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segunda-feira 29 de janeiro de 2024 às 17:15h

Novas funções e mudanças na transparência de plataformas desafiam eleições municipais

ELEIÇÕES 2024, NOTÍCIAS


Além de servir como laboratório para tecnologias de inteligência artificial, as eleições municipais de outubro serão as primeiras com recursos recém-implementados por grandes plataformas, como WhatsApp e X, cujos efeitos sobre a circulação de desinformação, embora ainda incertos, preocupam especialistas e Justiça Eleitoral. A disputa também ocorre após decisões do YouTube e do antigo Twitter dificultarem o acesso de pesquisadores a seus dados, gargalo que se soma à já conhecida resistência das empresas do setor à transparência sobre moderação de conteúdo e anúncios políticos.

O jornal O Globo mapeou as principais mudanças nas plataformas desde as últimas eleições. As mais recentes ocorreram no WhatsApp e têm potencial para ampliar a viralização. O aplicativo lançou as comunidades, em janeiro de 2023, e os canais, em setembro. A primeira ampliou o alcance dos grupos, antes limitados a 256 usuários, ao permitir agrupar até 50 deles em uma espécie de “guarda-chuva” para envios a até 5 mil membros, mantendo a criptografia.

Já os canais reúnem usuários inscritos, semelhante ao formato do Telegram. No último dia 17, a empresa ampliou o número de administradores que enviam, unilateralmente, informações à base ilimitada de usuários e passou a permitir disparar áudios.

— Novos recursos trazem consequências na forma como usuários são expostos a fake news e são visados por campanhas de desinformação — afirma a pesquisadora do Instituto Democracia em Xeque Tatiana Dourado.

Ao GLOBO, o WhastApp apontou que, no caso dos canais, usa ferramentas automáticas, análise manual e denúncias de usuários para detectar abusos. Sobre comunidades, diz que as mensagens recebidas só podem ser encaminhadas depois a um grupo de cada vez: “Esse limite adicional ajuda a reduzir a disseminação de conteúdo viral”.

Pesquisador da FGV-Rio, o advogado Filipe Medon avalia que as comunidades do WhatsApp, junto ao crescimento do uso de IA, ampliam riscos:

— A plataforma consegue limitar quem é atingido ou sinalizar que aquele é um conteúdo encaminhado com frequência, mas não identificar, de maneira efetiva, o teor daquela mensagem. A desinformação é um dos maiores problemas desta eleição e, com a inteligência artificial, temos um combo explosivo.

Popularidade dos aplicativos — Foto: Arte / O Globo
Popularidade dos aplicativos — Foto: Arte / O Globo
 Na pré-campanha, a suspeita de disseminação de fake news produzida com IA em circulação no WhatsApp já tem mobilizado a Justiça. Como mostrou O Globo, a Justiça Eleitoral do Paraná decidiu que a plataforma deve bloquear o compartilhamento de um áudio denunciado pelo pré-candidato do PP à prefeitura de Maringá, Silvio Barros. No áudio, uma voz com o timbre do político diz que ele desistiu de concorrer e declara apoio a um adversário.

Inovação x poder público

Professor da Escola de Comunicação da FGV, Eurico Matos alerta que é nas redes mais fechadas, como nos grupos, que a campanha acontece de forma mais agressiva:

— As inovações avançam mais do que pesquisas, monitoramento e o poder público.

Outra rede, o X, investiu no sistema colaborativo Notas da Comunidade, ao mesmo tempo que esvaziou suas políticas de moderação. O recurso permite a usuários cadastrados inserir e avaliar contextos em postagens de terceiros.

Para serem aprovadas, as notas precisam ser avaliadas como úteis por “um número suficiente de usuários”. O X diz considerar nesse cálculo perspectivas diferentes e aprovação de pessoas que “tendem a discordar entre si”. A plataforma não faz avaliação ou moderação dos contextos. Em novembro, o GLOBO mostrou casos que sinalizam uso político de notas exibidas.

Uma delas foi usada para promover a versão do governador de Minas, Romeu Zema (Novo), sobre uma declaração em que comparou estados do Nordeste a “vaquinhas que produzem pouco”, e outra para lançar dúvida sobre uma denúncia feita pela deputada estadual do Rio Renata Souza (Psol). Ela apontou viés racista em uma plataforma de inteligência artificial que representou uma mulher na negra na favela com uma arma.

