Na condição de presidente do G20, o Brasil elegeu a reforma dos organismos financeiros multilaterais como uma das prioridades no campo econômico. Na reunião de ministros das Finanças e presidentes dos bancos centrais do grupo nesta semana, a questão foi apresentada com destaque. As
A visão de analistas é a de que o G20 é um espaço para discutir alterações em instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, e que a maior relevância da China na economia internacional motiva as mudanças. No entanto, há um difícil equilíbrio a ser atingido para conciliar os interesses entre as principais potências.
Os organismos são frutos dos chamados acordos de Bretton Woods, realizados ao final da Segunda Guerra Mundial e que até hoje mantém uma forte predominância dos países ocidentais.
Tendo em vista o encontro desta semana, a diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, afirmou que os países membros reconheceram a importância de redefinir as quotas de contribuição para refletir as posições dos membros na economia mundial, protegendo ao mesmo tempo os países mais pobres.
Fundadores de instituições resistem
Para Otaviano Canuto, membro sênior do Policy Center for the New South e ex-vice-presidente do Banco Mundial, há um reconhecimento de que a participação dos países-membros deve ser feita para refletir mais a proporção que cada um ocupa no PIB global. No entanto, isso também “impactaria a proporção” dos votos, com um especial avanço da China, o que não é de interesse dos fundadores de tais instituições.
Sobre a relevância do grupo para estas discussões, o pesquisador de organizações internacionais da Universidade de Glasgow Bernhard Reinsberg aponta que “o G20 tornou-se o principal fórum para discutir reformas na arquitetura de desenvolvimento financeiro global”. Ele lembra que o grupo “assumiu as rédeas do G7 na sequência da crise financeira, afirmando ser um órgão de governança global mais inclusivo”.
“O G20 conta com os países que, em conjunto, representam mais de 85% da produção mundial e, portanto, podem reivindicar ser razoavelmente legítimos”, avalia. Além das principais economias do mundo, o G20 passou a integrar ainda no último ano a União Africana. As dívidas de países do continente são justamente uma das principais questões discutidas quando o tema são os organismos multilaterais.
Canuto lembra que “há uma pressão no G20 para renegociação de dívidas de forma comum, incluindo a China e os países desenvolvidos”. Em resposta à pandemia, o grupo criou um plano coordenado para o alívio da dívida dos países mais pobres denominado Quadro Comum (Common Framework). No entanto, a iniciativa vem sofrendo com dificuldades para agir de maneira conjunta e credores, especialmente a China, muitas vezes negociando de maneira individual.
Sobre a postura do Brasil no encontro, Canuto avalia que o país deverá “seguir buscando algum compromisso” sobre a questão das quotas de participação. Em sua visão, algum meio termo entre o aumento de contribuição de economias emergentes e o reflexo nas votações deverá ser encontrado. Outra postura que ele espera que o Brasil defenda é o aumento do poder de decisão dos países mais pobres, ainda que isto não seja refletido em maiores contribuições por parte deles.
Aumento de financiamento
Outra questão que deverá ser discutida ao longo do ano é o aumento de financiamento para estas instituições multilaterais. “Está claro que há necessidade do capital ser elevado. Há consenso de que as adaptações climáticas têm custo de trilhões anuais”, aponta Canuto. “A capacidade atual está exaurida”, resume.
O presidente do Banco Mundial, Ajay Banga, reforça a necessidade de incrementar o financiamento da instituição com frequência. “Não há dúvida de que precisamos ser um banco maior”, disse no encontro dos organismos multilaterais no ano passado. Na ocasião, ele citou um estudo independente encomendado pelo G20 que recomendou a triplicação do financiamento dos bancos multilaterais de desenvolvimento.
Por sua vez, o tema enfrenta resistências, especialmente em um cenário no qual os países financiadores lidam com elevação dos níveis de dívida e um cenário fiscal delicado. No caso dos Estados Unidos, o governo do presidente Joe Biden apresentou um projeto que prevê um aumento de verbas de US$ 25 bilhões para os bancos multilaterais, mas os planos enfrentam forte oposição no Congresso americano.
Preocupação com avanço chinês
O cenário de busca de reforço do financiamento destes organismos tem como pano de fundo um profundo avanço nos empréstimos chineses nos últimos anos, com destaque para investimentos em infraestrutura. O avanço é bastante criticado por líderes ocidentais, que questionam as condições de financiamento de Pequim, que drenariam recursos essenciais dos países tomadores de empréstimo.
Ao apresentar planos no Congresso para aumento de recursos para os bancos multilaterais, a Casa Branca afirmou em agosto do ano passado: “é essencial oferecermos uma alternativa credível aos empréstimos coercivos e insustentáveis e aos projetos de infraestruturas da República Popular da China (RPC) para os países em desenvolvimento em todo o mundo”.
Segundo Reinsberg, as investigações existentes mostraram que o Banco Mundial – sob a liderança dos estados ocidentais – suavizou a sua condicionalidade nos países que têm mais empréstimos chineses. “O Banco Mundial também voltou a envolver-se em setores há muito negligenciados, como as infraestruturas, que são importantes para os países em desenvolvimento”, aponta.
Já no que diz respeito aos empréstimos de emergência, quando os países enfrentam crises graves e precisam buscar auxílio externo, o que ocorreu com uma série de países na pandemia, o quadro é diferente, aponta o pesquisador. “A China não fez nenhuma tentativa de desafiar o FMI, mas trabalha em conjunto com ele”, avalia.
Retomada da OMC
Ainda nas ambições com a presidência do G20, nesta semana, o Brasil se engajou também em novas reformas da Organização Mundial do Comércio (OMC), organismo no qual o país teve especial influência na primeira década do século. O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou que a organização vive a pior crise de sua história, e que é preciso saldar a dívida histórica com os países em desenvolvimento.
Para Canuto, é compreensível a posição brasileira de buscar restaurar a instituição, especialmente levando em conta que é um tema historicamente defendido pelo Brasil. No entanto, em se tratando do cenário multilateral, o especialista avalia que o quadro é de “retrocesso”. As políticas industriais protecionistas adotadas recentemente pelo governo Biden nos Estados Unidos são uma demonstração deste cenário, avalia. “A disposição internacional de reforçar a organização é limitada”, conclui.