Há nos últimos tempos uma movimentação intensa de países árabes buscando parceiros de negócios e investimentos que levem seus mercados a outro patamar de relações no plano internacional — da fabricação de aviões até a de uma simples caneta, eles querem de tudo e não irão poupar esforços nesse sentido. Riad, na Arábia Saudita, criou o programa Saudi Vision 20/30, que planeja mudar a fisionomia local, de mera praça de petrodólares para a de uma economia pujante em inúmeros setores e referência na qualidade de vida, a partir de recursos maciços a serem lançados na diversificação da produção, em obras de infraestrutura, educação, saúde e bem-estar social. A capital saudita se transformou em um canteiro de obras, com gruas espalhadas por todo aquele lugar que até décadas atrás não passava de um deserto, literalmente e de oportunidades, onde beduínos viviam em tendas. Interessadas em participar da empreitada, empresas brasileiras despertaram para o potencial e estão animadas com as chances de lucros ao lado desses futuros sócios do Oriente Médio.
A Embraer já deu entrada em entendimentos e quer transformar a Arábia Saudita em um hub da companhia para a região, inclusive com instalações locais que forneçam toda a manutenção necessária a aeronaves — além, claro, da venda de alguns modelos de seu portfólio para esses clientes, em especial o C-390 Milennium dirigido ao transporte de carga, de baixo custo operacional.
A Embraer e representantes de outras dezenas de empresas participaram de uma caravana comercial organizada dias atrás pelo Grupo Líderes Empresariais (LIDE), que esteve não apenas em Riad como também em Dubai, meca dos investimentos em real estate, agro e tantos outros, e em Abu Dhabi.
O que fizeram por lá? De tudo um pouco e conheceram projetos grandiosos, a maioria de cair o queixo, como o do centro de Diriyah, onde um complexo turístico será erguido, demandando mais de US$ 68 bilhões na construção de 28 hotéis, 400 restaurantes e oito museus, com entrega prevista até a Copa do Mundo, que acontecerá em Riad em 2034.
A proposta é ambiciosa, sem dúvida, e promete revolucionar a indústria do entretenimento global.
“É impressionante a quantidade de soluções globais que estão sendo pensadas e criadas nesses países árabes e que os brasileiros podem também aproveitar”, disse Costa.
O Brasil e a Arábia Saudita possuem um comércio bilateral que gira hoje na casa dos US$ 5 bilhões a US$ 7 bilhões, basicamente concentrado em minério, fertilizantes e agroalimentos.
Osmar Chohfi, presidente da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, acredita que o leque de setores pode ser significativamente ampliado. “A economia saudita planeja avançar fortemente na área de produtos industriais e está em um processo de urbanização que vai demandar grande aparato e dessa forma surgem negócios sem fim”, afirmou.
“Podemos ser para as empresas brasileiras um ponto para maior acesso ao Oriente Médio e a Ásia.”
Juma Al Kait, secretário-adjunto de Comércio Exterior do Ministério da Economia dos Emirados Árabes Unidos
Fundo de Investimento Público
E ele está certo. Com US$ 3 trilhões de PIB, a região do Golfo Pérsico se destaca hoje pela expansão econômica, estabilidade política e significativa atividade de modernização tecnológica. Sim, também nessa última área ela está avançando bastante, com inovações e desenvolvimento de pesquisa.
Para Abu Dhabi, que também recebeu a delegação brasileira, o fundo Mubadala mostra-se como outro portento de desembolsos com quase US$ 1 trilhão em caixa para gastar — e, como prova do fôlego e disposição para aquisições, acaba de abocanhar a operação brasileira do Burger King. Toda essa dinheirama vem rodando aceleradamente no momento e atraindo acordos extraordinários.
Missão
• Foi por perceber o momento promissor para transações com grupos brasileiros que o LIDE tratou de organizar a missão integrada por mais de 70 empresários.
• O LIDE ainda tratou de abrir duas bases de operações locais, nas cidades visitadas da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes, que servirão de suporte a quem quiser fazer os tais negócios das mil e uma noites.
• Nos últimos tempos, é fato, o LIDE tem funcionado como uma espécie de agência privada de desenvolvimento comercial pelo mundo, e já conta atualmente com quase duas dezenas de filiais globais.
“Acreditamos que a expertise brasileira nos mais variados setores, como no caso da saúde, será atraente para o que os árabes pretendem fazer.”
Romeu Domingues, chairperson da Dasa
E foi assim mais uma vez nessa escala no mundo árabe. “A tendência é de fundos privados e de fundos soberanos, como o Mubadala, crescerem seus investimentos em parcerias com brasileiros porque eles foram positivos, acumularam índices animadores de resultados e retorno e assim, com certeza, podem e devem haver daqui para frente novos aportes”, afirmou Doria.
Com base nessa expectativa é que o LIDE, levado de porta a porta aos países mais diversos por Furlan e Doria, não mede esforços no trabalho de detectação sobre onde, em que áreas de negócios e praças, estão os melhores filões.
Os dois se dizem convencidos de que o agronegócio virou há algum tempo o maior porta-estandarte da pauta nacional devido a preocupação planetária com a segurança alimentar. “Fiz 14 viagens nos últimos 12 meses e em todas elas o agro brasileiro é destacado e não foi diferente na Arábia Saudita e nos Emirados Árabes”, reforçou Doria.
