Repatriações vêm ganhando força nos últimos anos, em meio ao clamor de países do Sul Global. Para alguns analistas, pressão sobre museus pode ser benéfica para a UE, que tenta melhorar sua imagem na região.Em janeiro, durante a visita do primeiro-ministro do Camboja, Hun Manet, à França, o presidente Emmanuel Macron prometeu apoiar a devolução de artefatos históricos dos Khmer – principal grupo étnico do país – e ajudar a expandir o Museu Nacional do Camboja.
Macron é frequentemente citado como o primeiro líder europeu a apoiar a reivindicação de países asiáticos que querem suas antiguidades de volta. Em 2017, ele já havia prometido fazer “tudo que for possível” para recuperar o patrimônio cultural saqueado durante o colonialismo francês.
Alguns meses antes, em 2016, o Guimet, museu nacional francês para arte da Ásia, havia concordado em devolver ao Camboja uma estátua Khmer do século 7 que havia sido retirada do país na década de 1880 mediante um contrato de empréstimo de cinco anos.
Em julho de 2023, dois museus holandeses, entre eles o renomado Rijksmuseum, devolveram uma extensa coleção de artefatos à Indonésia e ao Sri Lanka, duas ex-colônias holandesas.
Em um pronunciamento oficial, o governo da Holanda afirma que os objetos foram trazidos de forma injusta durante o período colonial, tendo sido adquiridos mediante coerção ou pilhagem.
Também holandês, o museu de história natural “Naturalis”, em Leiden, devolveu restos humanos pré-históricos de 41 indivíduos que haviam sido retirados de um sítio arqueológico no norte da Malásia no final do século 19. As ossadas foram encontradas em um vilarejo com idade estimada entre 5 mil e 6 mil anos.
Museus têm demonstrado maior interesse em procedência de itens
Recentemente, a Alemanha e a França anunciaram a destinação de 2,1 milhões de euros (R$ 11,3 milhões) a um fundo de pesquisa para rastrear a procedência exata de objetos africanos da era colonial mantidos em coleções de museus públicos, o que gerou especulações sobre uma iniciativa semelhante para itens asiáticos.
Uma nova onda de clamores pela restituição de antiguidades saqueadas surgiu após o Metropolitan Museum of Art de Nova York anunciar que devolveria 14 esculturas ao Camboja e duas à Tailândia. As peças haviam sido adquiridas do comerciante de arte britânico Douglas Latchford, acusado por tráfico de antiguidades em 2019.
Brad Gordon, conselheiro jurídico do Ministério da Cultura do Camboja e um dos atores envolvidos na devolução dos artefatos no ano passado, afirma estar em contato com museus no Reino Unido e em Paris para discutir a devolução de antiguidades cambojanas. Segundo ele, museus na Áustria e um “importante museu” em Berlim também demonstraram interesse pelo tema.
Gordon afirma que sua equipe pesquisa atualmente a procedência de artefatos cambojanos na Alemanha, França, Itália e Escandinávia, bem como em coleções privadas na Europa. “Estamos em modo de pesquisa neste momento, e aceitamos de braços abertos qualquer consulta feita por museus e colecionadores”, diz.
A DW procurou diversos museus para comentar o assunto, mas não obteve resposta.
Qual é a base legal para a devolução de artefatos?
Quando um país tenta recuperar seus tesouros culturais, a principal base legal é a Convenção da UNESCO de 1970 sobre Meios de Proibir e Prevenir a Importação, Exportação e Transferência Ilícita de Propriedade Cultural.
No entanto, segundo a ONG German’s Lost Arts Foundation, essa convenção tem limitações, como o fato de não agir retroativamente, deixando de fora o período colonial.
A fundação enfatiza que qualquer acordo desse tipo exigiria a participação de muitos países, já que “praticamente todas as regiões do mundo estiveram envolvidas em estruturas coloniais desde o século 15, pelo menos por algum tempo”. Isso quer dizer que artefatos culturais na Europa podem ter origens diversas, com contextos de aquisição distintos.
Alguns governos europeus têm proposto leis nacionais para decidir sobre o destino dos artefatos em seus museus, embora muitas delas não tenham prosperado por falta de apoio político.
O governo austríaco quer apresentar uma legislação ainda neste ano para regular a restituição de objetos em museus nacionais adquiridos durante o período colonial.
O Weltmuseum em Viena reconheceu que muitos de seus 200 mil objetos podem se enquadrar nesse critério, incluindo antiguidades do Sudeste Asiático.
Devolução de itens é “oportunidade valiosa” para europeus
Museus europeus têm resistido em devolver algumas de suas coleções mais valiosas.
Apesar de museus holandeses terem devolvido centenas de artefatos à Indonésia no ano passado, eles se recusaram a entregar os restos do “Homem de Java”, o primeiro fóssil conhecido da espécie Homo Erectus descoberto durante a era colonial.
Especialistas, porém, ponderam que a devolução desses artefatos pode trazer benefícios significativos para os países europeus, especialmente quando eles buscam expandir sua influência em regiões como o Sudeste Asiático.
De acordo com o pesquisador Cameron Cheam Shapiro, a repatriação de artefatos é uma oportunidade valiosa de mudança de imagem: além de sinalizar compromisso com o direito internacional e boa vontade para “reconhecer e corrigir erros passados”, também ajuda a construir boas relações internacionais.
Um órgão europeu de justiça restaurativa?
Em dezembro, uma proposta de resolução foi apresentada ao comitê de desenvolvimento do Parlamento Europeu, destacando que a União Europeia não tem feito “esforços coordenados para reconhecer, lidar e corrigir os impactos duradouros do colonialismo europeu nas desigualdades sociais e internacionais”.
O texto também sugeriu a criação de um órgão permanente da UE dedicado à justiça restaurativa, uma abordagem que busca reparar as injustiças históricas e promover a reconciliação.
Alguns governos europeus têm buscado vincular explicitamente a devolução de artefatos roubados ao reconhecimento e arrependimento pelo colonialismo histórico.
É o caso da Holanda. No ano passado, o primeiro-ministro Mark Rutte pediu formalmente desculpas pela ocupação da Indonésia. Um mês depois, dois museus devolveram artefatos saqueados de Jacarta.
“É um momento para olhar para o futuro”, declarou à época Gunay Uslu, secretária de Estado holandesa para Cultura e Mídia, afirmando que a devolução inaugurava “um período de cooperação mais estreita com a Indonésia” em pesquisas e intercâmbios acadêmicos.
Segundo Shapiro, se os museus europeus devolvessem mais itens, isso seria “um passo monumental em direção a uma estratégia maior de soft power na região, especialmente onde ainda parece perdurar um sentimento anticolonial”.
Mas ele faz uma ponderação: se os europeus estão atrás dos mesmos elogios que os Estados Unidos receberam no Sudeste Asiático pela devolução de artefatos, então eles terão que “fazer uma demonstração mais pública de seus esforços e estar dispostos a cooperar” com os governos da região em suas investigações.