Animados com a possibilidade de impeachment de Dilma Rousseff, partidos do Centrão, à época aliados ao governo, sentaram-se à mesa para discutir o encerramento precoce da gestão da petista. Líderes do PP, do Republicanos e do PR (atual PL) estavam prontos para o desembarque, mas aguardavam a definição de um importante aliado do grupo para bater o martelo: Gilberto Kassab, presidente do PSD, que, por comandar o Ministério das Cidades, um dos mais poderosos da Esplanada, estava em uma situação um pouco mais delicada. Pressionado por outros partidos e por deputados da sua própria legenda, Kassab topou a guinada e apresentou sua carta de demissão a Dilma. Nela, dizia que, apesar de acreditar na integridade da presidente, a maioria do PSD era favorável ao impedimento, o que tornava insustentável a permanência dele no governo. A petista se recusou a receber o auxiliar, de quem até hoje guarda mágoa. Dois dias depois, a Câmara deu aval ao afastamento da presidente. Ao assumir o comando do país, o vice Michel Temer anunciou a composição do novo ministério — e lá estava ele, Kassab, assumindo a pasta das Comunicações.
O episódio ilustra como o ex-prefeito de São Paulo, ex-deputado e fundador do PSD, partido que experimenta uma franca ascensão no país, se move ao sabor dos ventos. Ou, como ele prefere dizer, está sempre disposto a ajudar o governo, qualquer governo, de direita, esquerda ou centro, não importa. Num país tão polarizado como o Brasil, Kassab é um dos poucos políticos que pairam acima da disputa entre Lula e Jair Bolsonaro, mantendo um pé — e grande influência — em cada uma das canoas dos dois principais adversários políticos no país. Essa condição privilegiada é resultado de uma boa dose de pragmatismo, da aversão a alinhamentos ideológicos e da capacidade de perceber para onde o poder aponta, algo que ele trata com ironia, dizendo ser mais fácil se tornar vidente do que decifrar os rumos da política nacional. Alguns números, no entanto, mostram que a bússola de Kassab está afiada. Atualmente, o PSD tem a maior bancada do Senado e está à frente da presidência do Congresso com o senador Rodrigo Pacheco (MG), que, ao se filiar à legenda, em 2021, chegou a ser cotado como um possível nome para vice de Lula.
Em 2022, o partido acabou sem apoiar nenhum candidato ao Palácio do Planalto, numa estratégia para manter as portas abertas aos dois favoritos ao cargo, mas, logo após a vitória de Lula, passou a integrar o grupo de transição e ganhou três ministérios no governo: os poderosos Minas e Energia e Agricultura e a tímida pasta da Pesca. Diante de um quinhão dessa magnitude, seria natural imaginar que Kassab traçasse seus planos futuros junto com o PT, mas ele não fecha portas nem negligencia oportunidades. Exercendo o cargo de secretário de Governo do Estado de São Paulo, o presidente do PSD é o principal articulador político do governador Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos), apontado como provável herdeiro de Jair Bolsonaro para disputar a Presidência com Lula e o PT em 2026 ou em 2030. A parceria entre secretário e governador já rendeu frutos para o PSD. Em menos de quatro anos, o partido filiou mais de 200 novos prefeitos no estado e, assim, passou a comandar o maior número de municípios no país, com mais de 1 000 representantes. O mérito, diz Kassab, é todo de seu “chefe”. “Não houve nenhuma intervenção de máquina, nada. As pessoas queriam estar sob o guarda-chuva do líder, o governador Tarcísio”, disse em entrevista a Veja.
A declaração deixa a impressão de que a filiação em massa ocorreu sem sobressaltos, mas não foi bem assim. Outras siglas da base de Tarcísio reclamaram que Kassab, valendo-se do posto de homem forte da administração estadual, cooptou prefeitos com a promessa de privilegiá-los com obras e verbas. Ele nega e alega que o PSD cresceu ocupando o espaço aberto com a derrocada de outro partido de centro, o PSDB. Nas eleições de 2024, a legenda deseja manter a liderança nacional em número de prefeituras e, em São Paulo, a meta é seguir influente em mais da metade dos municípios, o que pode ser fundamental para um projeto pessoal que o secretário diz não existir, mas o mundo político — na capital paulista e em Brasília — dá como certo: a candidatura dele ao governo de São Paulo. Isso poderia ocorrer em 2030 ou 2026, dependendo da eventual entrada de Tarcísio na sucessão presidencial. Protocolar e soando desinteresse, o cacique do PSD se limita a dizer que não tem “obstinação” por nenhum cargo, mas indica “disposição” para cumprir as missões.