Estavam no elenco de participantes da caravana do LIDE ao Oriente Médio nomes de destaques do setor, como João Sampaio, do portento Minerva Foods, Francisco Maturro, presidente da Agrishow, maior feira de agronegócio do mundo, Larissa Popp Abrahão, global head de ESG da Cutrale, e o ex-ministro Roberto Rodrigues, considerado a principal autoridade no assunto no País.
“A tendência é de fundos privados e de fundos soberanos, como o Mubadala, crescerem seus investimentos em parcerias com brasileiros.”
João Doria, cochairman do LIDE
Também empresários de outros setores, animados em fazer transações com esses parceiros, marcaram presença. Romeu Domingues, da Dasa, uma das maiores redes de assistência médica nacional, Claudio Cotrim, da Paper Excellence, Paulo Neves, da Raízen, Marcos Amaro, da Amaro Aviation, Maurício Cruz, da OEC (antiga Odebrecht), Patrick Burnett, do Inovebanco, Wilson Ferreira (ex-Eletrobrás), Gustavo Ribeiro, da Hapvida, e Rinaldo Mancin, do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) estiveram entre eles nessa cruzada. “Nós acreditamos fortemente que a expertise brasileira nos mais variados setores, como o nosso no campo da saúde, serão complementares e atraentes para o que os árabes pretendem fazer”, afirmou Domingues, da Dasa.
No terreno dos acordos o que não irá faltar é dinheiro. O Mubadala, no caso, já investiu mais de US$ 5 bilhões no Brasil desde 2012, e fez questão de receber a delegação em sua sede, em Abu Dhabi, para tratar de novos aportes.
Distintamente do que ocorre na Arábia Saudita, que passa por um processo de transformação e acelerada construção para os novos tempos, os Emirados procuram modernizar, alavancar e ampliar estruturas consolidadas de anos para cá. Eles pretendem se tornar corredor de entrada para produtos brasileiros, como uma espécie de ponto de conexão para as exportações verde-amarelas na região, especialmente de alimentos, carnes e grãos, que possuem enorme aceitação e necessidade local.
“Impressiona a quantidade de soluções globais que estão sendo pensadas e criadas nesses países árabes e que os brasileiros podem também aproveitar.”
Paulo Henrique Costa, CEO do BRB
Alimentos
O que foi tratado entre árabes e brasileiros nesses dias de encontro girou justamente sobre a possibilidade de se criar uma cadeia produtiva local, integrada e com a oferta das commodities e demais mercadorias brasileiras.
As cifras não estão definidas, afinal o céu é o limite. O presidente da Associação das Indústrias de Alimentos e Bebidas dos Emirados Árabes Unidos, Saleh Lootah, relacionou possíveis sinergias entre os dois países no setor e reiterou que a segurança alimentar realmente irá pautar os acordos. Segundo ele, apenas 4% das terras dos Emirados são cultiváveis e é preciso derrubar as barreiras comerciais nesse corredor bilateral para incrementar a quantidade de contratos de fornecimento da oferta brasileira.
Lootah propõe uma imediata parceria em tecnologia da produção alimentícia, que seria vantajosa para ambos os lados, com o Brasil podendo resolver, dessa forma, as dificuldades de suprimento do Oriente Médio.
“Além de carnes e soja, o Brasil tem uma enorme capacidade para vender outras mercadorias como frutas, café e açúcar para os países membros do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG)”, sugeriu Lootah.
Suas palavras soaram como música aos ouvidos dos empreendedores brasileiros ali presentes. Em Dubai, na segunda rodada de discussões e trabalhos da conferência do LIDE, o secretário-adjunto de Comércio Exterior do Ministério da Economia dos Emirados Árabes Unidos, Juma Al Kait, mostrou os dados sobre a corrente de comércio bilateral e lembrou que ela só é menor que o fluxo com os Estados Unidos.
Kait ainda falou da recente adesão dos Emirados aos Brics, como sinal promissor de ampliação dos negócios de lado a lado. “Podemos ser para as empresas brasileiras um ponto para maior acesso ao Oriente Médio e a Ásia, enquanto o Brasil é para nós uma grande porta de acesso à América do Sul. Acredito que podemos nos apoiar nos planos de longo prazo para a sustentabilidade dos dois países.”
Palavras semelhantes foram proferidas por Nourah Alswayan, do Saudi Eximbank, e por Mishal Ibn Hithlain, presidente das Câmaras de Comércio Sauditas, que disse desejar fazer do golfo um dos maiores centros de comércio, negócios e oportunidades para latinos como o Brasil.
O que de alguma forma firmou-se como impressão nessa rodada de conversas com companhias brasileiras é que, de fato, uma fronteira promissora está se abrindo ali e alguns resolveram sair na frente nas tratativas.
“O Brasil tem uma enorme capacidade para vender outras mercadorias como frutas, café e açúcar para os países membros do Conselho de Cooperação do Golfo.”
Saleh Lootah, da Associação das Indústrias de Alimentos e Bebidas dos Emirados Árabes