O juiz Eduardo Fernando Appio, de 53 anos, assumiu neste mês a cadeira ocupada pelo agora senador Sérgio Moro (União Brasil-PR) no auge da Operação Lava Jato. Ele é o novo titular da 13.ª Vara Federal Criminal de Curitiba, onde ainda tramitam cerca de 240 procedimentos penais derivados das investigações da maior operação de combate à corrupção da história do País.
Os tempos áureos da Lava Jato ficaram para trás. As operações da Polícia Federal para prender políticos e empresários influentes escassearam. A força-tarefa de procuradores foi extinta em 2021 e o apoio popular massivo se diluiu em meio a acusações de parcialidade dos investigadores.
Os processos que tramitam hoje em Curitiba correspondem a 40% do acervo original da operação. O restante foi enviado para a Justiça Eleitoral ou para outros Estados, por força de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), o que na prática vem atrasando o desfecho das ações, que precisaram ser retomadas do início.
“Há risco concreto de prescrição. Essa é a razão maior da minha preocupação”, afirma Appio em entrevista ao Estadão. “Tem muita gente interessada no arquivamento desses processos e que seja um Caso do Banestado 2.”
A equipe do gabinete também está menor: são 11 servidores, incluindo o juiz titular, que vem pedindo reforços ao Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4).
Apesar do cenário, Appio tomou como missão fazer a operação ‘sobreviver’. “A Lava Jato na minha mão não vai morrer, não vou ser o coveiro oficial da Lava Jato, de forma alguma. Eu não aceito esse papel histórico”, garante.
O perfil do novo juiz da Lava Jato contrasta com o do seu antecessor, Sérgio Moro, a quem atribui um ‘populismo judicial’. “Houve, de forma intencional ou não, uma politização da operação”, avalia. “Quem fala aqui é uma pessoa que, no início da operação, colocou um adesivo no carro: ‘Eu apoio a Lava Jato'”.
Especialista em Direito Constitucional, Eduardo Appio assume o rótulo de ‘garantista’ e é um crítico declarado dos antigos métodos da operação: “Mesmo no auge da Lava Jato, quando havia essa tsunami popular em favor da operação, eu me sentia muito à vontade, como professor, para fazer uma crítica ao que estava acontecendo, porque entendia que havia excessos.”
As críticas renderam ataques públicos do deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR), ex-coordenador da força-tarefa no Paraná, que acusou o juiz de alinhamento com um programa ideológico de ‘esquerda’.
Ao Estadão, Appio nega vinculação a qualquer partido ou movimento político e rebate o deputado: “Todo político de extrema-direita acredita que o mundo é vinculado à esquerda.”
Natural do Rio Grande do Sul, o novo juiz da Lava Jato assumiu a vaga de Luiz Antônio Bonat, que sucedeu Moro e agora foi promovido a desembargador do TRF-4. Antes de assumir o cargo, Appio estava na 2.ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Paraná, onde cuidava de questões de Direito Tributário.
Maratonista desde 15 anos, o juiz corre todos os dias: “Sou viciado em endorfina.” Também é fã de cinema e literatura. O autor favorito é Philip Roth e o diretor é Elia Kazan.
Leia a entrevista completa:
ESTADÃO: O que levou o Sr. a se candidatar à vaga do Bonat?
O desafio de assumir a Vara mais difícil do Brasil em matéria criminal é um desafio que acho que move qualquer profissional. Eu fiquei onze anos na turma recursal do Paraná, trabalhando só com matéria previdenciária, o que acabou se tornando muito monótono no dia-a-dia, as mesmas matérias sempre. Então eu me impus esse desafio em uma nova etapa da minha vida, me senti maduro. E as condições macropolíticas, macroeconômicas, a própria cobertura da imprensa, tudo conspira hoje em favor de uma atividade jurisdicional e judicial totalmente independente. Eu sentia que, no auge da Operação Lava Jato, a cobrança que exista em cima da figura do juiz e a própria herança de credibilidade que o ex-juiz Sérgio Moro deixou na época era muito alta. Hoje o Brasil respira outros ares. Existe dentro dos próprios tribunais um equilíbrio de forças entre garantistas e punitivistas. Portanto, hoje eu me sinto mais à vontade e liberto para julgar de acordo só com a minha consciência, com liberdade e total tranquilidade. Como no passado recente o chamado punitivismo era muito forte, eu há dois, três anos atrás provavelmente não aceitaria me candidatar para a vaga.
