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sexta-feira 20 de novembro de 2020 às 07:24h

“No governo, se você discorda, vira inimigo número um”, diz Rosangela Moro

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Sete meses depois de Sergio Moro deixar o comando do Ministério da Justiça e se ver transformado em inimigo declarado do governo Bolsonaro, Rosangela Wolff Moro, casada há 21 anos com o ex-juiz da Lava-Jato, mostra as cartas sobre o que viveu nos bastidores do poder de Brasília.

Às vésperas de lançar o livro “Os dias mais intensos – Uma história pessoal de Sergio Moro” (R$ 44,90) pela Editora Planeta, que relata a sua vida ao lado de Moro, marcada pela maior investigação de combate à corrupção do país e a ascensão do marido à Esplanada dos Ministérios, Rosangela falou ao jornal O Globo. A advogada de Curitiba não esconde sua frustração com o governo de Jair Messias Bolsonaro. “Acreditávamos que seriam novos tempos.”

Rosangela conta que, em 2002, foi uma eleitora de Lula, que chegou a torcer para o marido sair da Lava-Jato e que sofreu mais com a “fritura” de Moro em Brasília, do que com os ataques em seus tempos de juiz. “Entra nessa conta a decepção com o governo. Acreditei que tinha um time de peso, trabalhando junto. Quando você vê a fritura, claro que isso desagrada.” Alinhada com o discurso pronto do marido, Rosangela diz que 2022 não está no radar. Abaixo, a entrevista:

No livro, a senhora relata que apoiou Moro a abandonar a magistratura para se tornar ministro de Bolsonaro. O que a levou a incentivar seu marido a dar esse passo?

Não considero que foi um incentivo. Sergio é determinado, estudioso, workaholic. Naquele momento, quando ele aceitou o convite, Bolsonaro tinha um projeto para o Brasil, para a justiça e para a segurança pública, que eram convergentes com projetos que Sergio poderia implementar, se ocupasse o Ministério da Justiça. Mesmo sabendo que receberia críticas, ele aceitou o convite, porque viu a possibilidade de sedimentar alguns avanços da Lava-Jato. Ponderamos juntos, ele sabia que era um caminho sem volta, e me perguntou: “você me apoia?” Respondi: “É claro”.

A senhora relata que tinha esperança no fim da tal velha política. O que a fez acreditar que Bolsonaro, deputado por 27 anos, mais conhecido por polêmicas sobre ditadura e falas preconceituosas do que por projetos, seria diferente?

Ninguém desconhecia essas falas mais acentuadas do candidato, mas, com ele sentado na cadeira de estadista, dividindo as responsabilidades com o corpo técnico de ministros e os próprios generais, acreditávamos que seriam novos tempos. Temos que voltar para 2018. Era o que tínhamos. Havia um candidato que o partido estava umbilicalmente ligado a um grande esquema de corrupção e um ‘outsider’ que vendia a bandeira do ‘chega da velha política e do toma lá, dá cá’. Isso se perdeu.

Mas havia outros nomes, como Marina Silva, Geraldo Alckmin, Ciro Gomes. 

No segundo turno, aquelas eram as opções. Era não votar ou fazer a escolha por um dos candidatos.

E no primeiro turno, em quem a senhora votou?

Essa eu pulo.

Se sente enganada por Bolsonaro?

Como cidadã, eu vejo que ele se afastou da pauta da campanha eleitoral. Vejo que grande parte dos cidadãos percebe isso.

No livro, a senhora relata que já votou em Lula, em 2002. O que a motivou a votar em um líder petista?

Sabe aquela frase, ‘brasileiro tem memória curta?’. Eu não saberia te dizer porque votei no Lula. Comecei a prestar mais atenção em política, em direitos do cidadão, em 2009, quando me envolvi com organizações da sociedade civil. Fiquei uma pessoa mais interessada e mais atenta aos projetos e ao cenário político.

Se arrepende de ter votado em Lula e em Bolsonaro?

A gente não tem que tratar o passado com arrependimento, tudo é uma questão de aprendizado.

A senhora relata ter sofrido mais com a fritura do Moro no governo Bolsonaro, do que com os ataques na época da Lava-Jato. Por quê?

Entra nessa conta a decepção com o governo. Sei que Moro, como juiz da Lava-Jato, era amado por uns e odiado por outros. Quando ele vai para o governo, acreditei que tinha um time de peso, trabalhando junto, buscando o resultado. Quando você vê a fritura, a colocação de uma frase desrespeitosa, tem um sentimento menos de cidadã e mais de esposa. Claro que isso desagrada.

Tem um episódio em que a senhora faz um post, dizendo que, entre ciência e achismos, ficava com a ciência. O ministro pediu para apagá-lo.

Nesse governo, todo mundo já percebeu que não se pode discordar, ainda que tecnicamente, o que é saudável. Se você discorda, acaba sendo visto como inimigo número um. A saúde, para mim, é uma coisa muito cara. Eu me assustei muito com a Covid-19, não acho normal 1.400 pessoas morrerem em um único dia. Não dá para achar isso normal.

