A BYD parece estar disposta a mudar radicalmente aquilo que entendemos ser possível e impossível em carros. A fabricante revelou sua mais nova arquitetura para carros híbridos e elétricos, chamada Xuanji, que promete avanços em sistemas de segurança, comunicação e conveniência a um nível sem precedentes, conforme reportagem de Henrique Rodriguez, da revista Quatro Rodas, direto de Shenzhen (China).
A nova arquitetura prevê, por exemplo, que os carros da BYD possam ler a mão do proprietário (biometria, não quiromancia) para serem destrancados, que o assistente de estacionamento automático faça o carro girar em seu próprio eixo e tornaria possível até mesmo dispensar freios mecânicos e a coluna de direção conectando o volante às rodas.
A Xuanji (cuja tradução literal é “imediatamente”) prevê que todas as suas funções sejam controladas por um superprocessador, removível e que pode ser de 6 ou 4 nm e que foram desenvolvidos pela própria BYD. Cabe a eles integrar funções de inteligência artificial do próprio carro com a nuvem, por meio de um modem 5G embarcado – também á comunicação entre carros (IoV) e satélite.
Outro pilar importante envolve a integração entre sensores (inclusos até três LiDARs e câmeras de 800W), base de dados, unidades de controle e componentes mecânicos, de forma a fazer todos os sistemas mais avançados do carro serem mais rápidos e precisos.
Entre as funções está a possibilidade de comandos por voz por meio de uma conversa contínua e natural com o carro, com respostas em 300 ms, e a promessa de reação dos sistemas de segurança em 10 ms, com 5 cm de precisão. Os carros têm quatro zonas de comando independentes e até reconhecem dialetos, e pode avisar por voz que o semáforo ficou verde.
Mas algumas funções são mais palpáveis e impressionantes. Os carros baseados na Xuanji têm assistente de estacionamento automático que pode fazer o carro girar em seu próprio eixo para caber em uma vaga. Também pode assumir a direção para passar em locais estreitos (apenas 10 cm mais largos que o carro) ou inverter seu sentido em locais apertados, apenas 60 cm maiores que o comprimento do veículo.
Essas são algumas das demonstrações feitas pela BYD em um espaço montado na sua própria sede, em Shenzhen, para que seus clientes possam conhecer melhor estes sistemas nas próximas semanas.
A Xuanji é apresentada com três níveis de complexidade. Os sistemas mais avançados, como o que permite girar no próprio eixo ou deslocar lateralmente um dos eixos, depende do sistema de tração E4, presente apenas nos Yangwang U8 e U9, modelos da marca de luxo da BYD. Eles usam pelo menos quatro motores elétricos de 800V e, no caso do SUV, ainda existe um motor 2.0 turbo a gasolina só para gerar energia.
O BYD U8, inclusive, estará no Brasil em meados de 2024 para demonstrações e tem chance de ser vendido no país. Na Chima, custa entre R$ 750.000 e R$ 1 milhão na conversão direta.
Adeus aos freios!
Ver um SUV de 3,5 toneladas girando no próprio eixo e lixando o pneu no asfalto impressiona, mas ver um carro fazendo provas de slalom e frenagem sem ter sistema de freio e sem coluna de direção é, no mínimo, chocante.
É o que demonstram com o carro-conceito E4. É um BYD U8 com duas portas, sem o motor a combustão e com toda a sua estrutura exposta. Tudo para deixar visível que não há discos de freio, pinças, servofreio ou atuadores elétricos, tampouco a coluna de direção.
A intenção é demonstrar o nível de precisão dos sistemas eletrônicos. A frenagem fica a cargo dos motores elétricos, que garantem uma força de frenagem de até 1G enquanto regeneram a energia, permitindo uma frenagem de 60 a 0 km/h em até 20m, com precisão até 300x maior do que em sistemas normais.
