A exposição desavisada de pessoas à água contaminada com antibióticos pode multiplicar patógenos resistentes a medicamentos e potencialmente gerar uma outra pandemia.
Um relatório do Programa Mundial do Meio Ambiente, Pnuma, da Organização das Nações Unidas (ONU), chama a atenção global sobre a ameaça da resistência antimicrobiana. Isso ocorre quando antibióticos são jogados no meio ambiente através de banheiros ou defecação a céu aberto.
Substâncias ativas
O relatório estima que somente em 2015 foram consumidas 34,8 bilhões de doses diárias de antibióticos.
Até 90% desses medicamentos foram parar no meio ambiente como substâncias ativas.
Num mundo com 80% das águas residuais não tratadas, o perigo é superbactérias possam escapar da medicina moderna e desencadear uma pandemia.
Mesmo nos países desenvolvidos, as instalações de tratamento são muitas vezes incapazes de filtrar bactérias perigosas.
Saneamento
O relatório menciona cinco grandes fontes do tipo de micro-organismos. A primeira é o saneamento precário, os esgotos e águas residuais. A situação é agravada pela defecação a céu aberto e pelo uso excessivo de antibióticos para tratar a diarreia.
As outras razões de preocupação incluem efluentes da fabricação de produtos farmacêuticos, resíduos de estabelecimentos de saúde, uso de antimicrobianos e o esterco na produção agrícola
Por último, estão os resíduos gerados pelo processamento de animais.
Há ainda uma relação desta ameaça com as mudanças climáticas: a alta de temperaturas é associada a infecções resistentes a antimicrobianos.
Disseminação
O relatório fala em várias doenças sensíveis ao clima, às alterações nas condições ambientais e na temperatura.
A situação pode levar a um aumento da propagação de enfermidades bacterianas, virais, parasitárias, fúngicas e transmitidas por vetores.
Em 2019, as infecções resistentes a antibióticos causaram a morte de quase 5 milhões de pessoas.
O informe alerta que, sem ação imediata, essas infecções podem levar causar ao dobro desse total, anualmente, até 2050.
Efeito
Pelo relatório, uma eventual pandemia “com efeito catastrófico” pode ser causada pelo desenvolvimento e alastramento da resistência antimicrobiana.
O principal propósito dos antimicrobianos é matar ou inibir o crescimento de patógenos. São antibióticos, fungicidas, agentes antivirais, parasiticidas e alguns desinfetantes, antissépticos e produtos naturais.
Em caso de resistência antimicrobiana, bactérias, vírus, parasitas e fungos evoluem e ficam imunes a tais medicamentos. Quanto mais micróbios expostos a produtos farmacêuticos, maior é a probabilidade de adaptação a eles.
Para a chefe da Divisão Marinha e de Água Doce do Pnuma, Letícia Carvalho, os antibióticos e outras drogas salvam vidas, mas seu destino ambiental no curso das águas é importante.
É preciso cautela no uso do tipo de remédios “para evitar a resistência antimicrobiana que representa riscos sociais, ambientais e financeiros para empresas e a sociedade”.
Poluição
O relatório recomenda um tratamento aprimorado de águas residuais e uso mais direcionado de antibióticos para travar a ameaça global. Muitas vezes, esses medicamentos são usados sem necessidade.
Outras medidas incluem melhorar os dados e o monitoramento dos remédios antimicrobianos e a forma como eles são descartados, a governação ambiental e os planos de ação para limitar a liberação de antimicrobianos.
Níveis elevados de patógenos resistentes a antibióticos foram encontrados em países de baixa e média rendas. O fenômeno foi associado a áreas com infraestrutura deficiente de águas residuais e de gerenciamento de resíduos, além da fabricação de produtos farmacêuticos.
Eventos climáticos severos e o aumento dos lençóis freáticos podem fazer com que as águas residuais e os esgotos sobrecarreguem as estações de tratamento. O tipo de episódios pode permitir que esgotos com micróbios resistentes a antimicrobianos contaminem as comunidades vizinhas.
O relatório ressalta que mesmo com a diminuição das atividades na pandemia, a crise da Covid-19 é um alerta para que melhore a compreensão e a atuação em todas as áreas de preparação e prevenção de doenças infecciosas, incluindo suas dimensões ambientais.