Apesar de ter conquistado uma vitória importante com a aprovação da Reforma Tributária pelo Senado nesta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem no horizonte novos embates com o Legislativo até o fim do ano. Congressistas articulam a criação de uma nova modalidade de emenda parlamentar para ampliar o controle sobre o orçamento e obrigar o governo a executar os pagamentos. Em outra frente, segundo Camila Turtelli e Gabriel Sabóia, do O Globo, agem para turbinar o fundo eleitoral, no momento em que o Executivo busca medidas para reduzir o rombo nas contas públicas.
Com o avanço das negociações, auxiliares de Lula já trabalham para ao menos tentar amenizar as mudanças e barrar o eventual desembolso compulsório das “emendas de bancadas partidárias” que o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), deputado Danilo Forte (União-CE), tenta criar com o apoio das lideranças da Casa.
Na visão da base, caso essa emenda saia do papel, o governo terá de repassar boa parte desses recursos obrigatoriamente para a oposição, principalmente, se forem impositivas — ou seja, de pagamento obrigatório. Isso porque, o PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, tem a maior bancada da Câmara, com 98 deputados, e a segunda do Senado, com 12 integrantes. Por outro lado, o PT é o segundo em tamanho na Câmara, com 68 deputados, e tem 8 senadores.
Além disso, a emenda tira munição do Palácio do Planalto para negociar e garantir apoio em votações importantes, em um Congresso que ampliou espaço com grandes quantias oriundas do extinto orçamento secreto.
Cronograma em estudo
Do lado da equipe econômica, a visão também é desfavorável à criação dessa nova emenda. O entendimento é que o Congresso tem hoje 0,4% do PIB (R$ 37,6 bilhões) em emendas, como o previsto na proposta de Orçamento para 2024, e que pode tentar chegar a 0,5% (R$ 49,5 bilhões) com a nova modalidade, o que é considerado prejudicial à organização das contas públicas.
A emenda que Danilo Forte tenta criar seria destinada às bancadas partidárias do Congresso e se juntaria às outras três já existentes direcionadas a deputados e senadores (individual, de comissão e de bancada estadual). A novidade é apresentada como uma alternativa ao orçamento secreto, barrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no fim do ano passado, principalmente, pela falta de transparência.
O relator da LDO ainda não definiu se vai propor que a execução seja obrigatória, mas essa é a tendência, de acordo com parlamentares que acompanham as discussões. Segundo ele, a definição de um montante dependerá ainda da Lei Orçamentária Anual (LOA) e há a possibilidade ainda que as emendas de comissão também se tornem impositivas — das três existentes é a única que não tem ainda essa obrigatoriedade.
O relator deve também apresentar um cronograma de pagamento obrigatório pelo governo das emendas impositivas. A ideia é que o Executivo seja obrigado a desembolsar os recursos em um período determinado pelo Congresso. Hoje, quem controla o ritmo de pagamentos é o governo, o que gera reclamações no Legislativo.
— Onde há dinheiro público precisa haver transparência. Essa nova rubrica vem justamente para acabar com qualquer dúvida sobre a RP9 (antigas emendas de relator, extintas pelo STF). Não pode haver mais orçamento secreto, seja no Executivo ou Legislativo. Então, por isso, estamos criando a RP5, que vai ter origem, destino e acompanhamento. É uma rubrica clara, com toda tramitação de transparência e fiscalização — disse Forte.
Em outra frente, a um ano das eleições municipais, o Congresso articula para elevar o montante que bancará as campanhas do ano que vem a um patamar recorde. Na quarta-feira, a Comissão Mista de Orçamento (CMO) aprovou uma proposta que possibilita aos partidos gastarem até R$ 5 bilhões nas campanhas de candidatos a vereador e prefeito no ano que vem ao cortar R$ 4,02 bilhões das emendas de bancadas estaduais para destinar ao fundo eleitoral. Esse valor se somaria aos R$ 939,3 milhões inicialmente previstos para o chamado “fundão”.
A manobra faz com que setores como a saúde e educação possam sair prejudicados, já que também recebem verbas das emendas de bancadas estaduais, mas que agora podem ir para o fundo eleitoral. Esse corte do valor das emendas de bancada pode ser temporário, já que há uma discussão, como O GLOBO revelou, sobre encontrar outra fonte para esse recurso, como a Justiça Eleitoral.
Apesar do fundo inflado ser um pleito de dirigentes partidários, inclusive da presidente do PT, deputada Gleisi Hoffman (PR), caso esse valor saia de fato das emendas de bancadas, poderá aumentar a pressão do Congresso por outras fatias do Orçamento e reduzir a verba que iria para investimentos.
Na semana passada, o fundo eleitoral foi um dos temas da conversa entre Lula e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O senador tem defendido a manutenção do fundo em um patamar de R$ 2,9 bilhões, como foi o montante nas últimas eleições municipais. Há setores do Congresso que defendem este valor reajustado pela inflação do período, o que levaria o volume para cerca de R$ 6 bilhões.
Neste cenário de novos desafios no Congresso e com projetos que podem aumentar a arrecadação do governo tramitando (taxação dos super-ricos, mudanças na subvenção do ICMS) e apostas esportivas), o governo tenta também realinhar sua articulação, especialmente no Senado, que tem imposto mais dificuldades.
Marcação cerrada
O governo pretende intensificar o movimento de aproximação das bancadas e fazer uma marcação “senador a senador”, segundo interlocutores do Executivo. Lula já reconheceu essa necessidade após a derrota do seu indicado à Defensoria Pública da União, Igor Roque, e deu início à nova estratégia ao convocar uma reunião com lideranças da base, às vésperas da votação da reforma.
O esforço mostrou resultado, mesmo com a ofensiva do ex-presidente Jair Bolsonaro de barrar o projeto.
Apesar da margem apertada, de apenas quatro votos a mais do que o mínimo necessário, o governo chegou a angariar apoio na oposição, como o do senador Ciro Nogueira (PP-PI), ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro. Governistas comemoraram também o resultado no Podemos, que não está na base: quatro dos sete votos do partido foram favoráveis.
Para membros do governo, há margem ainda para aumentar o apoio em outros flancos também. PP e Republicanos, que ocupam um ministério cada, entregaram apenas dois de dez votos, por exemplo.