domingo 22 de dezembro de 2024
Lula em reunião sobre a regra fiscal no Alvorada com (no sentido horário) Fernando Haddad, ministro da Fazenda; José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara; Miriam Belchior, secretária-executiva da Casa Civil; Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo no Senado; Gabriel Galípolo, secretário-executivo da Fazenda; Rogério Ceron, secretário do Tesouro Nacional; Guilherme Mello, secretário de Política Econômica da Fazenda; Gleisi Hoffmann, presidente do PT; e Esther Dweck, ministra da Gestão e das Inovações no Serviço Público. - Foto Divulgação/Ricardo Stuckert
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quinta-feira 30 de março de 2023 às 05:34h

Nova regra fiscal limitará crescimento das despesas federais a 70% da alta da receita

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O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) propõe em seu desenho de regra fiscal que o crescimento das despesas federais seja limitado a 70% do avanço das receitas projetado para o mesmo ano, segundo informações obtidas por Idiana Tomazelli , Alexa Salomão , Catia Seabra e Julia Chaib da Folha.

Na prática, o governo pretende trabalhar com uma nova trava para as despesas, que cresceriam em ritmo menor do que a arrecadação, de forma a fazer as contas melhorarem nos próximos anos e saírem do vermelho.

Além disso, a regra vai prever um intervalo para a meta de resultado primário a cada ano, como uma espécie de banda para flutuação. O resultado primário é obtido a partir das receitas menos as despesas. Hoje, há uma meta única definida anualmente.

O objetivo da proposta é substituir o teto de gastos, regra fiscal em vigor que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior.

O novo marco fiscal foi apresentado a Lula em seu formato final pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em reunião nesta quarta-feira (29) no Palácio da Alvorada. Na sequência, Haddad se dirigiu à residência oficial do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para apresentar a proposta a lideranças da Casa.

O desenho foi pensado para que os gastos tenham um aumento real (acima da inflação), mas em ritmo mais moderado do que o avanço das receitas —combinação considerada crucial para obter uma redução gradual do déficit público e estabilizar a dívida pública.

A previsão do governo é que o déficit, projetado em 1% do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano, seja zerado já em 2024, conforme mostrou a Folha. Em 2025, a estimativa indica superávit (arrecadação maior do que gastos) equivalente a 0,5% do PIB. No ano seguinte, 2026, o saldo positivo seria de 1% do PIB.

Nas discussões internas, o governo chegou a fazer simulações com diferentes percentuais de 50%, 70% ou 80% sobre o aumento na arrecadação. A definição dessa proporção é, na prática, o que ditará a velocidade do ajuste nas contas do país.

Segundo interlocutores do governo, uma ala queria definir já na largada um percentual mais restritivo para a alta das despesas em relação às receitas, de 60%, mas acabou prevalecendo um ponto intermediário.

O percentual de vinculação entre despesas e receitas será fixo, embora a cada ano sua aplicação sobre as novas estimativas leve a números diferentes de espaço no Orçamento.

A ideia é que, ao projetar o crescimento da receita para o ano seguinte, o governo obtenha, como consequência, o limite de avanço da despesa. No cenário em que a estimativa de alta da arrecadação seja 2% em termos reais e o percentual de aumento de gasto sobre ela de 70%, a elevação na despesa poderia ser de até 1,4%. Os números são ilustrativos.

Além disso, o percentual não será aplicado de forma linear a todas as despesas. Com o fim do teto de gastos, serão retomados os mínimos constitucionais de saúde e educação como eram até 2016: 15% da RCL (receita corrente líquida) para a saúde e 18% da receita líquida de impostos no caso da educação.

Na prática, o avanço dessas despesas acompanhará mais de perto a arrecadação, enquanto outros gastos precisarão ter crescimento mais moderado para respeitar o limite como um todo.

