Apenas 18 das 133 embaixadas brasileiras espalhadas pelo mundo atualmente (13,5%) são chefiadas por diplomatas mulheres, enquanto as outras 115 têm homens no comando (86,5%).
Análise de Cristiano Martins, Nicholas Pretto e Paula Soprana, da Folhapress, mostra estagnação e até alguns retrocessos nesse tema, pouco mais de um semestre depois do discurso de posse do ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, no qual ele reconheceu uma “sub-representação crônica” e anunciou uma política de diversidade no Itamaraty.
Dados oficiais reforçam a queixa da Associação de Mulheres Diplomatas do Brasil (AMDB), fundada no início do ano, de que há um “teto de vidro” no órgão: mulheres enfrentariam uma barreira invisível para chegar aos cargos mais altos. Dois terços das servidoras na ativa integram o grupo.
Em janeiro, a embaixadora Irene Vida Gala, presidente da associação, disse à “Folha de S. Paulo” que a expectativa era de progresso significativo nos seis primeiros meses de governo, a tempo para as promoções seguintes.
Passado o período, ela avalia não ter havido avanços. “É uma pena que ainda não tenha sido identificada por parte da alta chefia a importância de se estabelecer esse diálogo.”
A disparidade de gênero no Itamaraty é histórica e pode ser vista desde a entrada no Instituto Rio Branco – a escola que forma diplomatas do Brasil – até a aposentadoria dos servidores. As mulheres representam 23% do quadro atual de diplomatas. Essa proporção diminui progressivamente da base até o topo da carreira: de 26% no nível de secretário para 20% entre os ministros de segunda e primeira classes.
O funil fica ainda mais apertado nas designações para chefias internacionais. As mulheres ocupam hoje 16% desses postos, incluindo embaixadas, consulados, escritórios, delegações e outras representações.
O debate voltou à tona com a nomeação de Maria Luiza Viotti, em 29 de maio, como primeira mulher a assumir a embaixada nos Estados Unidos, em Washington. Se, por um lado, a escolha foi ao encontro das promessas do chanceler, por outro evidenciou a raridade desse tipo de indicação, como a nomeação de Maria Laura da Rocha para o posto de secretária-geral do Itamaraty. Ela se tornou, assim, a primeira mulher na história a ocupar o cargo, o segundo mais importante da hierarquia da diplomacia brasileira.
Viotti e Claudia Fonseca Buzzi (Suíça) são hoje as únicas mulheres a chefiar embaixadas do mais alto nível, num total de 15 postos. A classificação oficial nas categorias A, B, C e D leva em conta “a representatividade da missão, as condições de vida na sede e a conveniência da administração”.
Outras duas diplomatas comandam embaixadas do grupo B, enquanto cinco estão na classe C, e nove (metade) em representações do patamar mais baixo, como Burkina Fasso, Guiné-Bissau e Mianmar.
“Houve também involução no segundo escalão do Itamaraty”, diz Vida Gala, referindo-se às secretarias da pasta no Brasil. “Isso não corresponde aos compromissos do novo governo.”
Até agora, o Senado aprovou 27 designações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Além de Viotti, a única mulher na lista é Silvana Polich, indicada para a embaixada na Croácia.
A proporção feminina é menor que a registrada no início da gestão Jair Bolsonaro (PL), que teve três mulheres entre as 18 nomeações aprovadas entre janeiro e agosto de 2019.
Em carta aberta enviada recentemente ao chanceler, Vida Gala defendeu a reserva de vagas no concurso do Rio Branco para “solucionar a questão de forma perene”, argumentando que “a representação é uma das funções da diplomacia”. Segundo o IBGE, 51% da população brasileira é composta por mulheres.
Nos últimos dez anos, as turmas tiveram entre 11% e 37% de alunas. Projeção com dados do Rio Branco desde 1946 sugere que, no ritmo atual, a paridade na entrada seria alcançada por volta de 2089.
Já na porta de saída, o quadro de aposentados da administração federal revela que 58,6% das diplomatas mulheres terminaram a carreira nos cargos mais baixos (secretária ou conselheira), enquanto 80,1% dos homens alcançaram as posições superiores (ministro de primeira ou segunda classes).
Pesquisa da Universidade de Gotemburgo (Suécia) sobre o número de embaixadoras pelo mundo mostra o Brasil na 106ª colocação proporcional entre as 162 nações com ao menos 20 representações externas, próximo a países como Tunísia, Moçambique, Camboja, Congo, Mongólia e Guiné Equatorial (13% a 14%).
“Nossa manifestação não desabona as qualidades dos homens indicados. Questiona, porém, por que às mulheres, com a mesma qualificação, não lhes são dadas as mesmas oportunidades”, afirma a AMDB em nota divulgada em junho, depois das primeiras levas de designações do novo governo.
À “Folha de S. Paulo”, o Itamaraty argumenta que a menor presença de mulheres em cargos superiores pode ser explicada em parte por uma “opção” das diplomatas. “Por diversas razões, alguns servidores (homens e mulheres) podem optar por não apresentar a tese e finalizar a carreira na categoria de conselheiro”, diz o órgão, em referência ao Curso de Altos Estudos, requisito para a ascensão a ministro de segunda classe.
“O último ciclo de promoções pautou-se pelo fortalecimento da diversidade […] Promoveu-se uma proporção de mulheres maior que a de homens quando considerado o total de aptos”, acrescenta.
Sobre postos no exterior, o órgão reconhece que o número de mulheres em chefias “pode ser melhorado nos próximos anos”, enfatizando que a designação parte da Presidência e requer aprovação do Senado.
O texto também destaca que o corpo diplomático possui presença feminina “bastante inferior à média do serviço público federal” e que 85% das ministras de primeira classe exercem alguma função de liderança.
O Itamaraty informa ainda que “criou um canal institucionalizado de diálogo” como parte de uma política de inclusão estabelecida em abril. “Espera-se que os comitês possam auxiliar a elaboração de medidas que aumentem a diversidade e revertam esse quadro de sub-representação crônica.”