feitas agora pela CGU são direcionadas a funcionários públicos federais e podem embasar recursos diante de novas negativas de acesso. Um exemplo é a diretriz sobre “desarrazoabilidade do pedido”, que orienta órgãos e entidades públicas a apresentar quais os riscos ou evidenciar a falta de recursos ao usar esse argumento para negar a informação.
Segundo a CGU, essas orientações fundamentam as decisões do órgão e podem ser usados pelos solicitantes para terem seu acesso à informação assegurado. Em caso de descumprimento, um procedimento poderá ser encaminhado à Corregedoria-Geral da União para apurar eventual responsabilidade.
Porém parte dos especialistas considera que medidas mais efetivas precisarão ser tomadas para evitar negativas indevidas em casos que envolvam informações pessoais, a exemplo do que aconteceu na gestão Bolsonaro, marcada pelos chamados sigilos de cem anos, resultado de uma interpretação equivocada do artigo 31 da LAI.
Na diretriz sobre informações pessoais, a CGU diz que o fato de documentos e processos conterem tais dados não é suficiente para negar de forma geral um pedido de acesso. A orientação é proteger os dados sensíveis, com o uso de tarjas, por exemplo, e disponibilizar o restante.
Presidente do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, Kátia Brembatti cita que em março do ano passado, para evitar negativas com base na LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), a CGU havia orientado que a lei era compatível com a LAI, mas o problema continuou.
“O enunciado [diretriz] do ano passado não foi suficiente e parece que esse também não será, porque, quando chega no servidor da base, ele olha para o artigo 31 e para a LGPD e tem ora um temor de infringir a própria lei e ora um entendimento equivocado do que significa essa base legal”, diz.
Brembatti afirma que a fragilidade dessas orientações ficará clara caso o descumprimento se repita após os anúncios da gestão do ministro Vinícius de Carvalho. Mudar isso demandará treinamento e boa vontade política, diz.
Marina Atoji, diretora de programas da ONG Transparência Brasil, afirma que as orientações mitigam o problema, mas não são suficientes para evitar que a LAI seja descumprida.
Para isso, ela diz que é preciso estabelecer um teste de danos por meio de um decreto ou portaria. O procedimento serviria para determinar se o dano que poderia ser causado pela divulgação da informação é maior do que o interesse público envolvido. A partir dessa análise, o servidor pode decidir se libera o acesso.
O advogado Bruno Morassuti, cofundador da agência Fiquem Sabendo, diz que as orientações representam o início de um processo mais profundo de revisão de políticas de acesso à informação pelo governo.
“É um ato da CGU e não uma determinação do presidente. Seria importante que de alguma forma a gente incluísse esses enunciados no decreto que regula a Lei de Acesso à Informação e, eventualmente, na própria LAI”, diz.
Outra via possível, acrescenta, dependeria da interlocução entre a Presidência da República, AGU (Advocacia-Geral da União) e PGU (Procuradoria-Geral da União) para emitir uma regra que valesse para toda a administração federal.
A alteração do decreto 7.724 de 2012, que regulamenta a LAI, também demandaria uma ação de Lula, enquanto a alteração da lei ficaria a cargo do Congresso Nacional.
A CGU diz que não descarta a futura incorporação no decreto, mas que não há nenhum encaminhamento nesse sentido porque a força para o cumprimento das orientações se dará pelo poder de revisão da CGU, em sede de recurso, das decisões que eventualmente estejam em conflito com as recomendações. O órgão afirma ainda que criou uma diretoria responsável por monitorar a aplicação da LAI no Executivo Federal e que atua na capacitação dos órgãos federais para que os entendimentos sejam incorporados.
Apesar disso, a mudança de orientação adotada pela CGU até o momento é vista de forma positiva. Danielle Bello, coordenadora de Advocacy e pesquisa da Open Knowledge Brasil, afirma que há um movimento cuidadoso para se distanciar de discursos políticos e boas sinalizações para estados e municípios.
Bello não vê necessidade de mudar a LAI. Para ela, basta uma atuação efetiva da CGU no processo de formação de servidores e monitoramento do cumprimento das orientações, especialmente em órgãos que tendem a não seguir a LAI, citando como exemplo o Itamaraty.
Uma das diretrizes afirma que os telegramas, despachos e circulares telegráficas produzidos pelo Ministério das Relações Exteriores também estão sujeitos à regra geral da LAI, de que o acesso é a regra e o sigilo é a exceção.
A CGU afirma que a orientação enfrenta essa questão dando um reforço importante para a transparência nesse órgão.
Esse princípio, diz Marina Atoji, da Transparência Brasil, não foi seguido na redação da diretriz sobre registros de entrada e saída de residências oficiais. O texto afirma que tais informações devem ser protegidas devido a “aspectos da intimidade e vida privada das autoridades públicas”, exceto em caso de agendas oficiais ou de agentes privados.
“Tem que ser o inverso, porque mesmo que sejam encontros informais ou visitas é interesse público saber quem frequenta a casa do presidente”, afirma.
A CGU diz que, apesar da crítica, a ordem da frase não altera o conteúdo principal de que as informações de registro são públicas.
A LAI E OS SIGILOS
A LAI (Lei de Acesso à Informação) define informação sigilosa como aquela que tem o acesso ao público restrito de forma temporária por representar risco à segurança da sociedade ou do Estado. A transparência é a regra e o sigilo, a exceção.
Qualquer pessoa pode fazer um pedido de acesso à informação para órgãos do Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público e também para entidades privadas sem fins lucrativos que recebam dinheiro público para realizar projetos.
A LAI estabelece prazo de até 20 dias para resposta. A negativa de acesso deve ser justificada e cabe recurso, no prazo de dez dias.
O QUE DIZ A LEI
Segundo a LAI e o decreto que regulamenta a lei, há três graus de classificação de sigilo que podem ser adotados para informações que coloquem em risco a defesa e integridade nacional, a vida da população, a integridade financeira do país e atividades de inteligência, entre outros casos. São eles:
- Ultrassecreto: sigilo de 25 anos que pode ser determinado pelo presidente e vice-presidente, ministros e autoridades com a mesma prerrogativa, comandantes das Forças Armadas e chefes de missões diplomáticas e consulares
- Secreto: sigilo de 15 anos. Além das autoridades citadas, pode ser determinado por titulares de autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista;
- Reservado: sigilo de 5 anos. Pode ser determinado pelas autoridades mencionadas e por aquelas que exercem funções de direção e comando.
Além das informações classificadas, a lei prevê sigilo até o término do mandato para informações que possam colocar em risco a segurança do presidente e vice-presidente da República, esposas e filhos.
OS SIGILOS DE CEM ANOS
Não há na Lei de Acesso à Informação o chamado sigilo de cem anos. O prazo máximo de restrição previsto pela lei é de 25 anos para informações ultrassecretas. Especialistas em transparência dizem que o termo recorrente durante a gestão Bolsonaro veio da interpretação distorcida de um dispositivo do artigo 31 da lei.
O trecho diz que informações pessoais que atinjam a intimidade, vida privada, honra e imagem de alguém podem ter seu acesso restrito por até cem anos.