Afeito a conversas de bastidor e reservado sob os holofotes, Kassab faz o que pode para se equilibrar entre petistas e bolsonaristas. Sua resposta sobre de que lado ficaria num eventual embate entre Lula e Tarcísio revela outra de suas características, talvez a que mais se destaque: a cautela exagerada. “A minha experiência, os tantos anos de vida pública me permitem, de maneira muito respeitosa, responder para você que é uma pergunta a que eu não vou responder”, desconversa. Hoje, a tendência é que o governador de São Paulo dispute a reeleição, considerado um caminho eleitoral mais seguro. Mas os ventos sempre podem mudar e, se isso ocorrer, o mandachuva do PSD estaria pronto para assumir mais uma de suas missões, a de candidato da dupla Tarcísio-Bolsonaro ao Palácio dos Bandeirantes. Por que ele seria escolhido e não um bolsonarista? A resposta está na contrapartida que o PSD pode oferecer em âmbito nacional. Além de comandar o Congresso, a legenda conta com a maior bancada do Senado, quinze senadores, mais 43 deputados na Câmara, a sexta em tamanho, e ainda se prepara para disputar a presidência da Casa em fevereiro de 2025.
O nome escolhido por Kassab para concorrer ao cargo é Antonio Brito, parlamentar baiano que está em seu quarto mandato e, assim como seu guru, tem entre as principais habilidades a capacidade de transitar com extrema facilidade da esquerda à direita. Considerado desde já competitivo, Brito conta com a simpatia da bancada do PT e de auxiliares do presidente Lula, é próximo do deputado Arthur Lira, presidente da Câmara, e tem potencial para atrair os colegas de centro, que decidem as votações na Câmara. Sua candidatura pode decolar se ficar claro que, como Kassab, ele adotará durante a campanha uma postura de equilíbrio entre petistas e bolsonaristas. Caso saia vencedor, Brito poderia, aí sim, usar o comando da Casa para fortalecer o projeto presidencial do PSD — seja ele qual for.
É justamente esse um dos pontos fracos de sua postulação. Em Brasília, diz-se que Kassab já está forte demais e que lhe dar mais musculatura seria uma temeridade. As resistências anunciadas, porém, não mudam o ímpeto do cacique. Outra de suas metas é filiar ao PSD Davi Alcolumbre (União Brasil), considerado franco favorito para vencer a eleição no Senado. O partido, assim, poderia chefiar as duas Casas do Congresso. Nem tudo pode — ou deve — sair como o planejado, mas Kassab está mais empenhado do que nunca em manter o papel de protagonista, alinhando-se a Lula, a Bolsonaro, aos dois ou, dependendo dos ventos, a nenhum dos dois. A lealdade de Kassab sempre esteve, e sempre estará, com quem veste ou pode vestir a faixa presidencial.
Aqui, ali e acolá
Braço direito do governador Tarcísio de Freitas e com três ministérios no governo Lula, Gilberto Kassab mantém seu futuro político e o do partido abertos para qualquer cenário.
Qual é a sua relação com o presidente Lula? Eu já estive algumas vezes com ele neste mandato, junto com o governador Tarcísio e com outras lideranças do partido. É um relacionamento natural, rotineiro, como o de qualquer liderança política. Todos sabem que o PSD não apoiou nenhum candidato à Presidência da República e deixou o posicionamento a critério de cada militante. O PSD é um partido que hoje contribui para a governabilidade; nós temos três ministros, e tudo aquilo que estiver ao nosso alcance para ajudar o Brasil será feito.
Qual avaliação o senhor faz do governo? Todos sabem que a avaliação verdadeira se dá no final do segundo ano do mandato, quando acabam as eleições municipais e é concluída a primeira metade da gestão. Então, em alguns meses nós vamos ter uma avaliação mais real do governo, da consistência das suas ações, dos resultados que costumam aparecer. Mas estou entre aqueles brasileiros que torcem para que o governo vá bem.
O senhor costuma ser mais enfático para falar da gestão Tarcísio. Sou secretário do governo Tarcísio. Estou vivendo o governo de dentro e vivo com a experiência que eu tenho de acompanhar praticamente os últimos dez governadores do estado. Eu o vejo realmente como alguém que está fazendo um trabalho excepcional, enfrentando todos os problemas, encontrando maneiras de superar os desafios.
O seu futuro é alvo de muitas especulações. Estou para contribuir com qualquer missão que seja apresentada, não tenho nenhuma obstinação por nenhum cargo, em nenhuma posição.
Tentam no PSD colar a pecha de ser um partido sem ideologia. É natural, ainda mais em um ano de eleição municipal e de embates, que fique essa saia justa, os partidos querendo eleger os seus quadros. Essas avaliações para tentar mostrar que o seu partido é melhor do que o outro são normais em qualquer democracia. Esta é a beleza da democracia, a disputa.
Em termos de polarização, o senhor acha que a eleição de 2026 vai repetir os moldes de 2022? Torço para que não. O Brasil é um país muito grande, com cento e tantos milhões de eleitores, e nem todos se sentem representados por posições de direita ou de esquerda. Eu não sou contra aqueles que são de direita ou de esquerda, mas é evidente que nesses milhões de eleitores tem aqueles que se consideram centro, centro-esquerda e centro-direita. Acho que são muito expressivos os números e os representantes desses nichos ideológicos.
E se o senhor tiver de escolher entre Lula e Tarcísio, dois aliados? A minha experiência, os tantos anos de vida pública me permitem, de maneira muito respeitosa, responder que essa é uma pergunta a que eu não vou responder. Não tem nenhum cenário, nenhuma circunstância que me permita ter elementos para responder.