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domingo 3 de março de 2019 às 18:12h

Não cabe mais político com dimensão carnavalesca, diz Crivella

DESTAQUE, POLÍTICA


Após dois Carnavais longe do Rio de Janeiro, o prefeito Marcelo Crivella (PRB) decidiu acompanhar os festejos na cidade. “Tenho que ficar, senão o povo briga”, disse ele, que foi para o exterior nos dois anos anteriores.

Bispo licenciado da Igreja Universal, Crivella, 61, não esconde o desconforto que o impede de participar dos desfiles de escola de samba e da entrega simbólica da chave da cidade ao Rei Momo na sexta-feira antes do feriado. A denominação religiosa do prefeito condena a festa.

“As pessoas precisam entender uma coisa. Quem é o Crivella? É um homem evangélico cuja origem é essa. […] Eu não governo como se estivesse governando para os evangélicos. Agora, tenho minhas convicções da minha consciência e coração”, afirmou o prefeito. Ele responde ação civil pública sob acusação de privilegiar evangélicos em políticas públicas, o que ele nega.

Crivella afirma ainda que seu comportamento discreto durante a festa é o atual desejo da população.

“O Rio de Janeiro é o epicentro de corrupção e violência. Só vamos vencer essa crise com mudanças de costumes. Não cabe mais aos líderes políticos uma dimensão carnavalesca do cargo público”, disse à reportagem.

Entusiasta do primeiro bimestre do governo Jair Bolsonaro, o prefeito afirma que o caso de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), e dos laranjas do PSL só “reforça a figura do mito”.

“O presidente é claro em dizer que tudo isso tem que ser investigado e esclarecido”, afirmou em seu gabinete.

Pergunta – O sr. pretende ficar no Rio de Janeiro no Carnaval?

Marcelo Crivella – Tenho que ficar, senão o povo briga. Nas outras vezes que viajei, sempre fiz questão de deixar o Rio de Janeiro com todas as suas capacidades de prestar os serviços para o Carnaval.

A briga do povo não indica a importância da presença do prefeito no Carnaval?

MC – As pessoas precisam entender uma coisa: quem é o Crivella? É um homem evangélico cuja origem é essa. Sou prefeito. Então sirvo a espíritas, católicos, evangélicos, macumbeiros, homossexuais, transexuais, heterossexuais, gente que não tem religião. Eu não governo como se estivesse governando para os evangélicos. Agora, tenho minhas convicções da minha consciência e coração.

Com o que o sr. não se sente confortável com o Carnaval?

MC – O Carnaval precisa andar com suas próprias pernas. O Eduardo [Paes, ex-MDB e hoje DEM] assumiu muitos compromissos enormes que tive de honrar: R$ 70 milhões [de verba pública para Carnaval]. No segundo foi para R$ 40 milhões. Nesse abaixou para R$ 30 milhões. Espero que no ano que vem seja menos. Estou retirando recursos públicos mas garantindo que venham da iniciativa privada. Nesse desmame no Carnaval, ele não perdeu brilho.

Carnaval também ganhou tons críticos e o sr. virou alvo.

MC – Fui muito criticado pela Mangueira. A Mangueira está recebendo esse ano projetos de mais de 3.000 apartamentos. As críticas são todas bem-vindas. Tenho medo da unanimidade que foi o [ex-governador, atualmente preso, Sérgio] Cabral, canonizado pela mídia.

Por que o sr. não participa da entrega da chave ao Momo?

MC – Antes de eu ser prefeito, a vida inteira os prefeitos entregaram a chave da cidade. Melhorou o nosso nível no Ideb [índice de qualidade da educação]? A desfavelização? Por que eu tenho que dar a chave?

Pela tradição?

MC – A tradição tem que se reverter em algum benefício, alguma coisa palpável. A cidade do Rio de Janeiro é o epicentro do Brasil de corrupção e violência. Só vamos vencer essa crise com mudanças de costumes. Não cabe mais aos líderes políticos uma dimensão folclórica, carnavalesca do cargo público.Temos que voltar, os homens públicos, a gostar das coisas simples, a dar valor à solidariedade, à humildade, à confiança e à austeridade.Essa sua frase remete a Joãosinho Trinta (1933-2011), que dizia: “Quem gosta de miséria é intelectual”. O povo gosta de honestidade e justiça, que os políticos tratem os recursos públicos com austeridade.

As eleições do ano passado indicam isso para o sr.?

MC – As eleições do ano passado indicam uma ruptura. O povo não sabia se as coisas iam dar certo, mas queria mudar.

O sr. vê uma onda conservadora de direita?