ESTADÃO: Então o Sr. acredita que o punitivismo está sendo revisado? A Operação Lava Jato parece estar sendo passada a limpo?
Na frente judicial, a nossa tradição no Brasil sempre foi o chamado garantismo em matéria penal. Sempre se compreendeu as garantias e privilégios previstos na Constituição em favor de qualquer acusado como uma defesa a partir da qual o cidadão tem como se contrapor a uma força quase que onipotente do Estado. Se nós juízes não preservarmos essas garantias, estamos descumprindo a Constituição. A meu ver, o juiz, em matéria criminal, necessariamente tem que ser garantista, porque é o papel dele. O papel de acusação, e eu já fui promotor por três anos, é do Ministério Público. É uma carreira linda, mas cada um no seu espaço, cada um no seu quadrado. Onde houver confusão desses papéis, nós vamos criar uma cultura mais esquizofrênica, que não é permitida pelo Direito constitucional.
ESTADÃO: O Sr. identifica essa confusão de papéis na Operação Lava Jato? A série de reportagens Vaza Jato, por exemplo, revelou conversas entre Moro e Dallagnol sobre processos.
O que posso dizer, com base em 30 anos de atividade profissional, é que não existe nenhum tipo de comunicação secreta entre juízes e promotores. Eu nunca vi isso acontecer e nunca ouvi falar que isso aconteça. Eu não sei ainda a dimensão exata desses conteúdos da Vaza Jato, porque 95% desses diálogos estão sob sigilo no Supremo Tribunal Federal. São quatro terabytes de diálogo, nós temos diálogo para uma vida inteira e além. O que eu conheço foi o que acompanhei na imprensa, mas existem inúmeros indícios de que os diálogos são verdadeiros. Se fossem fake news, seria muito fácil: os procuradores no dia seguinte entregariam os celulares na Polícia Federal. Fica muito difícil emprestar veracidade à versão de que o hacker fabricou quatro terabytes de diálogos. É muito específico, envolvendo decisões judiciais, quem é de fora do Judiciário sequer conhece a terminologia.
ESTADÃO: O Sr. já disse que é contra o chamado ativismo ou populismo judicial. Na sua avaliação, isso ocorreu na Lava Jato?
Eu compreendo a visão do Sérgio Moro, que foi sempre um destacado juiz, combativo, dedicado, no seguinte sentido: ‘ou nós jogamos os holofotes na operação, a exemplo do que aconteceu na Itália, ou essa operação acaba em pizza, acaba sendo arquivada’. Ele próprio acho que falou, mais de uma vez, que havia uma estratégia no sentido de jogar os holofotes para que a população também se engajasse nessa missão. Quem fala aqui é uma pessoa que, no início da operação, colocou um adesivo no carro: ‘Eu apoio a Lava Jato’. Depois fiz algumas críticas como professor em artigos, porque vi que houve, de forma intencional ou não, uma politização da operação. Eu entendi que a operação estava indo, talvez não de forma intencional, para um lado mais politizado e mais atrelado a essa ideia do ativismo, do populismo judicial.
ESTADÃO: A ida do ex-juiz Sérgio Moro para o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro reforça essa visão?
Evidentemente que os críticos da operação viram nessa migração do então juiz federal Sérgio Moro, que havia determinado a prisão do atual presidente, para o ministério do Bolsonaro como uma cereja do bolo, como a explicação de algo que até então navegava no território das teorias conspiratórias.
ESTADÃO: O Sr. concorda com a reformulação promovida pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, que acabou com as forças-tarefas?
A Lava Jato produziu bons resultados. Por exemplo, apenas um delator, que é o Pedro Barusco, devolveu aos cofres da Justiça Federal US$ 100 milhões. Ele continua sendo ouvido regularmente como colaborador. A meu ver, a reformulação não foi no sentido de enterrar a força-tarefa. Se eu estivesse na posição do procurador-geral Aras, depois dos diálogos da Vaza Jato, provavelmente eu também tentaria reformular a força-tarefa. Trazer pessoas novas, vida nova, numa espécie de resgate dessa neutralidade, dessa imparcialidade.
ESTADÃO: A Lava Jato foi uma operação sem precedente, prendeu dois ex-presidentes, foi superlativa em diversos aspectos e, é claro, trouxe a reboque muitas críticas. Os críticos da operação batem na tecla do uso das prisões processuais para conseguir delações e da própria impunidade dos delatores. O senhor vê problema com esses métodos?
