A troca de afagos protagonizada pelo deputado federal com o presidente Lula da Silva (PT) durante a cerimônia que sancionou a lei que cria o Dia Nacional da Música Gospel gerou incômodo entre líderes religiosos e parlamentares da bancada evangélica. Vice-líder do governo de Jair Bolsonaro (PL), Otoni foi acusado de traição política por expoentes protestantes após fazer elogios ao petista em agenda no Palácio do Planalto. O parlamentar, por sua vez, defende-se e diz ter cumprido sua função institucional.
Durante a solenidade com Lula nesta terça-feira, uma fala do deputado federal, particularmente, despertou a ira dos evangélicos. Em dado momento, Otoni agradeceu o presidente por ter sancionado, em 2003, a Lei de Liberdade Religiosa.
— As igrejas e organizações religiosas passaram, graças ao senhor, ao sancionar aquela lei, a ter personalidade jurídica, fazendo correções jurídicas no código civil, permitindo que as igrejas deixassem de ser simples personalidades como entidade de classe ou clubes de futebol. Assim, cada igreja passou a ter direito de fazer valer seu próprio estatuto — disse o deputado federal.
Lideranças ouvidas pelo O Globo atribuem a responsabilidade desta legislação à pressão feita pelo Congresso Nacional junto a organizações da sociedade civil. Um dos que mais critica Otoni de Paula é o pastor fundador da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, Silas Malafaia.
— O deputado Otoni de Paula até pouco tempo chamava Lula de ladrão e corrupto. Isso é estranho, não? Não era Bolsonaro? E ele mentiu: quem falou que Lula garantiu a liberdade religiosa no país? Quem garantiu é a Constituição Federal — elencou questionamentos.
Integrante da bancada evangélica, já tendo a presidido em 2022, Sóstenes Cavalcante afirma que o deputado deveria ter recusado a função de representar o atual líder, Silas Câmara (Republicanos-AM), que está afastado das funções legislativas após ter passado por uma cirurgia cardíaca.
— Ele poderia ter cumprido a missão sem exagerar nas falas. Para quem foi vice-líder de Bolsonaro, as falas para Lula foram desvencilhadas da realidade. No lugar dele (de Otoni), não iria. Teria pedido para outro deputado ir no meu lugar, mas ele está caminhando cada vez mais à esquerda. O perfil do Otoni é ser governo, sem importar quem — afirmou Sóstenes Cavalcante.
Além das críticas a Otoni de Paula, tanto Silas Malafaia quanto Sóstenes criticam Lula por uma cerimônia “oportunista”. Segundo eles, a sanção da lei não é “mais que a obrigação” do presidente, uma vez que, caso resolvesse vetar, iria enfrentar reação do Congresso.
Outra liderança que se junta as críticas ao governo é o fundador da Sara Nossa Terra, bispo Robson Rodovalho. Segundo ele, a sanção da lei não tem impacto algum na relação com os evangélicos.
— Nós tivemos leis de maior impacto. A sanção não tem impacto nenhum. O que transparece é uma coisa 100% política porque não houve nenhuma aproximação significativa conosco no sentido de estabelecer bases, de respeitar os valores cristãos.
Sobre Otoni de Paula, Rodovalho evita críticas diretas, mas diz que o parlamentar deve se importar com os efeitos negativos de estar em agendas como essa.
Nos bastidores, pastores afirmam que a aproximação de Otoni com o governo federal se dá após a indicação de Wanderson Monteiro, ligado ao MDB, como superintendente do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) no Rio de Janeiro. O deputado nega qualquer vínculo com esta nomeação.
‘Continuo sendo de direita’
Questionado pelo jornal O Globo sobre as recentes críticas, Otoni de Paula disse ter seguido sua função de vice-presidente da bancada evangélica na solenidade e afirmou que exerceu o “papel basilar” da igreja de orar pelas autoridades do país.
— Eu falei alguma mentira? Relembrei que em 2003, graças ao presidente, tivemos a lei da liberdade religiosa. Por conta disso sou Lula? Sou PT? Não, eu vou me manter dialogando com quer que seja e continuo sendo um parlamentar de direita e conservador. Chega dessa hipocrisia bolsonarista que faz que você finja que não dialoga no público, mas conversa no privado. Eu não preciso conversar com as câmeras desligadas — justificou.
Sobre o governo federal, Otoni disse ver diferenças evidentes com a gestão nas pautas de costumes de Lula, mas fez elogios à política social.
Esta não é a primeira vez que o deputado se torna alvo de repúdio por posicionamentos políticos. Nas eleições do Rio de Janeiro, foi amplamente criticado por bolsonaristas ao assumir o posto de coordenador de campanha entre os evangélicos do prefeito Eduardo Paes (PSD), que se reelegeu em primeiro turno.