Bem mais de uma hora já havia passado desde a derradeira cobrança na disputa de pênaltis que eliminou o Brasil na Copa quando Tite finalmente apareceu na sala de imprensa para dar explicações sobre o fracasso da Seleção. A atmosfera entre os jornalistas brasileiros era, por óbvio, a pior possível. Ainda na arquibancada, instantes após a derrota, alguns não escondiam o choro.
O técnico demorou para falar. Já eram 21h58 no Catar e nem sinal de Tite. O treinador croata Zlatco Dalic já havia passado por ali e exaltado o feito de bater o poderoso time que figurava nas bolsas de apostas como favorito ao título. Um repórter perguntou se ele usou as dancinhas dos jogadores brasileiros para motivar seus comandados. A resposta foi curta e grossa: “Eu não gostaria que meus jogadores dançassem”. Ponto. Ele já havia dito coisa parecida em outra entrevista, antes do jogo.
No auditório de 160 lugares que abriga as entrevistas pós-jogo no Education City Stadium, falando ao vivo para o Brasil, repórteres de rádio rompem o silêncio tentando resumir a tragédia de Doha. De tempos em tempos, eles respondem aos âncoras se, afinal, Tite apareceria ou não – era evidente que sim, porque as entrevistas dos técnicos, do vencedor e do derrotado, são parte integrante do protocolo da Fifa.
Um dos radialistas se empolga. Fala alto ao microfone, enquanto dezenas de outros jornalistas de diversas partes do mundo aproveitam o tempo de espera para ultimar textos sobre o jogo e enviá-los a suas redações. Uma funcionária da organização o repreende. Educadamente, pede que a barulhenta transmissão do brasileiro seja feita a partir de outro lugar, de preferência do lado de fora do auditório. Ele explica que precisar ficar porque tem que levar ao ar a entrevista de Tite. Há um princípio de estresse, mas tudo logo se resolve. O repórter fica.
Precisamente às 22h09, horário de Doha, a porta bem ao lado da bancada de onde falam os entrevistados, com as marcas dos patrocinadores da Copa ao fundo e a bola oficial dos jogos à mostra, se abre. Tite surge acompanhado dos integrantes de sua comissão técnica. Os principais sentam-se a seu lado. Os outros acomodam-se na primeira fileira de poltronas do auditório, junto dos jornalistas. O semblante do técnico é de abatimento, claro. Ao longo de toda a entrevista, porém, não haveria nada que chegasse perto sequer de uma admissão de erro ou de culpa.
Um repórter pergunta sobre a desorganização do time. Tite, a seu modo, retruca. Para ele, o time não estava desorganizado em campo. Outro indaga sobre a postura do técnico de seguir para o vestiário enquanto os jogadores, os mais jovens em especial, choravam no gramado. É um comportamento que merece reflexão? Talvez, ele diz, para se justificar logo em seguida. O “talvez” é a máxima concessão que o técnico faz ao responder sobre as razões do fracasso e sobre o que aconteceu logo depois. “Tu viu eu comemorar outras vezes, nos momentos em que vencemos?”, rebate.
Tite diz estar “em paz” consigo mesmo – apesar da “derrota dolorida”, ressalva –, confirma que está mesmo de saída depois de seis anos no comando da Seleção e, sim, segue na mesma toada até o fim. O sofrimento de um país inteiro parece um tanto distante da retórica serena e algo conformada do técnico.
Para cada crítica embutida em cada pergunta, há uma justificativa. Listar Neymar, o melhor batedor de pênalti do grupo, como último cobrador? Normal. Erro nas substituições? Zero. Erro de estratégia durante o jogo normal? Nenhum – e, para o técnico, prova disso foi o fato de a Croácia ter finalizado apenas uma vez, justamente a que resultou no gol de empate, ainda assim depois de a bola desviar em Marquinhos.
A arrogância estava no ar. O tempo todo. Como, aliás, já estava bem antes de o Brasil entrar em campo naquela fatídica noite no Catar, e não apenas por parte do técnico – para ficar em apenas dois pequenos exemplos, registre-se a postura de Raphinha ao responder à crítica às dancinhas do time (“O problema é de quem não gosta, porque a gente vai continuar fazendo”) e a de Vinícius Júnior ao falar do bife folheado a ouro que comera no Catar (“Na folga posso fazer o que bem entender”).
A autossuficiência de Tite e sua aura de infalibilidade mesmo no fracasso fazem lembrar a conhecida postura dos políticos brasileiros. É um retrato acabado do país que teima em não enxergar seus erros para evitar que eles se repitam no futuro.
Por Rodrigo Rangel, do portal Metrópoles.