Mesmo no auge da Lava Jato, quando havia essa tsunami popular em favor da operação, eu me sentia muito à vontade, como professor, para fazer uma crítica ao que estava acontecendo, porque entendia que havia excessos. Havia uma crítica forte ao modelo de prisão preventiva que estava muito atrelado à extração de uma confissão, de uma delação. É um cenário ambíguo que na época permitia críticas, que eram procedentes ao meu ver. Eu acho que é papel da academia e dos professores escreverem, publicarem e criticarem. Ainda que naquele momento, auge da Operação Lava Jato, as minhas críticas tenham sido recebidas com alguma reserva, porque elas iam na contramão de um movimento popular ou populista, não sei o nome. A Operação Lava Jato nos ensina, tanto para o bem quanto para o mal, nos dá diversas lições históricas, nós temos que aprender com tudo o que aconteceu. O que foi de bom, positivo, tem que ser aproveitado no futuro. Aquilo que não foi bom, tem que ser criticado, como foi criticado no passado.
ESTADÃO: E o Sr. acha que a espetacularização foi usada como método na Lava Jato?
No caso do ex-presidente Michel Temer, houve uma espetacularização, sem dúvida alguma. Foi uma prisão, em via pública, totalmente desnecessária. Não sou fã, não sou eleitor do Michel Temer, mas ele tem uma vida inteira dedicada ao serviço público, é uma pessoa respeitada, jurista, autor de livros, professor. Bastaria um simples telefonema ao advogado do Michel Temer dizendo: ‘olha, temos aqui a prisão decretada, o senhor poderia se apresentar na sede da Polícia Federal?’. A condução coercitiva do atual presidente Lula também foi objeto de críticas na época. O Supremo Tribunal Federal acabou endossando todas essas críticas e declarando que as conduções coercitivas não são compatíveis com a Constituição. Se a Constituição diz que ninguém é obrigado a produzir provas contra si e que o acusado tem direito ao silêncio, evidente que a decorrência lógica é que ninguém pode ser conduzido à força para depor na fase do inquérito policial. Houve uma prisão por via transversa, que é a condução coercitiva, para fins de obter um depoimento que a pessoa não era obrigada a dar na fase do inquérito policial. O que eu defendo é o seguinte: as mesmas garantias que valeriam para o Michel Temer quando foi preso, para o Lula quando foi conduzido coercitivamente até o aeroporto e que participou sob a mira de fuzis do velório do próprio neto ou eventualmente para um futuro do Bolsonaro, são as mesmas garantias que eu defendo para qualquer um.
ESTADÃO: O Sr. concorda com esse entendimento do STF de que, sob o comando do ex-juiz Sérgio Moro, a 13.ª Vara de Curitiba atraiu para si uma espécie de super-competência?
Do ponto de vista estritamente técnico, até porque o caso já transitou em julgado, eu concordo integralmente. Por uma razão muito singela, simples, uma leitura quase que crua do Código de Processo Penal, que diz que o local do processo e julgamento é o local da consumação, onde acontecem os resultados do crime.
No caso da Lava Jato, praticamente todas as provas foram produzidas pela força-tarefa em Curitiba e autorizadas pelo juiz competente, Sérgio Moro, que na época entendeu que teria competência para os processos do Brasil inteiro, como já havia acontecido na década de 1990 com o Caso Banestado. Houve uma atração de competência universal e depois os processos foram redistribuídos por ordem do Supremo Tribunal Federal.
Eu penso que o melhor para o futuro é que todos os juízes das principais cidades da Justiça Federal deveriam ter competência para processar e julgar crimes de lavagem de dinheiro. Houve uma retirada dessa competência dos juízes do interior. Antes nós estávamos melhor, na minha percepção. Houve uma especialização para concentrar esses casos em cinco ou seis juízes no Brasil inteiro, entre ele Sérgio Moro e o (Marcelo) Bretas no Rio.
ESTADÃO: A gente vem se referindo à Lava Jato como falecida Operação Lava Jato, extinta Operação Lava Jato. Isso pensando no fim das forças-tarefas, na esteira da reforma encampada pelo Aras. Mas os processos continuam. Qual a situação na 13.ª Vara de Curitiba hoje?