MC – Se chamar de conservador as pessoas cultuarem os princípios cristãos, da civilização ocidental que pertencemos, acho que sim. Passaram a considerar como fundamental os valores da vida, da família, da austeridade, da honestidade. Isso prevaleceu.

Como sr. tem avaliado os primeiros passos do governo Bolsonaro?

MC – Tenho muita esperança. Vejo um compromisso com as reformas que deem sustentabilidade ao país. Tive uma conversa com o ministro Paulo Guedes [Economia] e ele disse: “O esforço que os estados e municípios fizerem para reduzir custeio e aumentar receita será recompensado pelo governo federal”. Gostei dessa conversa. Sou herdeiro de um governo insustentável. Ele pode dar um alongamento do empréstimo, um subsídio.Na reforma Previdência, acho que ele tem razão. O Brasil precisa entender que, se estamos vivendo mais, precisamos trabalhar mais. Quem ganha mais deve pagar mais.

Há clima para a aprovação?

MC – Tenho a impressão que os 70 anos [mínimos] para quem vai receber a Loas [benefício para idosos e deficientes em situação de miséria] é algo que o Congresso deve mudar. A participação dos militares, dos policiais, provável que não se aprove o regime geral sem verificar esses casos. Mas acredito que é importante para o equilíbrio fiscal.

Temos também ministros que simbolizam mais a ideologia do governo, como o da Educação [Ricardo Vélez Rodríguez]. O ministro da Educação presta um relevante papel à sociedade dentro daquilo que falei. É preciso que voltemos a valorizar princípios, valores, formação de consciência e o amor à pátria. Se há alguma exagero, no percurso, serão corrigidos. Os princípios cristãos fazem parte de uma formação humanista e espiritual do povo brasileiro. Não vejo o Brasil sem isso.

Lembro-me quando era vice-líder do [ex-]presidente Lula, eu procurei o [então] ministro da Educação Fernando Haddad. Disse a ele que o kit gay seria um problema para o governo. Ele falava da homofobia e eu dizia que tínhamos dispositivos legais para combatê-la no Código Penal.

Ocorreu que o ministro da Educação insistiu no tema e perdeu a eleição para o Bolsonaro exatamente por isso. São assuntos de família, que o povo brasileiro não quer que sejam tratados na escola. Ali ele [Fernando Haddad] estava assinando sua derrota e criando um mito, que foi a figura do presidente Bolsonaro.

O caso Queiroz e os laranjas do PSL arranharam esse mito?

MC – Pelo contrário. Reforça a figura do mito. O presidente é claro em dizer que tudo isso tem que ser investigado. Bolsonaro não é homem de varrer nada para debaixo do tapete.

Sua administração ainda não conseguiu uma marca. Nem as PPPs, como em Rio das Pedras, o sr. tirou do papel. Reconhece essa dificuldade?

MC – Reconheço, sou o mais inconformado dos cariocas. Mas desde o princípio eu nunca prometi uma marca de governo como as dos governos anteriores, de obras. Gostaria que a minha marca fosse a austeridade, a sustentabilidade e a honestidade.Gostaria muito de retomar a PPP de Rio das Pedras. Eu não consegui naquele momento fazer as obras por problemas orçamentários e também uma ação da milícia.

A milícia de Rio das Pedras é suspeita de ter matado a vereador Marielle Franco. Esses fatos se juntam?

MC – A dificuldade que tive em Rio das Pedras foi com as milícias. Num primeiro momento o projeto foi aclamado, depois foi considerado ruim. Começaram a dizer que haveria remoções, que seriam retirados para Santa Cruz e Bangu.

Será candidato a reeleição?

MC – Sem a menor dúvida, estarei firme e forte para disputar a eleição. Tenho certeza que até lá vamos ter realizado muito mais até lá. Tenho feito algumas pesquisas qualitativas e montei um vídeo [chamado] “Você sabia?”. Quando as pessoas assistiram os vídeos, elas ficaram surpresas. Não sabiam que nós tínhamos realizado tanto. E no fim eu explico: “É porque não estávamos preocupados em contar para você. Estávamos preocupados em fazer”. Nesses dois anos de crise, não tínhamos dinheiro para publicidade.

O sr. pretende investir em publicidade agora?

MC – Agora pretendo para que as pessoas conheçam as realizações do nosso governo.

MARCELO CRIVELLA, 61

Formado em engenharia civil, é bispo licenciado da Igreja Universal. Foi senador (de 2003 a 2017) e ministro da Pesca (de 2012 a 2014, governo Dilma Rousseff). Após duas tentativas frustradas, foi eleito em 2016 prefeito do Rio, com 59,36% dos votos válidos contra Marcelo Freixo (PSOL). Também havia disputado, sem sucesso, duas eleições para o governo do estado. É filiado ao PRB.

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