A análise da lista de votação dos candidatos a vereador em todo o Brasil que declararam gasto de verba pública de campanha superior a R$ 10 mil mostra que, dos 100 concorrentes que obtiveram o pior desempenho, 81 são mulheres —dos 19 homens, 16 são negros.
Os dados destoam claramente segundo o jornal Folha de S. Paulo do observado nas candidaturas em geral, em que mulheres são minoria (33,6%) e negros são a metade, mas nem de longe chegam à quase totalidade.
Chama a atenção a presença, no topo da lista dos votos mais caros do país, de cinco candidatas do Republicanos à Câmara Municipal de São Gonçalo (RJ). Juntas, elas declararam até agora gasto de R$ 331 mil de dinheiro público, mas não somaram nem 250 votos.
Karen de Oliveira teve apenas 8 votos. Eliane Guadama, 7. As duas declararam, cada uma, contratação de cabos eleitorais e assessores em número superior aos votos que receberam.
Duas candidatas do PSB a vereadora em Maceió apresentam situação similar. Rafinha Costa teve 14 votos. Michelly Freitas, 20. Ambas declararam gasto de dinheiro público de cerca de R$ 60 mil cada uma, obtendo uma votação menor do que a do número de cabos eleitorais que afirmam ter contratado.
Neste ano entrou em vigor a determinação do STF (Supremo Tribunal Federal) de que os partidos dividam de forma equânime a verba eleitoral de cerca de R$ 2 bilhões entre os candidatos negros e brancos. Desde 2018 eles já têm que obedecer à cota de gênero, distribuindo às mulheres valores proporcionais às candidaturas femininas lançadas, nunca em patamar inferior a 30%.
Em 2018, quando não havia a cota racial, a Folha revelou em diversas reportagens a existência de candidaturas laranjas, em especial no PSL de Minas Gerais e Pernambuco, criadas com o intuito de desviar para candidatos homens a verba que deveria ser direcionada às mulheres.
O padrão é relativamente o mesmo: alto investimento de dinheiro público, pouquíssimos ou nenhum sinal de que uma campanha de fato foi realizada e, ao final, uma votação irrisória.
A cota racial foi estabelecida em 2020 por decisão do STF e gerou críticas de dirigentes partidários, que argumentaram que a medida foi decidida em cima da hora, sem tempo hábil para que pudessem se organizar.
O cruzamento da declaração do uso do dinheiro público com a votação obtida pelos candidatos foi feito pelo Movimento Transparência Partidária, a pedido da Folha, usando ferramenta desenvolvida pela agência de dados Volt Data Lab.
Das 100 candidaturas a vereador em todo o país que tiveram o voto mais caro —resultado do dinheiro público gasto dividido pelo resultado da urna—, 44 tiveram um custo acima de R$ 1.000 por voto obtido, se for levado em conta apenas as campanhas que declararam gasto de verba acima de R$ 10 mil.
Desse grupo, o maior número é de candidatos é do Republicanos (8), seguido por PP (6), PSB (6), PSD (6) e DEM (4).
Os números ainda devem se elevar, já que a prestação final de contas das campanhas só ocorre em dezembro.
“Embora esses dados possam indicar que as dificuldades concretas de determinadas candidaturas em obter votos são maiores, não se pode descartar que sejam indícios de expedientes para burlar regras de incentivo à efetiva participação desses grupos na corrida eleitoral”, afirma Marcelo Issa, diretor-executivo do Transparência Partidária.
“Por isso, é sempre necessário usar tecnologia para cruzar dados a partir de critérios objetivos, como a proporção entre receitas, despesas e votos recebidos, a fim de que seja possível identificar, entre centenas de milhares de candidaturas, quais são as situações que podem conter indícios de irregularidades.
A candidata com o maior custo pelo voto no país é Francielle Avila (PSD), candidata a vereadora em Espigão Alto do Iguaçu (PR), com gasto declarado de R$ 10,5 mil de verba pública e apenas um voto obtido.
Em uma de suas redes sociais, há registro de pedido de voto apenas para o candidato a prefeito Hilário (PSDB), que acabou não sendo eleito. Francielle declarou ter gasto R$ 7.000 com material impresso de campanha, R$ 2.000 com advogado e R$ 1.000 com vinheta para TV.
A Folha manteve contato por mensagem de texto com o telefone declarado em seu pedido de registro de candidatura. Após explicar de que se tratava a reportagem, não houve mais resposta.
No caso de São Gonçalo (RJ), a candidata do voto mais alto foi Karen de Oliveira (Republicanos), com custo aos cofres públicos de R$ 5.738,56 por cada um de seus 7 votos. Ela declarou à Justiça Eleitoral gasto de R$ 10 mil com advogado, R$ 12 mil com transferência a outra candidata e o restante na contratação de 11 assessores e cabos eleitorais, por um valor entre R$ 1.500 e R$ 3.000 cada um.