Para Iná Jost, do InternetLab, não há transparência suficiente sobre quem faz e avalia as notas e sobre os critérios de publicação delas. Além disso, pelo formato usado, as notas podem ser vistas como uma comunicação do X.

— Precisamos de uma regulação que traga obrigações de transparência. É fundamental também que as plataformas tenham ampla cooperação com a Justiça Eleitoral — diz.

O X tem feito o movimento contrário. Sob gestão de Elon Musk, passou a cobrar pelo acesso à chamada API, interface que permite a extração de dados. O YouTube também decidiu encerrar sua API que permitia mapear quais são os conteúdos relacionados a um determinado vídeo.

João Guilherme Bastos, do INCT.DD, alerta para dificuldades ainda maiores de acesso nos casos do TikTok e Kwai, que se popularizaram recentemente no país. Ele também destaca o retrocesso no X.

— O X foi pioneiro no acesso a dados e o fechou a ponto de boa parte dos analistas não conseguir mais fazer pesquisas como antes.

Pesquisadora do NetLab, da UFRJ, Débora Salles afirma que o principal gargalo da Justiça é a garantia de mecanismos de fiscalização das plataformas. Ela explica que a Meta, dona do Facebook e Instagram, e Google são as únicas a oferecer ferramentas de transparência de anúncios no país:

— Quando falamos de plataformas em que o acesso aos dados é muito difícil, fica complicado averiguar se alguém está usando aquilo de forma indevida.

Enquanto o projeto para regular as plataformas, o PL das Fake News, aguarda análise na Câmara, as resoluções em debate no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entrarão em vigor no próximo pleito. O texto está em discussão e deve incluir medidas como a exigência de transparência ao impulsionamento de postagens.

Procurados, Kwai e TikTok não comentaram sobre a falta de transparência e de acesso às APIs. O Kwai disse se comprometer com as leis brasileiras, que busca melhorar suas políticas e que assinou acordo com o TSE para combate à desinformação. O TikTok enviou link com suas medidas para as eleições em que destaca parcerias com autoridades e organizações de checagem. X e YouTube não responderam.

Veja os pontos de preocupação:

WhatsApp

  • O que preocupa: Lançou novas ferramentas com potencial para ampliar a viralização de conteúdo. Há dúvidas sobre qual será seu impacto na eleição e sua aplicação em campanhas de desinformação, inclusive com uso de inteligência artificial.
  • Comunidades – Permitem a um administrador agrupar até 50 grupos e enviar mensagens para até 5 mil usuários. Até janeiro de 2023, quando foi adotada, só era possível atingir simultaneamente até 256 contas em grupos.
  • Canais – Permitem enviar conteúdos a usuários inscritos no canal, que podem compartilhar as postagens e reagir com emojis. Os canais agora podem ter até 16 administradores e enviar áudios.

X (antigo Twitter)

  • O que preocupa: Reduziu sua equipe de moderação de conteúdo, inclusive para integridade de eleições, e investe em um sistema colaborativo de verificação. Passou a cobrar por acesso a ferramenta usada para extrair dados.
  • Notas da Comunidade – Permite que usuários cadastrados criem e avaliem notas em postagens de terceiros para “contextualizar” conteúdos. Pesquisadores apontam que os critérios para ser colaborador do serviço e para aprovação ou não das notas demandam maior transparência.
  • API paga – O acesso à interface para programação de aplicações passou a ser pago. O recurso permite extrair dados e monitorar conteúdos nas redes. A medida dificulta pesquisas acadêmicas.

YouTube

  • O que preocupa: Encerrou o acesso à parte da consulta de sua API que permitia mapear quais são os conteúdos relacionados a um determinado vídeo. A medida dificulta pesquisas sobre como funciona seu sistema de recomendação.

TikTok e Kwai

  • O que preocupa: Têm menor nível de transparência que outras redes e não oferecem, por exemplo, acesso a APIs para fins de pesquisa. O Kwai entrou na mira de um inquérito civil público do MPF após suspeita de que promoveu conteúdos e perfis falsos.

Telegram

  • O que preocupa: Tem histórico de descumprimento de determinações judiciais. No inquérito no STF que apura a campanha da empresa e do Google contra o PL das Fake News, seu ceo, Pavel Durov, chegou a faltar a um depoimento por videoconferência, antes de indicar advogados para representar o Telegram.

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