Mas a senhora apagou a publicação.

Eu e Moro tivemos uma discussão naquele momento. Eu tenho o direito de me se manifestar. Por outro lado, existia a possibilidade daquilo ser interpretado como uma fala do próprio ministro, que fazia parte de um governo que ninguém podia discordar. Quando fiz aquele post, foi como uma cidadã. Eu me sentia segura e feliz em ver, no meio de uma pandemia, o Brasil ter um ministro da Saúde (Luiz Henrique Mandetta) efetivamente da área de saúde. Sergio me pediu para apagar, porque a situação causou um desconforto no Planalto.

A senhora conta que, em agosto de 2019, desistiu de se mudar com a família para Brasília, porque sentiu que Moro era “fritado” pelo governo.

A fritura fez o plano ser abortado. Seriam dois trabalhos, ir e voltar. Senti que era uma questão de tempo. Duas pessoas do convívio pessoal dele (Bolsonaro) já tinham ido para a guilhotina. Não tinha a menor dúvida de que, quando chegasse a hora, Moro também iria. Eu falei, vou focar na minha família, no nosso bem-estar, porque é muito transtorno.

Em fevereiro, a senhora falou que via Moro e Bolsonaro como “uma coisa só”, mesmo com essa fritura em curso. Queria apaziguar os ânimos?

Me expressei mal naquela ocasião. O que quis dizer é que a gente via o Planalto como um time, com Moro e Bolsonaro e os outros ministros. No começo do governo eu disse “agora vai”. Infelizmente, isso se perdeu.

Vê Moro como candidato a presidente em 2022?

O nosso radar hoje não vai até 2022, está em um período mais curto, focado em nossa família e Sergio se inserindo na iniciativa privada. Não há nenhuma vaidade, nenhuma pretensão nesse sentido eleitoral. Vejo que ele tem vontade de participar do debate, como de fato ele faz. Isso é uma coisa, ser candidato em 2022 é outra.

Moro sonhava ou ainda sonha em ser ministro do Supremo Tribunal Federal?

Se eu disser que ele não ficaria feliz com o cargo de ministro do Supremo… É claro que ficaria. Agora, ele entrou no governo pensando na vaga de ministro da corte? Não. O STF, para quem é da magistratura, Ministério Público, advogado, é o sonho de muita gente. Não tenho dúvida que seria um excelente ministro do Supremo. Mas ele não aceitou ser ministro da Justiça pensando nisso. Ouvi ele dizer que teria quatro anos para desenvolver o projeto que gostaria. Depois, falava, “vamos ver”.

Já se imaginou como primeira-dama? 

Para isso, preciso estar casada com alguém que seja presidente da República. O fato de Sergio estar preocupado com o país, discutindo uma terceira via, não quer dizer que ele é candidato. As pessoas falam, podem até querer, mas ninguém está colocando isso agora.

Uma campanha eleitoral envolve muitos ataques. Estão prontos para isso?

Esses ataques, em relação ao Sergio e nossa família, tiveram início quando a sociedade se deu conta do que era a Lava-Jato. A operação desagradou muita gente. Pessoas que se sentiram desagradadas passaram a usar uma técnica para minar a reputação do Sergio. Foi uma chuva de ataques. Tivemos que aprender a viver com isso.

Pretende se engajar diretamente na política com Moro? 

Não tenho nenhuma pretensão envolvendo política partidária, nem sou filiada a nenhum partido. Para participar do debate de estudos, redações técnicas, conte comigo, faço isso todo dia. Agora, entrar em política partidária, cargo eletivo, isso não.

A senhora recebeu dois convites para ocupar cargos no governo. Quem fez esses convites e qual era a intenção?

Um veio do Ministério da Mulher. Eu conheci a ministra Damares Alves por causa da minha atuação como advogada de associações voltadas para pessoas com deficiências e com doenças raras. O convite era para um cargo na pasta que tinha como foco o combate à violência contra a mulher, mas em sendo esposa de ministro, nem poderia, pois poderia configurarnepotismo. Além disso, nunca atuei nessa área. Então, a resposta foi não.

Também ofereceram um cargo na área jurídica da Funcef, onde ganharia R$ 20 mil. Por que esses convites foram feitos?

Eu não tenho essa resposta. Recebi esses convites com um grau de surpresa. Não eram cargos que eu queria, por isso não aceitei.

Pessoas próximas ao ministro afirmam que Moro tomou gosto pela política. Concorda?

O Sergio, como juiz, não precisava de interlocução com outras pessoas para desenvolver seu trabalho. Ele cumpria os atos processuais. No ministério foi diferente, precisava interagir com outras pessoas. Não acho que ele pegou gosto pela política, ele foi aprendendo no dia a dia como interagir com as outras pessoas. Sozinho, trancado no próprio gabinete, não iria implementar nada.

