Os brasileiros escolheram um Congresso Nacional mais conservador, religioso, reformista e assistencialista para a próxima legislatura. Partidos de direita, com predomínio das legendas do Centrão, conquistaram a maioria das cadeiras da Câmara e do Senado em disputa. A prioridade, para os cinco deputados federais e cinco senadores mais votados, é fazer passar reformas que ficaram travadas no atual mandato do presidente Jair Bolsonaro (PL), como a administrativa e a tributária. Para o general Hamilton Mourão (Republicanos), ex-vice-presidente da República e senador eleito pelo Rio Grande do Sul, essas medidas devem ser aprovadas ainda no primeiro ano.
Uma minoria – apenas três dos 10 que mais receberam votos são de esquerda – se coloca contrária a essas mudanças. O deputado federal mais votado por São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL), defende a revogação da reforma trabalhista e da previdência. Ele também advoga para uma cobrança maior de impostos para os ricos, posicionamento compartilhado pelo ex-governador do Ceará Camilo Santana (PT-CE), eleito senador. Já Otto Alencar (PSD-BA), o único dentre os cinco senadores mais votados reeleito, é contra o aumento da carga tributária, sobretudo para o setor industrial.
Após cinco dias de tentativas de contato, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o senador Camilo (PT-CE) não responderam à reportagem.
Dentre as outras pautas defendidas pelos aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL) eleitos, está a “privatização total e absoluta de todas as empresas e bancos públicos”, afirma o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles (PL-SP). Carla Zambelli (PL-SP) e Eduardo Bolsonaro querem ainda derrubar o Estatuto do Desarmamento, em vigor desde o primeiro governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Há consenso entre propostas voltadas para direitos humanos, mas nem todos concordam quando o assunto é legalização das drogas, do aborto ou liberdade religiosa. Boulos, por exemplo, acredita que as drogas e aborto devem ser tratados como problemas de saúde pública e colocados em debate no Congresso. Para Zambelli, no entanto, “aborto não é direito, mas concessão estatal pra homicídio”.
Pautas ligadas a gênero e sexualidade devem ser discutidas levando em consideração “questões científicas, religiosas e morais”, segundo o youtuber Nikolas Ferreira, deputado federal mais votado do País, com quase 1,5 milhão de votos. Pensamento compartilhado pelo senador eleito Cleitinho (PSC-SP): “O estado é laico, mas eu sou cristão”.
Outra demanda trazida pelos parlamentares é a recuperação da execução do Orçamento pelo Executivo. “Não pode ser legislativo que distribui o recurso”, afirma Mourão. Durante o governo Bolsonaro, deputados e senadores destinaram bilhões para seus redutos eleitorais através das emendas de relator, o chamado Orçamento Secreto, como foi revelado pelo Estadão. Se houver reeleição do atual presidente, o general diz que haverá “uma capacidade muito melhor de conseguir avançar nossos projetos”, posição compartilhada por especialistas e cientistas políticos ouvidos pela reportagem.
Para Francisco Fonseca, cientista político da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), é fato que o Congresso sofreu uma guinada à direita e ao conservadorismo, recheado de figuras importantes do bolsonarismo, mas ele não classifica todas as figuras eleitas como candidatos de extrema-direita. “O PL, que tem a maior bancada, é composto por vários políticos tradicionais. Valdemar Costa Neto, o líder do partido, já foi da base do Lula”, observa.
Vera Chaia, professora de política, acredita que o “Congresso nunca foi tão extremo”. Chaia lembra que o ex-presidente Lula teve sucesso em lidar com o poder legislativo na sua gestão e que agora a dificuldade será lidar com a ala radicalizada da direita.
Em um eventual governo petista, Fonseca acredita que o ex-presidente buscará isolar e esvaziar a extrema-direita, o que pode tornar a Câmara um ambiente mais pragmático e portanto equilibrado. Mas caso Jair Bolsonaro seja reeleito, a tendência é que a centro-direita se radicalize junto com os bolsonaristas. “Se eleito, Bolsonaro teria ainda mais facilidade de governar”, diz Vera. “Pautas que antes não foram pra frente ganhariam força com o novo Congresso”.
