A nota dos comandantes das Forças Armadas, publicado pelo Estadão nesta última sexta-feira (11) foi dirigida especialmente a integrantes da cúpula do Judiciário e do Legislativo, com intuito de alertar para a dimensão dos protestos que se avolumaram nas portas de quartéis de todo o País desde a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O objetivo é chamar atenção dos demais poderes à responsabilidade para pacificar o ambiente.
Embora tenha sido divulgada doze dias depois da eleição, a nota dos comandantes começou a ser articulada em conversas reservadas entre eles nos últimos dias e ganhou corpo na quarta-feira, dia 9. Somente os comandantes-gerais e assessores próximos discutiram o teor. Naquele momento, o presidente eleito ainda não havia sugerido que os militantes de direita insatisfeitos com sua vitória voltassem para casa pacificamente, tampouco que o presidente Jair Bolsonaro humilhara as Forças Armadas. Não foi, portanto, uma reação a Lula.
Segundo militares, o tom dos comandantes mostrou preocupação de não causar “perturbação” num cenário político que consideram “sensível”. Eles queriam evitar a interpretação de que pretendiam tutelar o Congresso ou o Supremo Tribunal Federal. O temor dos comandantes passou a ser com a segurança, pois avaliaram que o embate político que se instaurou no País poderia desaguar em conflito nas ruas, com mortos e feridos. Os comandantes quiseram, então, alertar os atores políticos diante dessa preocupação com violência.
Segundo um general, alguém tem que conversar com as pessoas que estão acampadas e não são as Forças Armadas. Esse oficial lembra que os manifestantes têm representantes políticos e estão reclamando no lugar errado.
A coordenação de movimentos articulados de viés golpista está sob investigação no Ministério Público. Os acampados defendem intervenção militar inconformados com a derrota de Jair Bolsonaro para o petista Lula. A possibilidade de protestos após a proclamação do resultado estava mapeada por análises de inteligência e cenário militar desde a campanha eleitoral, no Ministério da Defesa. Generais ponderam, no entanto, que não há ainda informações dando conta de iminente confronto violento.
Generais da ativa e da reserva, influentes na caserna, dizem ser uma generalização indevida tachar todos os manifestantes de antidemocráticos ou golpistas. Eles reconhecem que há grupos extremistas que cobram intervenção militar – e afirmam que o movimento não tem respaldo da cúpula militar. Mas alegam que há também pessoas comuns com demandas legítimas que deveriam ser explicadas pelas autoridades. Eles dizem que parcela significativa da sociedade, insatisfeita com a derrota, considera as eleições um processo viciado e ficou sem ter a quem recorrer. Afirmam que parte dos que protestam tem severas críticas à atuação do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes.
Para demarcar terreno e se distanciar de questionamentos eleitorais, os comandantes decidiram aguardar a divulgação do relatório final de fiscalização das eleições elaborado pelo Ministério da Defesa. O conteúdo foi divulgado na quarta-feira, logo após as 18h. A manifestação técnica teve respaldo das Forças, tendo sido elaborada por oficiais especializados cedidos por Exército, Marinha e Aeronáutica. Mas o ofício do ministro Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira e, sobretudo, a nota de esclarecimento que a Defesa divulgou depois citando que não identificou nem eximiu o sistema eleitoral de fraude, motivaram críticas reservadas na caserna.
Já a nota das três Forças não avançou no tema das eleições e do sistema de urnas eletrônicas porque os comandantes consideram que o processo eleitoral e a transição de governo estão dentro da “normalidade”. Um general da ativa ressaltou que não se ouviu nenhuma manifestação do comandante ou de integrantes do Alto Comando do Exército sobre o processo eleitoral. Dois quatro-estrelas ouvidos nas últimas semanas disseram que o comandante do Exército, general Freire Gomes, orientou o silêncio.
Na tarde de quinta-feira, dia 10, Freire Gomes reuniu todo o generalato da Força. O encontro presencial e virtual ocorreu em Brasília, no Quartel General, onde parte deles estava para atividades de rotina. Na ocasião, comunicou aos comandados que publicaria a nota conjunta nesta sexta-feira.
A respeito dos protestos, transmitiu duas ordens: os manifestantes insatisfeitos não deveriam ser reprimidos, nem insuflados. Havia uma preocupação no Comando do Exército com eventuais interações com manifestantes de oficiais que comandam unidades militares espalhadas pelo País e também com uma ordem para que não fossem retirados pela força. O perímetro de segurança próximo às sedes militares é de responsabilidade de cada força.
Oficiais disseram ser provável que tanto o presidente Jair Bolsonaro quanto o ministro Paulo Sérgio tenham sido previamente avisados da publicação. Eles negam, porém, que o texto tenha sido submetido a ambos. Um general disse que os atores políticos do Executivo não tiveram relação com a nota. Questionados pela reportagem se os comandantes pediram e receberam aval de Bolsonaro e do ministro da Defesa, nenhuma das Forças Armadas respondeu.
Nem todos os oficiais-generais tiveram acesso ao texto antes. Depois do Estadão, a primeira força a divulgar a íntegra foi o Exército Brasileiro. A publicação foi replicada pela Marinha e pela Aeronáutica, nas redes sociais, bem como pelo Ministério da Defesa. O site do Exército chegou a sofrer instabilidade por causa do excesso de acessos.
Para militares, os comandantes estavam também sob pressão popular, vinda de integrantes da reserva e da “família militar” – o sentimento majoritário entre eles é de endosso e até participação ativa nas manifestações. Até militares da ativa, que não podem por força de lei se engajar em atividades políticas, foram flagrados em atos.