Quanto a direção sem conexão mecânica, o SUV garante os 12m de diâmetro de giro, pode cumprir um slalom de 18m a até 60 km/h e promete um desvio máximo de 3% entre o volante e o esterçamento das rodas. A intenção não é eliminar os sistemas mecânicos. Ainda. A ideia é mostrar que esses sistemas já são redundantes e, em breve, poderão sim ser totalmente eliminados.
Sistema autônomo que dá fechada
Em um patamar abaixo estão os carros da Denza, também de luxo mas voltados aos sistemas autônomos avançados. Seu maior destaque é a condução 100% autônoma NOA. Desde de que o local seja mapeado, pode antever comportamentos de outros carros, controlar freio e suspensão, reconhecer cones, obras e até a faixa de rolagem mais adequada.
Em uma demonstração de 20 km e 45 minutos nos arredores de Shenzhen, o Denza N7 foi capaz de lidar com situações tão críticas quanto motos cruzando a pista pela faixa de pedestres (o que aparenta ser normal na cidade) ou o acesso a vias por meio de um cruzamento sem sinais, ainda que seja um pouco mais lento nessas situações para fazer tudo com segurança.
Outro momento importante foi desviando de um guindaste, que entrava em uma obra. O sistema autônomo “fechou” o carro que vinha atrás e não daria passagem para desviar de um caminhão. Fez tudo de caso pensado e com segurança, conforme ressaltou o engenheiro da BYD. O sistema NOA não aparentou ter ficado ofendido com o xingamento do outro carro.
Uma atitude curiosa foi reconhecer dois pedestres atravessando fora da faixa e parar na frente deles: eles quase atropelaram o carro.
Sistemas necessários até a página 2
Nem tudo que a arquitetura Xuanji viabiliza está vinculado à segurança e comodidade dos motoristas e passageiros dos carros da BYD. Também existe uma grande preocupação com o entretenimento de todos.
Começa pela pelas telas. Os Yangwang e Denza têm até uma central dedicada ao carona, podendo receber duas telas de 15,6″ para os ocupantes de trás. Já os BYD da série Dinasty (Han, Tan, Yuan e Song, por exemplo) continuarão com a tela central giratória. Uma novidade, porém, é o nível de customização e intercomunicação entre elas.
Na verdade, é possível interligar carros: amigos com carros da BYD podem compartilhar um link entre si para os carros reproduzirem uma mesma playlist, por exemplo. Também existe preparação para caixas de som bluetooth a bordo, integradas ao sistema do carro.
A função karaokê, valorizada pelo consumidor chinês, passa a ter seis modos de utilização, mais adequado a cada tipo de utilização do carro. É possível até conectar microfones sem fio ao veículo.
Mas os recursos mais extremos são dois: poder utilizar o carro como um cockpit e o carro ter seu próprio drone. E ambos os sistemas dependem de modificações importantes nos sistemas do carro.
Para o volante ser usado para controlar jogos de corrida, por exemplo, instalaram um sistema que desacopla a coluna de direção logo no início, antes do motor da direção elétrica. Assim o volante fica livre para ser utilizado como um joystick.
Por meio de uma parceria com a DJi, fabricante de drones também estabelecida em Shenzhen, a BYD prevê um verdadeiro hangar para drone no teto dos seus carros. A intenção é tanto usar o drone para ver o percurso à frente quanto gerar conteúdo de uma viagem, acompanhando o carro automaticamente.
O sistema foi demonstrado com um acessório grande colocado sobre o rack. A operação é toda feita pela central multimídia, que exibe a câmera do hangar e mostra seu teto se abrindo, a plataforma subindo e as travas que seguram o equipamento se soltando. O drone pode decolar e retornar ao veículo de maneira autônoma e até a troca da bateria dele é automatizada. Mas este é um recurso que dependeria da aprovação da legislação de cada país para ser, de fato, colocado à venda.
Tudo, na verdade, é apresentado de uma forma mais atraente e, talvez, até lúdica. Mas toda a integração feita com o uso de sensores, sistemas mecânicos e internet surpreendem. E, antes de mais nada, esses sistemas mostram que o impossível é algo muito relativo.