Nas últimas três décadas, alguns produtos, como o navegador da Netscape, o mecanismo de buscas do Google e o iPhone da Apple, realmente viraram a indústria de tecnologia de cabeça para baixo e fizeram o que veio antes deles parecerem dinossauros pesados.
Algumas semanas atrás, um chatbot (software capaz de “conversar” com seres humanos) experimental chamado ChatGPT fez questão de ser o próximo grande disruptor do setor. Ele pode fornecer informações em frases simples e claras, em vez de apenas uma lista de links da internet. Ele pode explicar conceitos de maneiras que as pessoas possam entender facilmente. Ele pode até gerar ideias do zero, incluindo estratégias de negócios, sugestões de presentes de Natal, tópicos de blog e planos de férias.
Embora o ChatGPT ainda tenha muito espaço para melhorias, seu lançamento levou a administração do Google a declarar um “código vermelho”. Para o Google, isso foi como acionar o alarme de incêndio. Alguns temem que a empresa esteja chegando a um momento que as maiores empresas do Vale do Silício temem – a chegada de uma enorme mudança tecnológica que pode virar o negócio de cabeça para baixo.
Por mais de 20 anos, o mecanismo de busca Google serviu como o principal portal mundial para a internet. Mas, com um novo tipo de tecnologia de chatbot pronta para reinventar ou mesmo substituir os mecanismos de busca tradicionais, o Google pode enfrentar a primeira ameaça séria ao seu principal negócio de busca. Um executivo do Google descreveu os esforços como decisivos para o futuro do Google.
Competição
O ChatGPT foi lançado por um laboratório de pesquisa agressivo chamado OpenAI, e o Google está entre as muitas outras empresas, laboratórios e pesquisadores que ajudaram a construir essa tecnologia. Mas os especialistas acreditam que o gigante da tecnologia pode ter dificuldades para competir com as empresas menores e mais novas que desenvolvem esses chatbots, por conta das muitas maneiras pelas quais essa tecnologia pode prejudicar seus negócios.
O Google passou vários anos trabalhando em chatbots e, como outras grandes empresas de tecnologia, buscou agressivamente a tecnologia de inteligência artificial. O Google já construiu um chatbot que pode rivalizar com o ChatGPT. Na verdade, a tecnologia central do chatbot da OpenAI foi desenvolvida por pesquisadores do Google.
Chamado de LaMDA, ou Language Model for Dialogue Applications, o chatbot do Google recebeu enorme atenção no verão, quando um engenheiro do Google, Blake Lemoine, afirmou que era senciente. Isso não era verdade, mas a tecnologia mostrou o quanto a tecnologia chatbot melhorou nos últimos meses.
No entanto, o Google pode estar relutante em implantar essa nova tecnologia como substituta da pesquisa online porque ela não é adequada para a exibição de anúncios digitais, que responderam por mais de 80% da receita da empresa no ano passado.
“Nenhuma empresa é invencível; todas são vulneráveis”, disse Margaret O’Mara, professora da Universidade de Washington especializada na história do Vale do Silício. “Para empresas que se tornaram extraordinariamente bem-sucedidas fazendo uma coisa que define o mercado, é difícil ter um segundo ato com algo totalmente diferente.”
Como esses novos chatbots aprendem suas habilidades analisando grandes quantidades de dados postados na internet, eles têm uma forma de misturar ficção com fato. Eles fornecem informações que podem ser preconceituosas contra mulheres e pessoas não brancas. Eles podem gerar linguagem tóxica, incluindo discurso de ódio.
Tudo isso pode virar as pessoas contra o Google e prejudicar a marca corporativa que ele passou décadas construindo. Como a OpenAI mostrou, as empresas mais novas podem estar mais dispostas a arriscar reclamações em troca de crescimento.
Canibalização
Mesmo que o Google aperfeiçoe os chatbots, ele deve enfrentar outro problema: essa tecnologia canibaliza os lucrativos anúncios de busca da empresa? Se um chatbot está respondendo a perguntas com frases curtas, há menos motivos para as pessoas clicarem em links de publicidade.
“O Google tem um problema de modelo de negócios”, disse Amr Awadallah, que trabalhou para o Yahoo e Google e agora dirige a Vectara, uma startup que está desenvolvendo tecnologia semelhante. “Se o Google lhe der a resposta perfeita para cada consulta, você não clicará em nenhum anúncio.”
Sundar Pichai, CEO do Google, esteve envolvido em uma série de reuniões para definir a estratégia de IA do Google e atuou no trabalho de vários grupos dentro da empresa para responder à ameaça que o ChatGPT representa, de acordo com um memorando e um áudio obtidos pelo The New York Times. Os funcionários também foram encarregados de criar produtos de IA que podem criar obras de arte e outras imagens, como a tecnologia DALL-E da OpenAI, usada por mais de 3 milhões de pessoas.
