Indicado para comandar o Ministério da Fazenda, Fernando Haddad já é considerado como sucessor natural de Lula dentro do PT, mas não teve vida fácil até alcançar esse status. O presidente eleito nunca fez questão de fortalecer novos líderes dentro do partido e na esquerda de uma forma geral. Além disso, a própria engrenagem petista sempre viu com certa desconfiança Haddad, chamado de acadêmico com cara de tucano. Apesar desses obstáculos, ele cresceu aos olhos do chefe, que fez dele prefeito de São Paulo em 2012, candidato-tampão a presidente da República em 2018 e comandante da futura equipe econômica. A escolha para o posto é um reconhecimento aos serviços prestados no passado e à contribuição decisiva que ele deu para a vitória de Lula em 2022. Haddad obteve a maior votação de um candidato petista na disputa pelo governo de São Paulo, impedindo que Jair Bolsonaro abrisse uma margem de votos no maior colégio eleitoral do país capaz de lhe garantir a reeleição.
Em termos eleitorais, o desafio de Haddad, que já foi tachado de forma pejorativa de “poste de Lula”, é mostrar que tem luz própria à frente da Fazenda. Até aqui, seja por afinidade de pensamento ou por lealdade, ele tem seguido à risca as ordens do chefe. Na última terça-feira, 13, deixou clara a relação de obediência ao admitir que os nomes dos comandantes dos bancos públicos serão definidos por Lula. “O sonho do Haddad é ser presidente. O problema é que ele gosta mais de pensar, escrever, materializar coisas, do que de se jogar nos braços do povo”, diz um amigo do futuro ministro. O hábitat de Dilma Rousseff também era o gabinete — ou as conversas em ambientes controlados. Mesmo assim, após se destacar aos olhos de Lula na Casa Civil, ela foi escolhida para disputar a corrida presidencial em 2010, apesar de petistas estrelados terem feito de tudo para que isso não acontecesse. Prevaleceu na ocasião, como provavelmente prevalecerá em 2026, a palavra de Lula.
Responsável pela coordenação do governo, a Casa Civil será chefiada por outro cotado para concorrer ao Planalto, o ex-governador da Bahia Rui Costa. Em 2019, ele disse em entrevista a VEJA que, como Lula estava preso, cogitava disputar a Presidência. O plano foi deixado de lado depois de o Supremo Tribunal Federal anular as condenações e devolver os direitos políticos a Lula, que agora escalou Costa para um dos postos de maior prestígio na Esplanada. O ex-governador tem fama de gestor competente e tocador de obras, as mesmas qualidades que Lula destacava em Dilma. Hoje, ele corre por fora, exatamente como ela correu até ser escolhida pelo presidente. Até o fechamento desta edição, Lula só tinha anunciado seis ministros — além de Haddad e Costa, José Múcio Monteiro Filho (Defesa), Flávio Dino (Justiça e Segurança Pública), Mauro Vieira (Relações Exteriores) e Margareth Menezes (Cultura). Todos são de sua cota pessoal. A próxima leva contemplará os partidos que farão parte da base governista.
Se Lula realmente cumprir o que prometeu, é dado como certo um convite à senadora Simone Tebet. Terceira colocada na corrida presidencial deste ano, Simone apoiou Lula no segundo turno. Crítica dos escândalos de corrupção na gestões petistas, ela alegou que Bolsonaro precisava ser derrotado por representar uma ameaça à democracia. Seu posicionamento será recompensado com um ministério. O MDB, partido de Simone, sonha com a pasta que cuida do Bolsa Família, que daria visibilidade nacional à senadora e fortaleceria seu projeto de disputar o Planalto em 2026. Hegemônicos por natureza e cientes do que está em jogo, petistas fazem pressão para que Lula não dê à aliada tamanho poder. Esse é um dos principais nós a ser desatados na composição do ministério. Outro, quase tão complicado, é decidir o papel da ex-ministra Marina Silva, cotada para voltar ao Ministério do Meio Ambiente.
A história recente mostra que um bom desempenho à frente de uma pasta com capilaridade e visibilidade pode ajudar um ministro a sonhar com voos mais altos na política (veja abaixo). Fernando Henrique Cardoso, derrotado na disputa para a prefeitura de São Paulo na década de 80, conquistou a Presidência, em 1994, depois de uma curta mas exitosa passagem pelo cargo de ministro da Fazenda, quando deu início ao processo de implantação do Plano Real. Dilma Rousseff é outro exemplo. Sem nunca ter disputado uma vaga sequer para vereadora, ela chegou ao Planalto pelas mãos de Lula. Nos próximos quatro anos, Fernando Haddad, Rui Costa, Simone Tebet e ministros de outras siglas terão a chance de se consolidar no cenário nacional e, quem sabe, pleitear uma candidatura presidencial. Até Alckmin, que estava praticamente aposentado da política, não pode ser considerado carta fora do baralho, principalmente se não for um vice meramente decorativo. Até 2026, tudo pode acontecer — inclusive Lula, com 81 anos, rever o preconceito sobre sua idade avançada.
TRAMPOLIM PARA O PLANALTO
A história recente mostra que um bom desempenho à frente de uma pasta com visibilidade pode credenciar o ministro a voos mais altos
Fernando Henrique Cardoso
Nomeado em 1993 pelo então presidente Itamar Franco para comandar o Ministério da Fazenda, FHC deu início ao processo de implantação do Plano Real, que domou a hiperinflação daquele tempo. No ano seguinte, elegeu-se presidente da República, cargo para o qual foi reeleito em 1998
Dilma Rousseff
Escolhida por Lula para comandar primeiro o Ministério de Minas e Energia e depois a Casa Civil, tornou-se a “gerentona” da máquina e a coordenadora do principal programa do segundo mandato do petista, o PAC. Acabou ungida à condição de candidata do PT nas eleições presidenciais de 2010 e 2014
José Serra
Considerado um sucessor natural de Fernando Henrique Cardoso dentro do PSDB, Serra foi indicado em 1998 para o cargo de ministro da Saúde, um dos mais cobiçados na época, como parte da estratégia de fortalecê-lo para a disputa presidencial que ocorreria quatro anos depois. Ele perdeu no segundo turno para Lula
Ciro Gomes
Ex-governador do Ceará, ganhou projeção nacional graças à sua atuação como deputado federal e principalmente como ministro da Fazenda, na fase final do governo Itamar Franco, e da Integração Nacional, na gestão Lula. Já concorreu quatro vezes à Presidência da República. Apesar de boas votações, jamais chegou ao segundo turno
Publicado em VEJA de 21 de dezembro de 2022, edição nº 2820