“A extrema-direita, no entanto, vai enfrentar uma oposição nunca vista antes, com bancadas feministas, de mulheres trans, do MST, de negros, entre outras figuras importantes”, relata Fonseca. Apesar de não ter feito números tão expressivos como a direita, a esquerda também obteve algumas vitórias.
Mais votados na Câmara dos Deputados:
1) Nikolas Ferreira (PL-MG)
Nikolas Ferreira (PL-MG) nasceu em Belo Horizonte, em 1996. O jovem ganhou popularidade no YouTube defendendo pautas conservadoras e demonstrando seu apoio ao governo Bolsonaro. Em 2020, se elegeu vereador em BH com 29.377 votos, se tornando o segundo parlamentar mais votado da história da cidade. Ferreira, bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), quebrou outro recorde ao se tornar o deputado federal mais votado de Minas Gerais em 2022, com 1.492.047 votos.
2) Guilherme Boulos (PSOL-SP)
Guilherme Boulos (PSOL-SP) nasceu em São Paulo, no ano de 1982. Filho de um casal de médicos, ele é formado em filosofia pela USP e é mestre em psiquiatria pela mesma universidade. Membro da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Boulos foi candidato à presidência em 2018 e concorreu à prefeitura de São Paulo em 2020. Em ambas as ocasiões, concorreu pelo PSOL. No pleito de 2022, Boulos foi eleito com 1.001.472 votos, o que o tornou o deputado federal mais votado do Estado de São Paulo no ano e o segundo deputado federal mais votado do Brasil em 2022.
3) Carla Zambelli (PL-SP)
Carla Zambelli nasceu em Ribeirão Preto em São Paulo, no ano de 1980. Ela iniciou na vida pública em 2011, sendo uma das fundadoras do movimento “Na Rua” e ganhou fama ao protestar pelo impeachment de Dilma Rousseff. Também foi a protestos feministas liderados pelo FEMEN, movimento que surgiu na Ucrânia pela abolição do patriarcado em atos marcados por seios de fora. Zambelli, no entanto, nega ter participado do grupo. Posteriormente, foi uma das fundadoras do Em 2018, foi eleita deputado federal pelo PSL. Já em 2022, foi reeleita deputada federal PL com 946.244 votos. Na Câmara, foi presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS).
4) Eduardo Bolsonaro (PL-SP)
Eduardo Bolsonaro nasceu no Rio de Janeiro, no ano de 1984. Filho do atual presidente da República, Jair Bolsonaro, ele é formado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Eduardo é policial federal e em 2014 se elegeu deputado federal pela primeira vez pelo PSC. Em 2018, Eduardo se reelegeu com votação histórica – 1.843.735 votos, o que o tornou o deputado federal mais votado da história do País. Ele chegou a pleitear uma vaga de embaixador do Brasil em Washington, nos EUA, mas não conseguiu aprovação do Senado. Foi reeleito para um terceiro mandato em 2022 com 741.701 votos. Atualmente, é o líder do governo na Câmara dos Deputados.
5) Ricardo Salles (PL-SP)
Ricardo Salles (PL), 47, foi o quarto deputado federal mais votado de São Paulo com 604.918 votos. Conhecido por ser ex-ministro do Meio Ambiente de Jair Bolsonaro (PL), ele começou sua carreira política apadrinhado pelo então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSB). Durante o período de Salles no ministério, o índice de desmatamento no governo Bolsonaro atingiu o maior patamar dos últimos 15 anos. Durante uma reunião ministerial em 2020, ele sugeriu aproveitar a distração que a pandemia de covid-19 oferecia e “passar a boiada” para desregulamentar políticas ambientais. Em junho de 2021, pediu demissão após ser alvo de um inquérito que investigava o seu envolvimento com um esquema ilegal de retirada e venda de madeira.
