Um dos episódios mais constrangedores da história política do país foi a criação do Partido da Mulher Brasileira. Após obter seu registro perante a Justiça Eleitoral em 29/09/2015, a nova legenda atraiu nos primeiros meses de funcionamento 23 membros do Congresso Nacional. A bancada, porém, tinha apenas duas congressistas. O Partido da Mulher Brasileira era uma agremiação formada majoritariamente por homens.
A incoerência custou caro e rapidamente o PMB desidratou, hoje relegado à irrelevância. Em 2022, elegeu só três deputados estaduais – todos homens, para manter viva a piada pronta.
A falta de representatividade feminina não é exclusividade do PMB. Desde a eleição da médica paulista Carlota Pereira de Queirós, pioneira a tomar posse como congressista no Brasil, em 1934, apenas 329 mulheres exerceram mandatos na história da Câmara.
No Senado Federal, o país esperou até 1979 para assistir uma mulher assumir o mandato, a professora amazonense Eunice Michilles. Entre titulares e suplentes, somente 67 mulheres frequentaram o Salão Azul como representantes dos Estados brasileiros até hoje.
Na Assembleia que redigiu a Constituição de 1988, a bancada feminina era composta por 26 deputadas federais frente a 461 deputados e 72 senadores. Eram mais de 20 homens para cada mulher entre os responsáveis para definir a organização do país que emergia após a ditadura.
Algumas comissões da Câmara têm claro viés misógino
Engana-se, porém, quem imagina que essas distorções são coisa do passado. Mesmo depois da instituição de incentivos como a determinação de que os partidos reservem 30% de suas vagas e dos recursos dos fundos eleitoral e partidário para candidaturas femininas, em pleno 2023 o Legislativo federal conta com apenas 16 senadoras e 87 deputadas – 19,75%
A baixa representatividade feminina no Congresso vai muito além da composição geral do plenário. A Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou em 2021 a responsabilidade pelos mortos da pandemia tinha 18 membros, entre titulares e suplentes. Todos eram homens. Não se trata de um caso isolado.
Analisando a composição das comissões permanentes da Câmara na legislatura passada (2019-2022), verificamos uma desproporção muito grande no peso de cada gênero nesses fóruns deliberativos.
A presença de deputadas é majoritária só na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, com 83% das vagas titulares ao longo de toda a legislatura. No rol de comissões em que as deputadas tiveram assentos superiores ao seu peso no plenário (15,1%), destacam-se Cultura (41,3%), Educação (35,8%), Direitos da Pessoa Idosa (33,5%), Saúde (32,3%), Pessoas com Deficiência (31,9%), Direitos Humanos (28,5%) e Legislação Participativa (22,6%).
Para alguns, esses números revelam as preferências dominantes das deputadas, e esses seriam os temas mais afetos às preocupações das mulheres. Analisando o outro lado, é inescapável suspeitar da imposição de barreiras à participação de mulheres nas comissões de maior relevância para a economia.
Quando se trata de deliberar sobre temas como tributação, regulação econômica, comércio exterior, mobilidade urbana, habitação e relações de consumo, os líderes dos partidos fecham as portas às mulheres. A participação de deputadas fica entre um terço e a metade de sua representatividade geral na Casa (15,1%) nas comissões de Finanças e Tributação (6,9%), Desenvolvimento Urbano (6,8%), Defesa do Consumidor (6,2%), Fiscalização Financeira e Controle (6%), Minas e Energia (4,8%), Desenvolvimento Econômico (4,7%) e Relações Exteriores e Defesa Nacional (5,9%).
O padrão se mantém na atual legislatura. No recém-criado Grupo de Trabalho para analisar a Reforma Tributária, foram nomeados 13 deputados, todos do sexo masculino.
Para o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), reforma tributária não deve ser assunto de mulher.
Por Bruno Carazza – Mestre em Economia e doutor em Direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)