A concessão de uma anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pelo Congresso Nacional, negociada com o objetivo de recolocá-lo na corrida pela volta ao Palácio do Planalto em 2026, encontra obstáculos jurídicos e políticos.
Mesmo com a mobilização de aliados de centro e da oposição, será difícil a ideia avançar, seja na tramitação da proposta no Legislativo ou na análise de questionamentos no Supremo Tribunal Federal (STF), segundo diversas fontes ouvidas pelo O Globo. Em entrevista na edição de ontem do jornal, o próprio Bolsonaro disse ver caminho para que Câmara e Senado revertam a sua inelegibilidade, determinada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) até 2030.
Nesta semana, bolsonaristas se mostraram otimistas com a reeleição de Donald Trump nos Estados Unidos, com quem possuem afinidade ideológica. Eles tentam fazer uma comparação da situação de Bolsonaro com o cerco judicial ao presidente eleito americano — superado pelo aval das urnas. Os cenários, porém, são distintos. Trump não estava inelegível e ambos os países têm arcabouço jurídico diferentes.
Caminhos improváveis
Advogados especialistas em Direito Eleitoral e ex-ministros do TSE, Corte que condenou o ex-presidente por abuso de poder após ataques ao sistema eleitoral, explicam que, para reverter a inelegibilidade de oito anos, existem apenas duas alternativas viáveis — ambas sem precedentes para casos como o de Bolsonaro.
Uma delas é a aceitação de um recurso extraordinário pelo STF, no qual se busca reverter a decisão do TSE. Caso o Supremo acolha o recurso, o ex-presidente poderia ter seus direitos restaurados — o que é visto como algo improvável entre magistrados.
A segunda via seria por meio de uma alteração na Lei da Ficha Limpa, norma que determina a inelegibilidade para condenados por abuso de poder pela Justiça Eleitoral. Isso também demandaria uma concertação política inexistente. Bolsonaro se tornou inelegível a partir da previsão dessa lei.
Em junho de 2023, o TSE decidiu deixá-lo de fora de disputas eleitorais por oito anos depois que ele usou meios de comunicação oficiais, enquanto presidente da República, para fazer declarações contra o sistema eleitoral e atacar as urnas eletrônicas. Bolsonaro fez as declarações durante uma reunião com embaixadores estrangeiros, realizada no Palácio da Alvorada, no dia 18 de julho de 2022.
A lei da Ficha Limpa é uma lei complementar, e mudanças nela seriam possíveis apenas com outra lei complementar. Essa alternativa é diferente de uma frente já aberta no Legislativo: o projeto de lei da anistia aos envolvidos nos ataques do 8 de Janeiro, de autoria do ex-deputado Major Vitor Hugo (PL-GO).
Esse texto vem sendo citado por aliados de Bolsonaro como uma opção para torná-lo novamente elegível, mas se trata de um projeto de lei comum, para perdoar condenações criminais, e não seria adequado para tratar da Ficha Limpa.
Outra possibilidade aventada por bolsonaristas é uma alteração que beneficie o ex-presidente no projeto de lei complementar que está no Senado e altera o período de inelegibilidade para condenados pela Ficha Limpa.
O texto aprovado pela Câmara, de autoria da deputada Dani Cunha (União-RJ), está sob relatoria do senador Weverton (PDT-MA). Para beneficiar Bolsonaro, contudo, essa mudança legislativa teria que abranger todos os casos de condenação por abuso de poder, já que a lei não pode ser alterada apenas em benefício de um único indivíduo.
Para especialistas, isso significa que qualquer alteração teria impacto sobre outros políticos na mesma situação, independentemente das especificidades que os levaram às condenações.
— Criar uma legislação nominal (em benefício de uma pessoa) poderia gerar um caos — diz o advogado Renato Ribeiro de Almeida.
No STF, ministros ouvidos reservadamente veem poucas possibilidades de o assunto ser aprovado no Congresso e avaliam que, caso isso aconteça e a Corte seja instada a se manifestar, a tendência é que as condenações pelo 8 de Janeiro e a inelegibilidade de Bolsonaro sejam mantidas.
Entrave no parlamento
Bolsonaro também encontra resistência política por parte de parlamentares governistas e do Centrão para beneficiar os envolvidos no 8 de Janeiro. O atual presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), decidiu criar uma comissão especial depois de o texto estar pronto para ser votado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O objetivo foi atrasar a discussão do tema.
Esse assunto pode ser um nó para o próximo presidente da Casa desatar. Caso Hugo Motta (Republicanos-PB) se confirme como favorito à sucessão, caberá a ele a escolha de agradar o PL, maior partido da Câmara, ou manter boas relações com o governo Lula da Silva (PT) e parte do Centrão. Por enquanto, Motta prefere se equilibrar, que é o mais correto.
— Nós tivemos um episódio triste, que foi o 8 de Janeiro, mas também não podemos permitir que injustiças sejam cometidas com pessoas que têm levado condenações acima daquilo que seria o justo para com a participação ou não dessas pessoas no ato — declarou no fim de outubro.
A fala de Bolsonaro sobre o Congresso ter o poder de resolver sua inelegibilidade irritou parlamentares e causou mal-estar até para aliados.
— É um projeto que a sociedade brasileira apoia muito. O PL da anistia não contempla Bolsonaro. Ele não se encaixa nesse projeto. Essa anistia é para pessoas que foram injustiçadas — diz o líder do PL na Câmara, Altineu Côrtes (RJ).
O líder do PL no Senado, Carlos Portinho (RJ), também defendeu que o projeto não será para o aproveitamento individual.
Parlamentares ligados ao governo afirmam que não há votos suficientes neste caso.
— O governo tem base. A gente não tem que ficar preocupado com a opinião da oposição — diz o líder do PT na Câmara, Odair Cunha (MG).
Líder do governo no Senado, Otto Alencar (PSD) também faz coro.
— Minha posição é totalmente contrária à anistia. Nunca vi nenhum senador chegar e dizer: “Eu quero anistia”. Quem precisa decidir sobre Bolsonaro é a Justiça.
Para o líder do MDB, Isnado Bulhões (AL), o PL da anistia pode até avançar, mas não deve ter maioria.
— Pode ir para votação. Assim como o voto impresso, eu serei contra.