Eleito com o apoio de uma frente ampla, o presidente Lula (PT) deixou claro, desde o início de seu terceiro mandato, que a sua prioridade no Congresso são os projetos na área da economia. Apesar de não ter maioria parlamentar, o governo conseguiu aprovar na Câmara, no primeiro semestre, propostas estruturantes, como o novo arcabouço fiscal e a reforma tributária, graças a articulações lideradas pelo presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL) e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Com o fim do recesso e a volta dos trabalhos no Legislativo, o objetivo conforme Daniel Pereira, da Veja, é concluir a votação dessas medidas e avançar em iniciativas capazes de aumentar a arrecadação, uma pré-condição para que tenha chance de sucesso o plano desenhado pelo governo a fim de equilibrar as contas públicas. Com a agenda econômica no centro da pauta, Haddad continuará a ser testado como articulador político, função que desempenhou bem até agora, mas só a atuação dele não será capaz de destravar a tramitação de temas de interesse do Palácio do Planalto. Neste segundo semestre, o Centrão só ajudará se receber de Lula os espaços que reivindica na máquina pública.
As negociações entre as partes se arrastam há meses. O Centrão quer pelo menos dois ministérios. Do outro lado do balcão, Lula já disse mais de uma vez que quer contar com a adesão do PP e do Republicanos. Apesar da aparente boa vontade de lado a lado, o acordo até agora não foi sacramentado. O presidente empurrou com a barriga o pagamento da fatura porque a Câmara aprovou quase tudo o que ele queria no primeiro semestre. Segundo deputados sedentos para embarcar na nau governista, Lula adotou o modo embromação enquanto colhia vitórias. Por isso, dizem eles, Arthur Lira (PP-AL), não submeteu para a derradeira votação dos colegas, antes do recesso parlamentar, o projeto do novo arcabouço fiscal. Foi uma forma de pressionar o governo a se acertar com o Centrão — e de dizer que o bloco não está mais disposto a entregar mercadorias sem receber de forma antecipada o pagamento.
A equipe econômica esperava que os projetos começassem a ser analisados nesta semana. O Centrão também esperava receber seus ministérios nesta semana. As duas coisas andam de mãos dadas — e nenhuma delas aconteceu até o fechamento desta edição. Segundo auxiliares de Lula, o presidente abrirá espaços aos deputados, mas ainda não definiu exatamente quais. Em diferentes momentos, o Centrão pediu os ministérios da Saúde, do Desenvolvimento Social, responsável pelo Bolsa Família, e do Esporte, além da presidência da Caixa e da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Até aqui, Lula resistiu. Ele quer entregar pastas de menor porte, mas mesmo essas não são de fácil substituição, porque estão nas mãos de legendas que apoiaram o petista na campanha de 2022.
Com a esperteza de costume, o presidente fez seus assessores circularem a versão de que ele está sofrendo diante da possibilidade de demitir aliados de primeira hora, como se já não tivesse feito isso, sem choro nem vela, em outras ocasiões. Lula sabe que as mudanças na Esplanada lhe darão tranquilidade para aprovar as propostas da agenda econômica, e não apenas na Câmara. “A pauta prioritária tem algumas frentes. A primeira é consolidar as mudanças econômicas para que o Brasil possa retomar um ciclo de crescimento econômico”, disse o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Apesar de ainda não ter uma base aliada organizada, Lula conseguiu avançar em temas importantes porque o Congresso atual, de maioria de centro-direita, apoia iniciativas como o novo marco fiscal e a reforma tributária. Isso não quer dizer que o governo terá vida fácil pela frente. Pelo contrário.
Neste segundo semestre, Haddad tentará tirar do papel medidas capazes de aumentar a arrecadação. Para isso, terá de convencer os parlamentares a resistir a lobbies de setores que querem pagar menos impostos ou continuar se beneficiando de privilégios fiscais. Câmara e Senado analisarão, por exemplo, a medida provisória que regulamenta o setor de apostas eletrônicas e estabelece uma taxação sobre as receitas obtidas com jogos. Uma série de emendas já foi apresentada à MP com o objetivo de garantir que parte do valor arrecadado seja destinada para fins diversos. O governo tentará evitar essa sangria. Também será submetida às duas Casas a proposta de taxação de fundos exclusivos de investimento.
À frente das negociações com Lula para a entrada do Centrão no governo, Arthur Lira demonstra disposição para avançar em outro tema que, se aprovado, teria um impacto monumental na tarefa de conter as despesas públicas: a reforma administrativa. Uma proposta chegou a ser apresentada pela equipe de Jair Bolsonaro à Câmara, mas acabou engavetada porque o capitão temia sofrer prejuízos eleitorais com sua eventual aprovação. Lula deve seguir o mesmo caminho do antecessor. O petista, que pouco se empenhou pela reforma tributária, nunca mostrou disposição para enfrentar o lobby do funcionalismo. A agenda só vai avançar se houver uma sintonia fina entre o governo e o Congresso.