“Não podemos admitir um ambiente digital que viole os direitos das mulheres, que violente as mulheres cotidianamente, as transforme em objetos e fortaleça movimentos masculinistas”, afirmou a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, no último debate em Nova Iorque, no evento “Direitos e escolhas das mulheres em um mundo digital: por que precisamos de um Pacto Digital Global Feminista”, uma conversa entre Estados-Membros e Organizações da Sociedade Civil sobre como garantir que o gênero seja um tema chave do Pacto Digital Global e do Pacto para o Futuro.
Também participou pelo governo brasileiro a Secretária de Coordenação e Governança das Empresas Estatais do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Elisa Vieira Leonel, que falou sobre como a exclusão digital aumenta as desigualdades, afetando mulheres e meninas de maneira desproporcional. “Precisamos desenvolver capacidade para que meninas e mulheres possam verdadeiramente desfrutar das tecnologias”, defendeu.
Para uma plateia que contou com representantes de diversos países – de governos e organizações – que participaram da 68ª Sessão da Comissão sobre a Situação da Mulher (CSW, na sigla em inglês), a ministra cobrou medidas efetivas das gigantes da tecnologia para proteger meninas e mulheres no ambiente virtual. “Nós precisamos, efetivamente, de uma disputa de comunicação nas redes, que tenha uma linguagem dos movimentos das mulheres, das feministas, e que possamos ter segurança e meios para exigir das ‘Big Techs’ que tenham responsabilidades sobre o que sai nas redes sociais.”
Cida Gonçalves destacou que tramita no Congresso Nacional do Brasil um Projeto de Lei para combater as Fake News (PL 2630/2020), mas que ainda não avançou, pois foi criada uma narrativa na sociedade de que mecanismos como esse ferem a “liberdade de expressão”. “Esse é o grande debate que queremos fazer no Brasil, precisamos pensar nas formas que vamos regular o que sai e o que não sai nas redes, de forma que não se permita que as mulheres sejam tão violentadas nesse ambiente. Temos meninas que se suicidam devido à forma como, por meio das redes, expõem o seu corpo, a sua fala e o seu jeito”, lamentou.
A ministra das Mulheres disse ainda acreditar que uma perspectiva feminista é importante e necessária para o uso seguro das redes sociais, e que garanta o espaço das mulheres nos ambientes públicos e políticos. “Eu tenho corrido o país e a maioria das vereadoras hoje eleitas me dizem que não querem mais ser candidatas devido à violência política nas redes sociais”, continuou.
Cida Gonçalves agradeceu a troca de experiências e perspectivas, e ressaltou a importância desse debate para proteger a vida das mulheres no ambiente virtual. “Esse debate vai ajudar, não apenas ao Brasil, mas em nível mundial, o debate sobre a democracia e a comunicação nas redes sociais”, finalizou.
Pacto Digital Global
O Pacto Digital Global é uma iniciativa proposta pelo secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, cujo objetivo é assegurar o uso responsável das tecnologias digitais, em benefício de todas as pessoas. A proposta busca diminuir a exclusão digital e promover um ambiente digital seguro e inclusivo. O debate entre organizações que atuam pelos direitos das mulheres é garantir que a perspectiva de gênero esteja assegurada no Pacto. Durante o evento, foi distribuído o documento “Os princípios feministas para a inclusão de gênero no Pacto Digital Global”, que enumera dez tópicos.
Colocado como uma das principais ações das Organização das Nações Unidas para acelerar o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, o Pacto Global Digital está sendo proposto pelo Secretariado da ONU como um “texto-chave para a cooperação digital” a ser acordado na “Summit of the Future” (ou Cúpula do Futuro), em setembro de 2024. Espera-se que o Pacto Global Digital seja um dos principais resultados desse evento no próximo ano.
Portanto, as organizadoras do evento consideram que o debate sobre o tema acontece em um momento crucial, seis meses antes da tentativa de um acordo global. A avaliação é de que os próximos meses até setembro não são apenas uma contagem regressiva para o acordo do Pacto Digital Global, mas um período crítico para a incorporação da igualdade de gênero no mundo digital e que é necessário usar a influência coletiva para superar as divisões e proteger os direitos – afinal, deve-se compreender que o progresso digital sem igualdade de gênero é incompleto.
Foram parceiros na promoção do evento os governos dos Estados Unidos, do Brasil, da Finlândia, da Dinamarca e do Canadá; e entre os órgãos das Nações Unidas, ONU Mulheres, UNFPA e Parceria Global para Ação contra o Assédio e Abuso Online Baseado no Gênero.
68ª CSW
A Comissão sobre a Situação da Mulher (CSW) foi criada em 1946 e é a principal instância da Organização das Nações Unidas (ONU) dedicada exclusivamente a promover a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres em todo o mundo.
Este evento anual, realizado sempre no mês de março, que celebra o Dia Internacional das Mulheres, é o segundo mais significativo em Nova Iorque após a sessão inaugural da Assembleia Geral da ONU. A CSW congrega mais de 10 mil representantes de Estados-membros, entidades da ONU e ONGs credenciadas, focando na deliberação de temas críticos para os direitos das mulheres e igualdade de gênero.
A 68ª CSW tem como tema central “Acelerar a conquista de igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas, enfrentando a pobreza e fortalecendo as instituições e o financiamento com uma perspectiva de gênero”.