A senhora fala de um projeto pessoal de viverem fora do Brasil. Pensam em se mudar de país?

Ir embora do Brasil não é uma opção, jamais. Quero sim, fazer um curso, passar seis meses, um ano ou dois nos Estados Unidos, mas ir em definitivo, não. Sou brasileira, gosto daqui, quero ver esse país melhor. O que vai ser daqui para frente, teremos que manter dentro da nossa vida privada.

Já tiveram alguma crise no casamento?

Não, longe disso. O Sergio virou uma pessoa conhecida publicamente. O que acontece é que, à vezes, pensamos diferente. Nenhum tema muito polêmico, nada que não dê para chegar num consenso.

No livro, a senhora narra que muitas mulheres assediavam seu ministro. Como se sentia?

É claro que isso chateia, mas não vinha dele. Para mim, o importante é o comportamento da pessoa que me deve respeito, que é o meu marido. Temos uma relação muito legal, muito saudável.

A senhora relata um episódio que viveu com uma autoridade de Brasília, que insistia em perguntar como era lidar com um marido assediado. Sentia muito machismo nesse meio do poder?

Sim, é como se a mulher só estivesse ali só para agradar o marido. Acontece que relacionamentos de verdade são diferentes, tem cumplicidade, companheirismo. Meu marido me respeita muito. Lembro que falei para aquela pessoa: “O senhor não tem outra coisa pra me falar? É só isso que preocupa o senhor? Quantas mulheres estão dando em cima do meu marido?” Falei com o fígado mesmo. Achei aquela pessoa muito deselegante.

Havia um clima de celebridade em torno de Moro?

Isso foi uma coisa difícil e agora posso dizer. Juiz não é celebridade. Cantor é, artista é. Um juiz fica trancado no gabinete, aplicando a lei, e pronto. Foi uma situação nova.

A senhora diz que rezou para que Moro deixasse a 13a vara, da Lava-Jato. Chegou a pedir para que abandonasse a operação?

Isso nunca aconteceu. Não interfiro no trabalho dele, não pedi para Sergio ser ministro. Estou aqui, a gente conversa, avalia juntos, mas a decisão tem que ser dele. Assim como eu não gostaria que ele tomasse decisões sobre a minha profissão. Eu apoio e dou colo, mas as decisões são dele. Cada um fala por si.

Então este era apenas um desejo seu.

Eu já via o Sergio com sinais de cansaço e de esgotamento nos seus quatro anos na Lava-Jato, o volume de trabalho era muito grande, somado aos ataques. Diante disso, eu torcia para que abrisse a vaga de algum titular em Curitiba, quem sabe a gente pudesse dar um tempo, sair da berlinda e dos ataques. Talvez, quando ele chegasse no limite da exaustão, pegasse uma licença e fôssemos passar um tempo fora.

A senhora tem presença constante nas redes sociais, publica sua opinião em vários momentos. Por que optou por se posicionar?

As pessoas confundem as coisas. O que eu digo não é necessariamente o que o Sergio quer dizer e vice-versa. Além de ser casada com Moro, sou cidadã e tenho o direito de me expressar. As pessoas também tinham e têm a curiosidade de saber quem é e o que faz a esposa do Moro. Em alguns assuntos, me sinto confortável para falar, como o combate à corrupção.

No mês passado, a senhora bateu boca com um apoiador de Bolsonaro, o chamou de otário e depois saiu da rede social.

Eu exagerei e faço aqui a minha retratação, acho que o caminho não é a briga. O que fiz foi deselegante e não educado, chamando uma pessoa de otária. Só penso que é preciso apoiar projetos e não idolatrar políticos. O que eu quis dizer é que o brasileiro se sente como se fosse um otário, porque há muita corrupção, dinheiro desviado. É nesse sentido. Me causa estranheza as pessoas idolatrarem gente que não está resolvendo os problemas básicos do nosso país.

As redes sociais viraram um campo minado para a senhora?

Dei um tempo, mas depois voltei. Saí das redes para fazer um detox. Em certos momentos, elas podem ser tóxicas. Em matérias políticas, debates mais acalorados, muitas vezes, viram ofensas. Dei um tempo, por isso.

A senhora relata que chegou a ter crises de ansiedade. Como lida com isso?

Tive síndrome do pânico, ao ponto de chegar no hospital, achar que estava morrendo e ser motivo de piada com gente falando: “você tá aqui de novo?”. Quando você está vivendo tudo isso, é difícil saber que sua saúde mental está comprometida. Demorei cinco anos para entender que precisava de ajuda médica. Usei remédio, não tenho vergonha de falar, porque há um desequilíbrio químico. Fiz terapia, até que descobri o que é o meu centro. Ainda bem que passei por isso, pois foi antes da Lava-Jato. Quando a operação aconteceu, nadei de braçada nessa parte da saúde mental.

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