40% do acervo original da Lava Jato permanece conosco. São 240 procedimentos penais, sendo 71 sigilosos. É muita coisa, muita audiência. Cada processo consome muito tempo e uma energia imensa. São processos complicados. Muitos têm colaboradores ou testemunhas morando no exterior, o que depende de autoridades estrangeiras. Há muita coisa técnica envolvendo contabilidade financeira, remessa de recursos ao exterior, para paraísos fiscais, muita coisa foi transacionada em espécie na época também, como propinas. Então o cenário é complexo, demanda muito trabalho. A responsabilidade é grande e o dever de seriedade maior ainda. Nós não queremos que a Lava Jato morra. Essa é a grande questão. Essa lenda urbana de que a Lava Jato morreu não é uma informação verdadeira. O próprio Deltan falou recentemente: ‘A Lava Jato morreu’. Fico uma ideia no ar tipo assim: ‘o sistema judicial não funciona, então eu sou obrigado a migrar para a política’. Peço inclusive ao hoje deputado Dallagnol, muito bem eleito, e ao hoje senador Sérgio Moro que nos ajudem a manter a Lava Jato viva. Todas as declarações no sentido de que a Lava Jato morreu não nos ajudam a fazer a operação sobreviver, pelo contrário, servem como uma pá de cal. A Lava Jato na minha mão não vai morrer, não vou ser o coveiro oficial da Lava Jato, de forma alguma. Eu não aceito esse papel histórico.
ESTADÃO: Além da transferência dos processos na esteira dessa controvérsia sobre a competência territorial, nós também tivemos mudança de entendimento do STF sobre a competência da Justiça Eleitoral para julgar casos de corrupção relacionados a crimes eleitores. Esses são dois fatores que, na prática, acabaram atrasando o desfecho de alguns processos. O Sr. acha que há um risco dessas ações acabarem sem uma decisão, seja na esfera eleitoral ou seja na criminal? Se sim, como evitar as prescrições?
Há risco concreto de prescrição. Essa é a razão maior da minha preocupação. Vários dos processos que foram para os Tribunais Regionais Eleitorais ainda não foram nem distribuídos, depois de nove meses. Embora compreenda as limitações da Justiça Eleitoral, eu estou cobrando providências. A implicação prática em caso de condenação é grande. Se esses políticos forem condenados, ficam inelegíveis, é a morte da carreira profissional. Então, quer dizer, tem implicação. Não é porque o Supremo redestinou parte dos processos para a Justiça Eleitoral que isso virou pizza, não é verdade. Tem muita gente interessada no arquivamento desses processos e que seja um Caso do Banestado 2.
ESTADÃO: Como o Sr. recebeu as críticas recentes do Moro e do Deltan?
Nós temos que ter uma noção muito clara e objetiva da realidade: tanto Moro quanto Dallagnol são políticos e a meta do político é se reeleger. A crítica é legítima, até porque eles estão vinculados a partidos mais à direita, o que não é legítimo é pressionar o juiz para tirar o juiz da causa. Isso nem o Moro admitiria, até porque o Moro tem caráter. Ele, por exemplo, nunca faria uma crítica a um pai recém-falecido. Existe um respeito nessas questões familiares.
Se tiver que mexer em algum vespeiro e prestar contas à população, nós vamos fazer. Ninguém vai me tirar dessa função por pressão, nem procurador, ex-procurador, advogados. Eu sigo firme e forte, independente das pressões que nós venhamos a sofrer. As críticas são legítimas, não interferem nos meus julgamentos e não vão ser um instrumento de pressão para me afastar da 13.ª Vara. Esse tipo de pressão eu não aceito.
ESTADÃO: O Deltan chegou a falar que seu pai foi citado em uma delação, que o Sr. é ligado ao espectro político de esquerda…
Eu não conheço o Deltan pessoalmente, sei que é uma pessoa dedicada ao serviço público. Que nós estamos na mesma canoa eu não tenho dúvida: que é a canoa de fazer a Lava Jato sobreviver. O problema é que ele está remando para um lado, eu estou remando para outro, e nisso a operação naufraga. Questões pessoais eu sequer me dou ao trabalho de responder, não vou entrar em uma polêmica. Até porque ele tem milhares de seguidores no Twitter e eu nem Twitter tenho. Acaba sendo assimétrico. Ele é um político, está no papel dele. O papel dele é conseguir cliques nas redes sociais. Se isso tem o custo da memória de um homem recém-falecido, um político honesto, é um preço que cada um julga se vale a pena pagar. Eu sei que, por exemplo, uma pessoa do caráter do Sérgio Moro não faria isso. Eu boto minha mão no fogo. Nem indiretamente existiriam as digitais dele num episódio tão raso.