O limite deve ser abrangente, mas algumas despesas ficarão de fora, entre elas os repasses do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) e a ajuda financeira para estados e municípios bancarem o piso da enfermagem. São gastos aprovados por emenda constitucional.

Pela forma como foi desenhada, a proposta tem caráter pró-cíclico, ou seja, permite aumento de gastos quando há ampliação da receita e do crescimento, ao mesmo tempo em que impõe moderação em fases de baixa. Evitar isso era um dos princípios defendidos por economistas do próprio PT.

Por isso, a tendência é que o governo inclua algumas travas para impedir que a despesa acompanhe o ritmo das receitas quando estas tiverem alta expressiva, ou ainda que seja preciso cortar gastos porque a arrecadação caiu de forma significativa.

A ideia é prever que o crescimento da despesa siga a receita, mas até um percentual limite.

De forma análoga, se as receitas despencarem, a alta de gastos respeitará um piso a ser indicado na proposta de nova regra fiscal —que também será um número percentual, segundo integrante da equipe econômica.

Além de reduzir o viés pró-cíclico da proposta, a avaliação no governo é que esses mecanismos tiram qualquer eventual incentivo de superestimação de receitas —justamente o que ocorria quando a principal referência das contas públicas era o resultado primário.

Antes do teto de gastos, aprovado em 2016, o Congresso incluía no Orçamento previsões de receitas apenas para criar lastro à ampliação de despesas. Depois, quando a arrecadação era frustrada, o governo precisava contingenciar gastos ou mudar a meta fiscal.

Com a trava idealizada pelo governo Lula, mesmo que os parlamentares ampliem as projeções de receitas, haveria um limite para o avanço das despesas. A partir de determinado patamar, qualquer arrecadação adicional (prevista ou efetivamente realizada) apenas ampliaria o diferencial —ou seja, melhorando o resultado primário e contribuindo para a estabilização e redução da dívida pública.

Em outro cenário, se houver frustração de receitas durante o exercício, o governo ainda precisaria cumprir a meta de resultado primário estipulada no Orçamento. Isso significa, eventualmente, conter despesas para evitar violação à regra.

Como mostrou a Folha, o novo marco fiscal deve ter gatilhos de ajuste ligados ao resultado primário.

Presente na reunião de lideranças com Haddad, o deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE) confirmou o percentual de 70% antecipado pela Folha e disse que, se o governo descumprir a meta de primário, a variação do crescimento das despesas cairá a 50% da alta de receitas no ano seguinte.

Os instrumentos de ajuste são uma sinalização importante dentro de um marco fiscal que mira o médio prazo e terá nas projeções para esse horizonte um alicerce para tentar convencer investidores de que as contas são sustentáveis.

A proposta de atrelar a restrição do gasto à dívida, que é defendida por muitos economistas que redigiram sugestões de regras fiscais, foi descartada por técnicos e autoridades ouvidos sob reserva pela reportagem. Os indicadores de endividamento devem funcionar apenas como referência.

Na chegada à reunião do governo com integrantes da Câmara, o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse que a nova regra já estava validada por Lula, que determinou a apresentação dos termos da proposta aos membros do Congresso. Ele evitou citar detalhes da nova regra, mas disse que ela terá “compromisso com a responsabilidade fiscal”.

O ministro disse ainda que o governo buscará obter o mais rápido possível uma definição de quem será o relator do projeto na Câmara. O relator é uma figura central, pois ele que fará o trabalho de análise, discussão e apresentação de um parecer com eventuais mudanças.

Na reunião com lideranças, os parlamentares manifestaram um desejo de ter uma regra específica para permitir a destinação de receitas extraordinárias a investimentos, evitando a repetição do que se viu sob o teto de gastos: um peso grande dos cortes de gastos sobre obras e outros investimentos. Segundo Benevides Filho, Haddad ficou de analisar o pedido dos congressistas.

ENTENDA A NOVA REGRA FISCAL

O que é o novo arcabouço fiscal?