De agora até uma grande conferência que deve ser realizada pelo Google em maio, as equipes de pesquisa, confiança e segurança do Google e outros departamentos foram realocadas para ajudar a desenvolver e lançar novos protótipos e produtos de IA.
À medida que a tecnologia avança, acreditam os especialistas do setor, o Google deve decidir se vai reformular seu mecanismo de busca e transformar um chatbot completo em seu principal serviço.
O Google reluta em compartilhar sua tecnologia amplamente porque, como o ChatGPT e sistemas semelhantes, pode gerar informações falsas, tóxicas e preconceituosas. O LaMDA está disponível apenas para um número limitado de pessoas por meio de um aplicativo experimental, o AI Test Kitchen.
O Google vê isso como uma luta para implantar sua IA avançada sem prejudicar os usuários ou a sociedade, de acordo com um memorando visto pelo Times. Em uma reunião recente, um gerente reconheceu que as empresas menores têm menos preocupações sobre o lançamento dessas ferramentas, mas disse que o Google precisa entrar na briga ou a indústria pode seguir em frente sem ele, de acordo com uma gravação de áudio da reunião também obtida pelo Times.
Outras empresas têm um problema semelhante. Cinco anos atrás, a Microsoft lançou um chatbot chamado Tay, que vomitava linguagem racista, xenófoba e obscena, e foi forçado a removê-lo imediatamente da internet – para nunca mais voltar. Nas últimas semanas, a Meta derrubou um novo chatbot pelos mesmos motivos.
Executivos disseram na reunião gravada que o Google pretendia lançar a tecnologia que impulsionou seu chatbot como um serviço de computação em nuvem para empresas externas e que poderia incorporar a tecnologia em tarefas simples de suporte ao cliente. Ele manterá seus padrões de confiança e segurança para produtos oficiais, mas também lançará protótipos que não atendem a esses padrões.
Ele pode limitar esses protótipos a 500 mil usuários e avisá-los de que a tecnologia pode produzir declarações falsas ou ofensivas. Desde seu lançamento no último dia de novembro, o ChatGPT – que pode produzir material tóxico semelhante – foi usado por mais de 1 milhão de pessoas.
“Uma amostra bacana de um sistema de conversação com o qual as pessoas podem interagir em algumas rodadas e que parece alucinante? Esse é um bom passo, mas não é o que realmente transformará a sociedade”, disse Zoubin Ghahramani, que supervisiona o laboratório de inteligência artificial Google Brain, em entrevista ao Times no mês passado, antes do lançamento do ChatGPT. “Não é algo que as pessoas possam usar de forma confiável no dia a dia.”
Busca
O Google já está trabalhando para aprimorar seu mecanismo de busca usando a mesma tecnologia que sustenta chatbots como o LaMDA e o ChatGPT. A tecnologia – um “grande modelo de linguagem” – não é apenas uma maneira de as máquinas manterem uma conversa.
Hoje, essa tecnologia ajuda o mecanismo de busca do Google a destacar resultados que visam a responder diretamente a uma pergunta que você fez. No passado, se você digitasse “Os esteticistas ficam muito em pé no trabalho?” no Google, ele não entendia o que você estava perguntando. Agora, o Google responde corretamente com uma breve sinopse descrevendo as demandas físicas da vida no setor de cuidados com a pele.
Muitos especialistas acreditam que o Google continuará a adotar essa abordagem, melhorando gradualmente seu mecanismo de busca em vez de reformulá-lo. “A pesquisa Google é bastante conservadora”, disse Margaret Mitchell, que foi pesquisadora de IA na Microsoft e no Google, onde ajudou a iniciar sua equipe de IA ética, e agora está no laboratório de pesquisa Hugging Face. “Tenta não atrapalhar um sistema que funciona.”
Outras empresas, incluindo a Vectara e um mecanismo de busca chamado Neeva, estão trabalhando para aprimorar a tecnologia de busca de maneiras semelhantes. Mas, à medida que a OpenAI e outras empresas melhoram seus chatbots – trabalhando para resolver problemas como toxicidade e preconceito –, isso pode se tornar um substituto viável para os mecanismos de busca atuais. Quem chegar primeiro pode ser o vencedor.
“No ano passado, fiquei desanimado por ser tão difícil desalojar o controle de ferro do Google”, disse Sridhar Ramaswamy, que anteriormente supervisionava a publicidade do Google, incluindo anúncios de busca, e agora dirige a Neeva. “Mas momentos tecnológicos como este criam uma oportunidade para mais competição.”