Sobre a questão ideológica, todo político de extrema-direita acredita que o mundo é vinculado à esquerda. É um discurso recorrente. Nos últimos quatro anos nós fomos obrigados a, todos os dias, nos ajoelhar diante do altar do totalitarismo e fazer juras de amor a ideias policialescas. Tanto é que houve uma entronização, nos últimos anos, da função policial. Ao largo e a par da eleição de Moro e Dallagnol, nós tivemos um sem número de delegados, policiais militares, que fizeram uma carreira política meteórica e se elegeram com uma quantidade absurda de votos nessa onda ‘Lava Jato lato sensu – momento histórico’.
Em segundo lugar, o meu pai foi um político honesto durante 30 anos. Faleceu em 1 de novembro do ano passado de AVC em Porto Alegre. Ele nunca teve envolvimento em nenhum tipo de escândalo. Eu tenho muito orgulho do meu pai e do que ele nos legou em termos morais, ainda que ele fosse um político de direita.
Eu, do ponto de vista ideológico, sou um defensor dos direitos humanos, das garantias constitucionais. Não me considero uma pessoa de esquerda, de forma nenhuma. Eu acho que o cenário é muito mais complexo. Quando se fala de esquerda ou de direita nós estamos falando de quê? De pauta de costumes, aborto, educação sexual nas escolas? Na pauta econômica eu acho que o capitalismo é a melhor opção, sem dúvida alguma. Minha família toda votou no Bolsonaro. Meu pai foi deputado estadual e federal, sempre foi um político de direita. As pessoas tendem a misturar. Se você não endossa esse discurso de que: ‘Temos todos que ser contra o Supremo, temos que invadir, temos que mandar prender o ministro Alexandre de Moraes’, você é visto como persona non grata. Todo aquele que não é um patriota, é um comunista. É uma visão de mundo muito simplificada.
ESTADÃO: Acha que a neutralidade que o Sr. vem pregando pode ser questionada por conta dessas críticas e declarações passadas, como jurista e professor de Direito?
Eu, como acadêmico, sempre me apresentei como um garantista, nunca me escondi nas sombras. Se você vai lendo livros sobre garantias fundamentais e direitos humanos é natural que você também seja um produto dessa cultura e desse momento histórico. Democracia é um sistema onde não se bate em jornalista, não se bate em juiz, não se invade a sede do Supremo Tribunal Federal. Se alguém acha que eu sou suspeito, tem o processo de arguição de suspeição, qualquer um pode ingressar.
ESTADÃO: Como vê as críticas da Lava Jato aos ministros do STF?
Alguns ministros foram alvo da Lava Jato, de investigações formais ou informais. E foram, também, alvo nas redes sociais. Existe um relação de causa e efeito, do ponto de vista histórico, entre as críticas diárias feitas via redes sociais contra os ministros do Supremo e a invasão do 8 de janeiro, ainda que seja remota. Começa a criticar, todos os dias, não interessa se Deltan, Moro, ex-procuradores, quem quer que seja. Chega um dia que você cria as condições para que ocorra eventualmente uma quebra do Estado de Direito, uma invasão ao Supremo Tribunal. Não estou dizendo que é culpa deles, de repente não é nem intencional, mas mesmo não intencional vai erodindo a credibilidade, a simbologia do Judiciário.
ESTADÃO: E a doação eleitoral para a campanha do Lula? Dos R$ 13…
Isso não aconteceu. Não houve essa doação. Constou ali de fato o meu CPF. Tem uma série de teorias conspiratórias, de que seria uma forma de me tirar das funções. É algo que vai ter que ser apurado no futuro. Quando a poeira baixar, eu vou atrás, peço as providências legais e reparações devidas. Mas nesse momento toda e qualquer polêmica atrapalha o nosso foco em manter a Lava Jato viva.
ESTADÃO: O Sr. tem alguma pretensão política?
Eu nunca iria para a política. Eu vi a vida do meu pai. É uma vida muito sofrida. A vida de político tem disso: cobrança diária. O político não pode se furtar.
ESTADÃO: O Sr. e o Sérgio Moro eram amigos?
Sim. O Sérgio foi o único colega que eu convidei para os primeiros aniversários da minha filha. No plano pessoal eu gosto tanto dele quanto da esposa. As portas estão sempre abertas na Vara onde ele ocupou a titularidade por tanto tempo. A partir do momento em que a vida dele tomou esse ritmo tão frenético, ele sempre tão dedicado, nós sequer nos encontramos. Depois que ele assumiu o Ministério da Justiça não houve mais nenhum contato.