É o conjunto de regras de controle para as contas públicas sendo apresentado pelo governo para substituir o atual teto de gastos, criado no governo de Michel Temer.

Por que o governo está substituindo o teto?

O governo defende que o teto de gastos limitou a capacidade do Estado de promover políticas públicas. Apesar disso, reconhece que não é possível ficar sem uma regra de controle para as despesas.

O que é necessário para o teto ser substituído?

Uma emenda constitucional de interesse de Lula e promulgada no fim de 2022 estabeleceu que o governo apresentaria, até agosto, uma nova proposta para o teto de gastos por meio de um projeto de lei. Uma vez aprovada a proposta pelo Congresso, ela substituirá o teto de gastos –que será automaticamente revogado.

COMO É HOJE

Teto de gastos: regra inserida na Constituição e que impede, desde 2017, que as despesas federais cresçam, de um ano para o outro, mais do que a inflação.

Meta de resultado primário: prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal, é estipulada em valor numérico a cada ano na Lei de Diretrizes Orçamentárias. O resultado é obtido a partir da diferença entre receitas e despesas no ano. Hoje, é uma meta única e precisa ser cumprida pelo Executivo.

COMO É A PROPOSTA DO GOVERNO

Trava para gastos: em vez do teto de gastos, a despesa poderá crescer o equivalente a 70% da alta projetada nas receitas (por exemplo, se a arrecadação subir 10%, a despesa poderá subir até 7%). Haverá, porém, limites mínimos e máximos para essa variação nos gastos. O percentual mínimo evita que uma queda brusca ou temporária na arrecadação obrigue o governo a comprimir despesas. Já o limite máximo afasta o risco de o Executivo expandir gastos de forma exagerada quando há um pico nas receitas.

Meta de resultado primário: em vez da meta única de resultado das contas públicas a ser perseguido pelo governo, haverá um intervalo projetado para o exercício e o Executivo precisará encerrar o exercício dentro dessa banda.


ENTENDA O FISCALÊS

Confira alguns dos principais termos usados nas discussões sobre contas públicas no Brasil.

ARCABOUÇO OU REGIME FISCAL

Nome dado ao conjunto de princípios e regras formais que buscam a estabilidade das contas públicas. O teto de gastos é um exemplo de arcabouço fiscal, que buscou limitar as despesas primárias ao mesmo valor do ano anterior corrigido pela inflação.

BANCO CENTRAL

Instituição financeira governamental responsável por garantir a estabilidade da moeda do país e regular o sistema financeiro. Entre suas atribuições está emitir papel moeda, colocar em prática a política monetária —através do controle das taxas de juros— e fiscalizar instituições financeiras.

COPOM

O Copom (Comitê de Política Monetária) é um órgão do Banco Central que se reúne periodicamente para definir diretrizes da política monetária e a taxa Selic (juro básico da economia).

DÉFICIT

Em contabilidade, é quando as despesas superam as receitas, o oposto de saldo. No caso do déficit público, quando os gastos de um governo são maiores que a arrecadação.

DÉFICIT NOMINAL

Inclui os gastos com juros e a correção monetária (adequação do valor perante a inflação).

DÍVIDA PÚBLICA

Dívida contraída sempre que o governo gasta mais do que arrecada, ou seja, quando os impostos e demais receitas não conseguem cobrir os gastos. Com o objetivo de atender às necessidades dos serviços públicos, o governo recorre a financiadores, como pessoas físicas, empresas e bancos.

DÍVIDA BRUTA

Abrange o total dos débitos do governo federal e entes regionais (governos estaduais e municipais) a empresas financeiras e não financeiras, públicas e privadas, incluindo no exterior.

DÍVIDA LÍQUIDA

É a dívida bruta descontados os créditos a receber de todos os entes (governos federal, estaduais, municipais, BC e estatais) e as reservas (espécie de poupança, em dólares) do país.

LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS (LDO)

Lei que define as metas e prioridades da administração pública federal para o ano seguinte. Com duração de um ano, a LDO fixa limites para os orçamentos dos Poderes e orienta a elaboração da LOA (Lei Orçamentária Anual).

LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL (LOA)

É a lei orçamentária propriamente dita, com estimativa de receita e fixação da despesa pública. Na prática, aponta como o governo vai arrecadar e como vai gastar os recursos públicos. Tem duração de um ano.

META DE INFLAÇÃO

É valor mínimo ou máximo que a inflação pode chegar num determinado período. No sistema adotado no Brasil, é fixada uma meta de inflação para o ano, com uma banda de tolerância que prevê um valor superior (teto) e um inferior (piso) em relação ao valor fixado (centro da meta).

META FISCAL

Define o resultado que o governo deve alcançar no ano considerando receitas menos despesas.

ORÇAMENTO PÚBLICO

Instrumento de iniciativa do Poder Executivo para estimar receitas e fixar despesas. Compreende três leis: o plano plurianual (PPA), as diretrizes orçamentárias (LDO) e o orçamento anual (LOA). É elaborado em um exercício, aprovado pelo Legislativo, e vigora no exercício seguinte.

PIB

O Produto Interno Bruto é a soma do valor de todos os bens e serviços produzidos em um país ou uma região, durante um determinado período.

PLANO PLURIANUAL (PPA)

Lei que estabelece diretrizes, objetivos e metas para as despesas da administração pública para os quatro anos seguintes. Desempenha papel central de organização da ação do Estado.

REGRA DE OURO

Prevista na Constituição, exige que o endividamento não supere o montante das despesas com investimentos. O objetivo é evitar contração de dívida pública para pagar gastos correntes, como salários de servidores e aposentadorias.

RESULTADO PRIMÁRIO

Indicador de saúde financeira do Estado, consiste na diferença entre receitas com arrecadação de impostos e taxas, por exemplo, e gastos para manter a máquina pública e a prestação de serviços à sociedade, sem incluir despesas financeiras com pagamento de juros da dívida pública. Quando a receita supera a despesa, o resultado é chamado de superávit primário, quando a despesa é maior que a receita, ocorre déficit primário.

SELIC

A Selic (Sistema Especial de Liquidação e Custódia) é o sistema do Banco Central que registra negócios com títulos públicos federais e de depósitos interfinanceiros. A taxa de juros praticada neste sistema serve como juro básico da economia brasileira.

TETO DE GASTOS

Regime fiscal que fixa limites para as despesas primárias dos órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, do Ministério Público da União, do Conselho Nacional do Ministério Público e da Defensoria Pública da União.

PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE AS CONTAS PÚBLICAS

Por que o superávit é importante?

A diferença positiva entre receita e despesa é considerada um bom indicativo sobre a saúde econômica de um país. Com mais arrecadação que gasto, o governo garante recursos para pagar os juros da dívida pública.

Se o endividamento está em queda, os investidores exigem taxas menores para emprestar dinheiro.

Em cenário de déficit ocorre o oposto. Credores cobram mais caro para financiar a dívida do governo, o que pode gerar um efeito bola de neve do endividamento público.

Por que os investidores se importam tanto com a agenda fiscal?

Se um governo não apresenta um plano fiscal para conter a dívida pública, a tendência é que os credores cobrem mais caro para emprestar dinheiro.

Com juros mais caros, financiamentos ficam menos atrativos, o crédito para o setor privado encarece, o que pode se tornar um empecilho para o crescimento econômico.

Sem perspectiva de crescimento, investidores ficam menos motivados a colocar dinheiro em empresas e projetos no país.

O que a agenda fiscal tem a ver com a perspectiva de um país?

Como dito anteriormente, se um país é visto como irresponsável fiscalmente, os juros tendem a aumentar. A moeda também tende a se desvalorizar, o que aumenta o risco de inflação extra. Este cenário prejudica o crescimento econômico e, consequentemente, a oferta de trabalho.

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