Falar de inteligência artificial em 2024 é um misto de empolgação e desconfiança. Com o lançamento do ChatGPT 4o e o avanço de outras ferramentas como o Sora e Gemini, o tema continua dividindo opiniões nas questões de propriedade intelectual, direitos de imagem e regulação.
A cautela é pregada até mesmo pelo fundador da OpenAI, Sam Altman, que expressou preocupação com o rápido avanço da inteligência artificial, especialmente com o seu uso no meio político.
“Meu maior medo é que essa indústria cause um dano significativo ao mundo. Se der errado, pode dar muito errado. Queremos ser vocais sobre isso e conversar com o governo”, disse Altman durante depoimento no Congresso americano em 2023.
Errado? Antiético? Nenhum adjetivo muda o fato de que 75% das pessoas que utilizam IA também estão fazendo uso dessas ferramentas no trabalho, segundo uma pesquisa divulgada pela Microsoft.
Enquanto a realidade bate à porta, a pergunta é: existe maneira justa de utilizar a IA?
Uma outra visão
Mesmo com todas as polêmicas, algumas empresas estão provando que é possível ter bons resultados utilizando IA com uma abordagem diferente, uma que não fere o direito de artistas, dubladores e ilustradores.
É o caso da Cappuccino Digital, agência criativa que conta com clientes como Vivo, Ajinomoto e Nintendo.
Fundada em 2000, a Cappuccino já era uma companhia estabelecida no mercado muito antes da implementação de IA no fluxo interno de trabalho, no ano passado.
O time conta com um conjunto de ferramentas próprias para realizar pesquisas aprofundadas sobre os clientes e seus mercados, fazer comparativos e auxiliar no esboço e visualização de ideias que serão colocadas em prática por profissionais reais.
“Nossa ideia não é utilizar conteúdo feito por IA no nosso produto final, mas sim, utilizá-la para ‘gerar conversas’ durante o processo de criação”, explica o CEO Vitor Elman
Segundo Elman, as novas práticas trazem mais assertividade aos clientes, e, apesar da perda da magia do antigo processo criativo, a otimização desse processo permite que o time tenha mais tempo para pesquisar, refinar o material e chegar no melhor resultado possível.
“Antigamente, precisávamos de 5 horas para termos um bom storyboard, hoje, criamos em 5 minutos. Podemos gerar uma locução de IA para exemplificar nossa ideia ao cliente e contratar um locutor real para gravar o material final”, conta
E na opinião do copresidente da Cappuccino, Rodrigo Martinez, otimização boa é otimização que faz sentido.
“Se a gente só otimizar, otimizar e otimizar, não há ganho em termos de qualidade. A ideia é que nosso time de criação tenha mais tempo para pensar, pesquisar e trazer coisas menos superficiais para o produto final”, diz Martinez.
IA como aliada nos processos internos
Não é segredo que a IA também está presente onde o cliente final não vê. Grandes players do mercado estão aderindo à tecnologia para otimização de processos internos.
No fim de junho, o Nubank anunciou a compra de uma empresa de inteligência artificial visando melhorar seus serviços.
Entre as principais aplicações, estão ferramentas de comunicação, marketing, organização e gerenciamento de dados. Há ainda soluções mais ousadas, como um chatbot personalizado para uso interno que conta com todo tipo de informação sobre a empresa.
“Ajudei a criar essa solução para uma gigante do mercado. No chat, você faz perguntas do tipo: “Qual é o market share da nossa empresa na Índia?” e consegue comparar esse market share com o do resto do mundo. Tem todo tipo de informação sobre a empresa. Antes você precisava procurar relatórios, trabalhar com um enorme volume de dados. A IA remove essa barreira”, exemplifica Elman
Precisamos temer?
Nesta semana, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) suspendeu a nova política de privacidade da Meta, dona do Facebook e Instagram. Ao melhor estilo Black Mirror, o novo termo autorizava o uso de dados pessoais para treinamento de IAs.
Segundo a agência, trata-se de uma ação que viola a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) do Brasil.
Do ponto de vista do mercado de trabalho, é inegável que o uso dessas ferramentas já está causando um impacto considerável. Recentemente, dubladores se mobilizaram contra a Globoplay, que usou vozes geradas por IA no documentário “Rio-Paris: a tragédia do voo 447”
O Movimento Dublagem Viva, que reúne profissionais de todo o Brasil, quer que a prática seja regulamentada para evitar prejuízos no setor.
“Nenhum produto produzido, localizado ou adaptado para o povo brasileiro poderá ser realizado substituindo um artista brasileiro por uma inteligência artificial”, diz o manifesto do movimento.
Em tempos de muitas perguntas e poucas respostas, o único fator imutável é que a IA não é o futuro, é o presente. Envoltos em um mar de áreas cinzentas, governos e autoridades adiam os debates e tentam ganhar tempo para absorver e entender os impactos dessa revolução.
Para Elman, que participa ativamente de discussões sobre regulamentação, não há como encontrar soluções viáveis sem primeiro entender e explorar o avanço dessas ferramentas.
“Não tenha medo de usar IA, tenha medo de não usar. É preciso sentar, discutir e falar sobre o assunto, mas não se afastar das ferramentas. Às vezes, é só uma questão de explorar e entender como elas podem te ajudar sem ferir o trabalho ou a propriedade intelectual de ninguém”, finaliza.