Mais votados do Senado:
1) Marcos Pontes (PL-SP)
Marcos Pontes, 59, foi o senador que mais recebeu votos nessas eleições, com mais de 10,7 milhões de votos. Sua carreira na política é relativamente recente. A primeira vez que tentou algum cargo público foi em 2014, para deputado estadual, não tendo sucesso. Em 2018, foi eleito suplente do senador Major Olímpio (PSL) e depois assumiu o comando do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações há dois anos, nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), onde ficou até março de 2022. Pontes, conhecido como “o astronauta”, é o primeiro e único brasileiro, até então, a ir ao espaço.
2) Cleitinho (PSC-MG)
Cleiton Gontijo de Azevedo, 40, mais conhecido como Cleitinho, recebeu 4,2 milhões de votos nessas eleições – mais do que o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil (PSD), candidato a governador que ficou em segundo lugar nas pesquisas. Músico e comerciante, ele entrou na política em 2016 pela Câmara de Vereadores de Divinópolis, sua cidade natal, sendo o terceiro vereador mais votado, com 3.023 votos. Durante o mandato, chegou a ser presidente da Comissão de Direitos Humanos e Defesa Social. Em 2018, foi eleito deputado estadual de Minas Geras. Nesse período de oito anos, mudou de partido quatro vezes, passando pelo Cidadania, PPS e PSC.
3) Otto Alencar (PSD-BA)
Otto Alencar (PSD-BA) é baiano e o único reeleito no Senado. Recebeu 4.218.333 votos, mais do que o candidato a governador da Bahia Jerônimo Rodrigues (PT). Ele vem de uma longa trajetória na política, começando a vida pública em 1985, como candidato a vice-prefeito na chapa do atual vereador de Salvador Edvaldo Brito (PSD). No ano seguinte, foi eleito deputado estadual, conseguindo renovar seu mandato duas vezes, sendo inclusive Presidente da Casa. O senador também já foi secretário de saúde e de infraestrutura da Bahia, governador e vice-governador do Estado. Em 2011, junto com o então prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, fundou o Partido Social Democrático (PSD), do qual é presidente estadual na Bahia.
4) Camilo Santana (PT-CE)
Camilo Santana, 54, foi governador do Ceará duas vezes (2010 a 2018) e deputado estadual mais votado nas eleições de 2010, com mais de 131 mil votos. Sua carreira na política começou ainda na faculdade, no movimento estudantil: ele foi presidente do Centro Acadêmico de Agronomia e diretor do Diretório Central dos Estudantes (DCE). Mas a primeira disputa em uma eleição foi em 2000, como candidato à prefeitura de Barbalha, uma cidade de cerca de 55 mil habitantes. Ele perdeu o pleito naquele ano e em 2004, ficando em quarto e segundo lugar, respectivamente. Nascido em Crato, município conhecido como o “Oásis do Sertão”, no Ceará, Camilo se formou em engenheira agrônoma, o que lhe rendeu o posto de secretário estadual de Desenvolvimento Agrário e de Cidades nos governos de Cid Gomes (PDT) – atualmente, senador.
5) Hamilton Mourão (Republicanos-RS)
É a primeira vez que Hamilton Mourão, 69, se candidata e é eleito para algum cargo no Legislativo. General do Exército, Mourão é conhecido por ter sido Vice-Presidente de Jair Bolsonaro (PL) e presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal. Sua trajetória política, portanto, é recente. Ele nasceu em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e dedicou 46 anos de sua vida à carreira militar – desde o Colégio Militar, onde concluiu o ensino médio, ao título de Doutor em Ciências Militares. Quando deixou o serviço ativo em fevereiro de 2018, assumiu a presidência do Clube Militar, no Rio de Janeiro, até a posse no Palácio do Planalto.