O deputado federal Silas Câmara (Republicanos-AM) não é “amigo do Lula [PT] nem da esquerda”, mas negar diálogo com a trupe petista iria contra sua “formação cristã”, afirma em entrevista a Anna Virginia Balloussier, da Folha de S. Paulo. “Diz a Bíblia: sempre que possível, devemos ter paz com todos.”
Se demonstra desinteresse pelo modo bélico, o novo presidente da Frente Parlamentar Evangélica também não perde a chance de ressaltar que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ainda é o favorito da bancada —apoio, segundo ele, intacto em meio a reveses judiciais e acusações de corrupção.
No sétimo mandato, o membro de um clã poderoso nas Assembleias de Deus do Norte brasileiro já chefiou a bancada em 2019 e 2020, primeiro biênio de Bolsonaro no poder.
Câmara simpatiza com a ideia de restringir ainda mais o aborto e, nesta entrevista à Folha, também defende o “eixo da maioria” para impor visões conservadoras, como o veto a direitos LGBTQIA+.
Lula cá
Câmara minimiza o receio de que a bancada, agora sob sua batuta, será afável demais com o governo petista. Mas também não quer dinamitar pontes com o Executivo. “Não faz sentido [ser acusado de ser próximo do PT] porque não sou amigo do Lula nem da esquerda, só sou uma pessoa de diálogo”, diz.
“Ser de diálogo não é ser aliado. Conversar não é ceder. Minha formação cristã me ensina assim, e é o que diz a Bíblia: Sempre que possível, devemos ter paz com todos. Quem parla, conversa.”
Sua posse gerou ruídos nos bastidores evangélicos, como se sua gestão pudesse amansar o brio oposicionista que alguns parlamentares desejam para a bancada. Câmara assumiu em agosto, após um acordo com Eli Borges (PL-TO), que rivalizou com ele na eleição para a liderança da frente —eles se revezarão no posto até 2024, um semestre para cada por ano.
À Folha Silas Câmara faz questão de realçar que ele até topa dar o benefício da dúvida, mas não encara Lula como um aliado natural. O petista, diz, “tem pautas completamente na contramão do que eram as pautas do governo passado”. O horizonte permanece nublado “por não conseguirmos ainda ler completamente o que pretende o governo em diversas áreas preciosas para a frente”.
Pontes
Não que a largada do terceiro mandato lulista tenha sido de todo frustrante. “Acho que ele está construindo um caminho para ter esse diálogo restabelecido através de políticas públicas que de fato alcançam majoritariamente a comunidade evangélica”, diz.
“É bom lembrar que temos no Brasil uma população extremamente forte nas classes C, D e E, que têm um elo forte com as igrejas evangélicas. Num gesto em que fortalece a distribuição de renda, com o tempo pode se construir o diálogo.”
Reconstruir pontes entre Lula e o campo evangélico, que o abraçou em suas duas primeiras incursões no Palácio do Planalto, pode até ser possível, mas não necessariamente provável. “Acho muito desafiador em função de que o governo reafirma sua posição contra princípios que acreditamos.”
Saca como exemplo uma resolução do Conselho Nacional de Saúde anunciada em julho. Ela estabelece diretrizes indigestas para vários evangélicos, em temas como aborto, LGBTQIA+ e maconha. Uma delas propõe reduzir para 14 anos o início da terapia hormonal em quem se reconhece transgênero. O piso no SUS, hoje, é de 18 anos.
Aborto
O tópico é ponto de honra para evangélicos, e um projeto de lei que restrinja ainda mais o procedimento contaria com a boa vontade da bancada, diz seu líder. “Nós, cristãos, estaremos sempre a favor da vida e contra o aborto, seja ele qual for.”
A reportagem questiona se isso significa endossar uma proposta para afunilar as hipóteses previstas na lei atual: risco à vida materna, estupro e anencefalia. Câmara diz que sim. “Sempre que a frente tiver que optar entre vida ou assassinato, seja a circunstância que for.”
LGBTQIA+
Direitos de minorias com homossexuais e transgêneros terão vida difícil no que depender do bloco evangélico, afirma Câmara.
“Fazemos nosso trabalho, que é respeitar a representatividade da população brasileira. Um país que tem 96% da sua comunidade cristã [na verdade, em torno de 80%, segundo pesquisas], que acredita que o casamento deve ser entre homem e mulher, como está no princípio bíblico, vai se posicionar sempre contra qualquer tipo de iniciativa que tire esse eixo da maioria.”
Sua versão de democracia implica numa “maioria que obviamente se coloca com suas convicções”.
Bolsonaro
Nem os oito anos de inelegibilidade, determinados em junho pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), nem o suposto envolvimento num esquema para enriquecer vendendo presentes ganhos enquanto presidente constrangem o apoio evangélico a Bolsonaro, segundo Câmara.
“Não acredito que seja um incômodo. Enquanto não transitado em julgado, condená-lo ou julgá-lo por antecipação é algo que os evangélicos não costumam fazer.”
Justamente porque o ex-mandatário ainda pode recorrer da decisão do TSE, o líder do bloco cristão acha deselegante especular outros presidenciáveis para 2026. “Até porque seria desrespeito ao direito de defesa dele.”
Para o deputado, nada mais orgânico do que as afinidades entre o ex-presidente e o segundo maior grupo religioso do país, atrás dos católicos.
“As principais lideranças enxergaram na proposta de Bolsonaro a segurança dos princípios nos quais acreditamos, que mesmo sendo espirituais trazem para o mundo material bênção e prosperidade para a nação. Outro fator importante foi a própria atenção que ele deu, nas agendas, em demonstrar carinho e presença no segmento.”