A Folha tentou contato com Karen, assim como com Eliane Gaudama, mas os telefones e e-mails informados pelas candidatas do Republicanos no registro de pedido de candidatura na Justiça Eleitoral são do escritório de advocacia Assad Santos, que foi remunerado em R$ 10 mil por ambas as candidatas.
A firma é responsável pela campanha das outras quatro candidatas do Republicanos em São Gonçalo que tiveram votação pífia e pela campanha do candidato a prefeito Capitão Nelson (Avante), que disputa o segundo turno na cidade, além de vários outros concorrentes.
Sócia-proprietária do escritório, Januza Brandão Assad Santos afirmou à Folha que tem um trabalho reconhecido e especializado em direito eleitoral não só em São Gonçalo, mas em outros municípios, e que só pode responder pela parte técnica das candidaturas, que, segundo ela, foi cumprida à risca.
“Sobre a diferença do valor que eu cobro em relação a outros escritórios, a diferença é que eu declaro exatamente o que cobrei, com nota fiscal e tudo. E faço a cobrança no início, não tenho como saber como será o desempenho dos candidatos”, afirmou, ressaltando ter trabalhado para três candidatos a prefeito em São Gonçalo, entre vários outros.
A assessoria do Capitão Nelson afirmou que ele não tem relação com as candidatas a vereador do Republicanos, que teve candidato a prefeito na cidade, nem com os cabos eleitorais supostamente contratados pelas candidatas.
“O escritório Assad Santos é um dos únicos escritórios especializados em direito eleitoral do município de São Gonçalo. Neste ano, o mesmo prestou serviços para Capitão Nelson, como candidato à prefeitura, e para a executiva municipal do Avante. Todos os custos referentes ao vínculo de prestação de serviço estão devidamente declarados, registrados e seguem todos os parâmetros legais.”
O presidente nacional do Republicanos, o deputado federal Marcos Pereira (SP), afirmou não saber o que aconteceu com as candidatas do partido em São Gonçalo. “O país é muito grande e as candidaturas são muito pulverizadas. A responsabilidade é da [direção] municipal, conforme resolução do partido”. A Folha não conseguiu contato com a direção municipal do partido nesta quinta-feira (19).
No caso das candidatas do PSB em Maceió, Michelly Freitas afirmou ter feito campanha e realizado os gastos declarados. “Eu fiz a minha parte. Eu fiz a equipe. O povo que decidiu”, disse, demonstrando espanto quando a reportagem informou a ela o custo do voto.
“Fui pra vários bairros da capital de Alagoas. Fiz corpo a corpo. Eu vi que esse negócio de vírus não existe, existe pra quem ficar com isso na cabeça. Foi o governo que criou esse vírus. Tenho material, sim. Posso te enviar, o santinho, mando sim. As pessoas votaram em mim e votaram no meu candidato, que é o JHC. Eu faço parte do partido, do PSB, sou filiada.”
Sobre a confecção das camisetas, afirmou que ainda tinha o material e que iria mandar foto. “Vou mandar agora”, disse, antes de desligar, mas acabou não enviando.
Rafinha Costa afirmou que estava em um velório e não poderia responder no momento em que recebeu a ligação da reportagem, no final da tarde desta quinta. A Folha não conseguiu contato com a direção nacional do PSB.
Elisia Martins, candidata a vereadora do Solidariedade em Piraju (SP), declarou gasto de R$ 29 mil e teve apenas 7 votos. Ela tem registro de campanha e de pedido de voto para sua candidatura em redes sociais. À reportagem, afirmou que fez campanha, pediu votos e que desconfia da lisura do sistema de urnas eletrônicas. “As pessoas vieram até mim depois e falaram que votaram em mim, mas eu só tive sete votos, então não sei quem está mentindo, se as pessoas ou as urnas.”
Ela orientou a reportagem a procurar seu advogado de campanha. Ele disse que após retornar de viagem estará disponível para responder a perguntas.
Cícero Amaral, candidato a vereador do PSL em Mangaratiba (RJ), declarou em sua prestação de contas ter recebido R$ 70 mil de dinheiro público, repassado pelo diretório nacional do PSL. Ele registrou despesas no valor de R$ 33 mil, sendo R$ 25 mil para assessoria contábil.
Ele teve 13 votos na cidade. A reportagem tentou encontrá-lo nos dois telefones que ele informou para a Justiça Eleitoral, mas não obteve sucesso.
Luizinho Mineiro (DEM), candidato a vereador em São Roque (SP), teve 6 votos. Ele registrou gastos no valor de R$ 23,5 mil, sendo R$ 15 mil para um escritório de advocacia.
A Folha tentou contato pelos telefones informados à Justiça Eleitoral. No primeiro, atendeu Lineu Alberto da Silva (DEM), também candidato e advogado de um escritório que cuida de “cerca de 600 campanhas” no interior de São Paulo. Ele disse não saber quem é Luizinho.
No outro telefone, quem atendeu foi Sergio Raposo, presidente do MDB de São Roque e sócio de Lineu Alberto Silva. Ele afirmou também não saber quem é Luizinho e se ele foi candidato em sua cidade.